sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Paulo Autran

Paulo Autran (Paulo Paquet Autran) nasceu no Rio de Janeiro em 7 de setembro de 1922 e passou a maior parte de sua vida na capital paulista. Com poucos meses de idade foi para Espírito Santo do Pinhal, interior de São Paulo, graças ao trabalho de seu pai, delegado de polícia. Em 1927 sua família se fixou na cidade de São Paulo.

Por influência do pai, Paulo Autran se formou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1945. Inicialmente, pensava em ser diplomata. Nessa época, participou de algumas peças de teatro amador e acabou convidado a estrear profissionalmente em "Um Deus Dormiu Lá em Casa", com direção de Adolfo Celi, no TBC - Teatro Brasileiro de Comédia.

No começo relutou, afirmando não ser um ator profissional. Quem o incentivou foi a atriz e grande amiga Tônia Carrero. A peça estreou no dia 13 de dezembro de 1949 e tornou-se um grande sucesso, rendendo inclusive prêmios para o ator.

Paulo Autran largou a advocacia e passou a se dedicar exclusivamente à carreira artística, dando prioridade ao teatro, sua grande paixão. Em 1956, fundou com Adolfo Celi e Tônia Carrero uma companhia teatral, que durou cinco anos.

Depois seguiu sua carreira independente, fazendo peças de sucesso, como "My Fair Lady", "Visitando o Sr. Green" e "Pato com Laranja". Sua trajetória confunde-se com a história do teatro brasileiro na segunda metade do século 20, tendo atuado com diretores consagrados e com novos talentos, além de ter contracenado com todas as grandes atrizes de sua época.

Para tornar-se conhecido de um público mais amplo, participou de telenovelas "Gabriela, Cravo e Canela"; "Pai Herói"; "Guerra dos Sexos" e "Sassaricando"; além de minisséries como "Hilda Furacão". Em todas elas, conseguiu tornar seus personagens populares.

Em mais de 50 anos de carreira fez cerca de 90 peças, 15 filmes, inúmeras novelas e especiais para a TV. Era casado, desde 1999, com a atriz Karin Rodrigues.

Em 2006, Paulo Autran estreou seu 90º espetáculo, a peça "O Avarento", de Molière, mas teve de interromper a temporada devido aos problemas pulmonares que acabaram por matá-lo. Autran sofria de câncer no pulmão e enfisema. Faleceu em 12/10/2007, na cidade de São Paulo .

Fontes: Net Saber; Paulo Autran - Biografia - UOL Educação.

Paschoal Carlos Magno

Paschoal Carlos Magno (Rio de Janeiro RJ 13/01/1906 - idem 24/05/1980), teatrólogo, revistógrafo, crítico e compositor, foi uma personalidade fundamental na dinamização e renovação da cena brasileira. Fundou o Teatro do Estudante do Brasil e o Teatro Duse.

Em 1926, faz uma experiência como galã em Abat-Jour, de Renato Viana. Em 1928, tem uma fugaz participação, como ator, no Teatro de Brinquedo, de Álvaro Moreyra; e escreve críticas para O Jornal. Em 1929, lidera ampla campanha de coleta de recursos para fundar a Casa do Estudante do Brasil. 

Em 1930 sua canção Pierrot recebe a melodia do compositor Joubert de Carvalho, para a abertura de sua peça Pierrot, prestes a estrear no Rio de Janeiro pela companhia de Jaime Costa, da qual Paschoal assume a direção artística. Além de romântica, a canção deveria explorar o timbre agudo de Jorge Fernandes, o cantor escolhido para interpretá-la. No mesmo ano, recebe da Academia Brasileira de Letras, ABL, um prêmio por esta peça.

Em 1937, funda o Teatro do Estudante do Brasil, TEB, inspirado nos teatros universitários europeus, com uma função pedagógica, de formação teatral, e outra artística, de introduzir no nosso teatro a função do diretor teatral, cargo para o qual convoca a atriz Itália Fausta, que assina o primeiro espetáculo do grupo, Romeu e Julieta, de William Shakespeare, em 1938.

Em 1946, Paschoal tem representada em Londres, com boas críticas, a sua peça Tomorow Will Be Different, montada em vários outros países europeus, e também no Brasil. No mesmo ano, assume a coluna de crítica do jornal Democracia e, no ano seguinte, a do Correio da Manhã, que assina até 1961, através da qual exerce forte influência sobre o panorama teatral. 

Em 1948, sob sua orientação geral, e com direção do alemão Hoffmann Harnisch, o TEB monta Hamlet, de William Shakespeare, que alcança enorme sucesso e prestígio, sobretudo por revelar, no papel-título, o singular talento do jovem Sérgio Cardoso, então com 22 anos, a quem Paschoal define, na sua coluna, como sendo desde já o maior ator do Brasil. Sob a repercussão desse êxito, e das viagens de Paschoal pelo Brasil afora, teatros de estudantes começam a ser criados em várias cidades. 

Em 1949, Paschoal preside o lançamento pelo TEB, de um Festival Shakespeare, no Rio de Janeiro, com Romeu e Julieta, Macbeth e Sonho de Uma Noite de Verão; e cria, junto com a cantora Alda Pereira Pinto, o Teatro Experimental de Ópera.

Em 1952, Paschoal leva o TEB para extensa turnê pelo norte, com peças de Sófocles, Eurípides, William Shakespeare, Gil Vicente, Henrik Ibsen, Martins Pena. No mesmo ano, dá início a uma outra iniciativa importante: o Teatro Duse, uma sala de aproximadamente 100 lugares e um palco mínimo, instalada no casarão de Paschoal, em Santa Tereza. Inaugurado em 1952, com João Sem Terra, de Hermilo Borba Filho, o Duse funciona, com ingresso gratuito, até 1956, revelando, entre outros, Aristóteles Soares, Francisco Pereira da Silva, Leo Vitor, Antônio Callado, Rachel de Queiroz, Paulo Moreira da Fonseca, Maria Inês Barros de Almeida, e conquistando um lugar de prestígio no panorama cultural do Rio de Janeiro. 

Nomeado responsável pelo setor cultural e universitário da Presidência da República por Juscelino Kubitschek, desloca-se permanentemente pelo país afora, garimpando jovens talentos e lutando pela criação ou dinamização de espaços onde eles possam dar vazão à sua ânsia de aprender e criar. Em 1958, organiza em Recife o primeiro Festival Nacional de Teatros de Estudantes, reunindo mais de 800 jovens e dando início a uma tradição que prosseguirá até o sexto festival.

Nomeado, em 1962, secretário geral do Conselho Nacional de Cultura, realiza a Caravana da Cultura, reunindo 256 jovens artistas que percorrem os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas, apresentando espetáculos de teatro, dança e música e realizando exposições de artes plásticas e distribuição de livros e discos. Uma iniciativa semelhante, a Barca de Cultura, que desce pelo Rio São Francisco de Pirapora a Juazeiro, é promovida por Paschoal já na década de 70. 

O golpe de 1964 o afasta dos centros do poder e prejudica a sua carreira diplomática. Sua última grande realização inicia-se em 1965, quando ele inaugura, no interior do Estado do Rio de Janeiro, a Aldeia de Arcozelo, da qual pretende fazer um local de repouso para artistas e intelectuais e um centro de treinamento para as diferentes áreas das artes. 

Mas a volumosa obra consome o resto da sua fortuna e o obriga a vender o seu casarão de Santa Tereza para pagar as dívidas. Ainda assim, o dinheiro revela-se insuficiente, e Paschoal ameaça publicamente tocar fogo na fazenda. Alguns auxílios, oficiais ou privados, chegam a ser liberados; mas até hoje a Aldeia de Arcozelo encontra-se fechada sob o domínio da Fundação Nacional de Artes Cênicas.

Fontes: Enciclopédia Itaú Cultural; A Canção no Tempo – Vol. 1 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34.

O irmão adquirido

Tempos atrás, o Walter Clark telefonou-me. Foi sumário: — "Preciso de ti". Ainda perguntei: — "Qual é o drama?". Fez suspense, fez mistério: — "Só pessoalmente". E já se despedia: — "Te espero. Vem já".

Meia hora depois, entro no seu gabinete, ali, na TV Globo. Tenho que esperar, porque ele despachava alguém. E, então, para fazer hora, vou espiar os quadros do meu amigo.

Walter Clark gosta de pintura e, pior, entende de pintura. Ao passo que eu, como o Otto Lara Resende, sou um idiota plástico. Certa vez, aconteceu uma, que considero antológica. Estávamos, eu e o Otto, na casa do Hélio Pellegrino. E paramos, um momento, diante de um Volpi. Veio o Hélio e jurou que o Volpi era "melhor que Portinari". Uma abjeta pusilanimidade crítica tapou-nos a boca. Mas, assim que o anfitrião virou as costas; ciciei para o Otto e o Otto ciciou para mim: — "Abominável Volpi! Horrendo Volpi!". Essa sinceridade cochichada lavou-nos a alma.

E, justamente, o escritório do Walter Clark está cheio de belas cópias de Cézanne, Gauguin, Degas, Monet etc. etc.

Aqui há um jóquei, ali uma bailarina, acolá uma mulata e, mais adiante, um clown. Falta-me entusiasmo visual. Para mim e o Otto, a boa pintura é como um texto chinês de cabeça para baixo. Súbito, ouço o Walter balbuciar, de puro assombro: — "Você veio da Hungria só para me tomar dinheiro?". Era verdade. O sujeito que lá estava viera, sim, de Budapeste, pedir-lhe setenta contos emprestados.

Walter quis um abatimento para cinqüenta. O patriota húngaro não transigiu: — "Setenta". E daí não saía. Walter subiu para sessenta. E ninguém percebeu que os papéis já se invertiam. O pedinte agora era o meu amigo. Sim, era ele que crispava as mãos numa súplica abjeta. O outro estava quase ofendido e quase enojado.

Houve um momento em que, nauseado, ergueu-se: — "Ou setenta ou nada". Então, batido, o Walter encheu o cheque dos setenta. O sujeito olha o papel, verifica a quantia, a data e a assinatura. E vai-se embora sem agradecer e sem se despedir.

Só então o Walter me chama. E confesso: — pasmei para o esplendor dos seus suspensórios. Não sei se me entendem. O meu amigo usa, hoje, os suspensórios dos gângsteres de Chicago, na Grande Depressão. São, por assim dizer, suspensórios paisagísticos, com figurinhas de flores, bezerros, vaquinhas, bodes, arvoredos, corações flechados.

Essas tatuagens encantadas fascinam, não só os visitantes da TV Globo, como os funcionários da casa. Eu diria que a única vaidade física do Walter Clark está nos suspensórios.

Começamos a conversar e ele foi direto ao assunto: — "Bola um programa de televisão. Coisa interessante. Pra você fazer com o Otto e o Hélio".

Seria um programa sem limite de tempo. E, todas as noites, ou mais precisamente, no fim da noite, eu, o Otto Lara Resende e o Hélio Pellegrino passaríamos em revista, e com a maior imodéstia, os grandes problemas do Brasil e do mundo.

Prometi ao Walter: — "Vou pensar".

Fui para casa e não me saíam da cabeça as vaquinhas desenhadas nos suspensórios. Quebrava a cabeça e não me ocorria uma idéia, um título, nada. Até que, de repente, fez-se luz. Imaginei um programa que se chamasse assim: — Os falsos canalhas. Repeti para mim mesmo: — Os falsos canalhas. Uma das vantagens do título era fazer mistério, fazer suspense. De resto, "canalha" era uma das palavras mais fortes, mais densas, mais patéticas da língua.

Quando liguei para o Walter, propondo o título, ele fez espanto: "Por que falsos canalhas?". Tratei de explicar. Todos os países e todos os idiomas têm uma seletíssima elite de "canalhas aparentes". Darei um exemplo. Imaginem um político, ou um poeta, ou um artista, ou um ministro, ou um funcionário. Parecem esculpidos em ignomínia.

Lembro-me de um rapaz que conheci, uma flor de rapaz. E todos o apontavam e cochichavam: — "Pulha da pior espécie!". Mas ninguém sabia de um gesto seu menos correto, de uma ação menos digna, de um sentimento menos nobre. Até que, uma tarde, eu próprio o vi passar, de braço, com a esposa linda.

Estava aí o mistério de sua reputação: — a mulher bonita.

E, de fato, não custa chamar de "escroque", de "gatuno", de "crápula", aquele que tem, em casa, uma Ava Gardner. O fato é que os "falsos canalhas" existem, por toda a parte. E o triste é quando o sujeito morre sem reabilitação.

Todos pensam, inclusive a própria família, que o morto foi realmente um pulha. Há sempre alguém, no dia de Finados, com vontade de lhe cuspir na cova.

Mas o que eu queria, na presente confissão, é contar uma experiência muito pessoal. Imaginem que, certa noite, meu irmão Mário Filho apresentou-me a Carlos Heitor Cony. É exatamente a pessoa: — Carlos Heitor Cony. Jornalista, polemista, romancista etc. etc.

Eu já o conhecia de nome e de vista. Vira-o, uma madrugada, nos Três Patetas, tomando café. Não sei se café ou sei lá. Não, não: Estava em pé, nos Três Patetas, junto ao balcão, e de cachimbo. Até o momento em que fomos apresentados, Cony era um cachimbo. Não uma pessoa, e não um artista. Um cachimbo.

Bem me lembro da nossa primeira conversa. Eis o que eu pensava: — que sujeito indesejável, irrespirável e cínico.

Eis a palavra: — cínico. Achei Carlos Heitor Cony de um cinismo abjeto e total. E não entendia por que Mário se afeiçoara a ele e tão profundamente. Dizia-me: — "O Cony! O Cony!". Em suma: — com meia hora de conversa, já não tive a menor dúvida: — era um canalha. Seu riso me ofendia e me humilhava. Na primeira pausa, aproveitei para me despedir.

Saí, desesperado e nem sei por que desesperado. Afinal, não tínhamos nenhuma relação especial, nenhuma intimidade.

Mas sentia uma angústia intolerável, como se a simples presença de Carlos Heitor Cony exalasse o tifo, a malária, a febre amarela.

E quantas vezes, depois disso, Mário me falou de Cony. Sim, o meu irmão continuava achando o amigo um maravilhoso ser. Eu não entendia nada. Mas senti, sempre, sempre, que Mário ia ser, e para sempre, amigo do canalha.

Até que, uma madrugada, às quatro e pouco, bate o telefone. Lúcia atende: — Mário acabara de morrer. Corri para vê-lo.

Na véspera, tomamos café juntos, no bar da esquina. E ele combinara, para o dia seguinte, uma chopada com o Hélio  Pellegrino. Debrucei-me sobre o irmão. As mãos entrelaçadas e com que estremecido amor. Tive pudor de beijá-lo.

Bem. Quero falar, não de mim, mas de Carlos Heitor Cony. Chegou, na casa de Mário, às seis da manhã. Pára diante de mim, abre os braços, grita: — "Como foi isso? Como foi isso?". O espanto veio antes da dor. Eu via, ali, um outro Cony, absurdo, irreal, jamais concebido. E, depois, ficou ainda, algum tempo, vagando por entre mesas e cadeiras — tão órfão de Mário.

Foi aí e só então que entendi a amizade que os unia.

O irreal, o absurdo, era o Cony cínico, o Cony pulha, o Cony obsceno; o verdadeiro Cony é o da orfandade brutal. Vi-o desabar. Afundou o rosto nas duas mãos, chorou alto, chorou forte.

E, naquele momento, eu me tornei seu irmão, para sempre.

Era, sim, o falso canalha.

[25/6/1968]


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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Contra a violência

Apanho o jornal e vejo o telegrama: — Hollywood declara guerra à violência. São atores, atrizes, diretores, roteiristas.

É uma unanimidade, mais uma unanimidade. Assim somos nós, todos nós.

O nosso gesto, o nosso ódio e o nosso grito — já não precisam nascer na solidão. O homem quer ser irresponsável.

Na hora do protesto, da ira, todos providenciam uma urgente unanimidade. Ninguém está só. Matamos e morremos em grupos, em hordas, em maiorias, em assembléias, em comícios.

No manifesto de Hollywood, o que existe, precisamente, é o pânico da responsabilidade nítida, indivisível, total. Não há um nome, uma cara. Cada qual se esconde debaixo da unanimidade como de uma cama. Todos são contra a violência, a crueldade, o sadismo, o terror. Vejam e pasmem: — daqui, para o futuro, Hollywood só fará filmes com bons sentimentos.

Não tenho nada a objetar. É uma reação linda, embora tardia. Mata-se demais no cinema, morre-se demais, trai-se demais, odeia-se demais. E há, na tela, um erotismo difuso, volatilizado, atmosférico. A platéia respira voluptuosidade. E tudo nos é transmitido em forma de perversão.

Portanto, parece muito cabível e sábia a correção ética que se propõe.

Até aqui, Hollywood viveu, inversamente, dos maus sentimentos. Com que técnica e com que arte, com que fotografia e com que direção, soube ela tecer as mais lindas fantasias sobre as nossas abjeções!

Para não ir mais longe, aí está Belle de jour (1), Quem o veja percebe esta verdade absoluta: — o "grande diretor" não pode ter essa mediocridade de virtudes e defeitos que se exige de um marido burguês. Para pôr de pé um personagem sádico, cruel, voluptuoso, ele terá de ser de um sadismo, ou de uma voluptuosidade, ou de uma crueldade profunda. E assim o intérprete, e assim o fotógrafo, e assim o autor dos diálogos. Um filme como Belle de jour exige toda uma equipe de possessos. Aquela esposa alucinatória é o próprio Buñuel. Sim, ela é ele.

Diria eu que a humana sordidez tem sido o ganha-pão dos que, hoje, tentam uma árdua, frenética e antieconômica purificação. Se não existisse no homem o lado podre, se não existisse no fundo de cada qual a lama inconfessa e encantada, também não existiria a indústria cinematográfica.

Ah, o cinema nos compromete desde meninos! Bem me lembro dos mitos que Hollywood teceu para as crianças. Um deles foi Tom Mix. Outro, Rolleaux; outro ainda, William S. Hart. Pois Tom Mix subia no cavalo e dava tiros em todas as direções. Matava, e como matava! Era assassino por todas as crianças da platéia.

E, de repente, a unanimidade resolve acabar com o terror. Uma das primeiras vítimas de tal providência é um velho conhecido nosso: — o vampiro. Aí está uma figura fundamental do cinema. Tenho um tio que passa anos sem ver um filme. Diz ele que o cinema, como o jornal, mente muito. Mas não perde um filme de vampiro.

Certa vez, soube que estava levando um em Vigário Geral. Atravessou a cidade e foi lá. Por que será que esse tio, e outros tios, e outras tias — têm um tal delírio pelos vampiros? Deve ser uma fascinação mundial. A indústria cinematográfica não seria o que é, o império que é, se não tivesse, no seu passado, presente e futuro, as bilheterias do vampiro.

Abro um breve parêntese. Ainda ontem estive com o Palhares, o canalha. Sim, "o que não respeita nem as cunhadas". E o Palhares me dizia, com um agudo sentimento de frustração: — "Nunca houve um vampiro no Brasil". O canalha chama isso de "lapso", que se deve atribuir ao subdesenvolvimento. E, de fato, o sujeito aqui nasce com os pendores mais imprevisíveis.

Conheci um que era um "barbeiro de necrotério" nato. Teve as melhores ofertas. Certa vez, um vizinho ofereceu-lhe sociedade numa barbearia. Ponto ótimo, aluguel muito em conta. Repeliu a hipótese com a mais intransigente repugnância. Só queria escanhoar cadáver. Nada o impediria de exercer esta função e de cumprir este destino. Pois bem.

O Brasil teve bastante imaginação para dar um barbeiro de necrotério. E nunca pôs no mundo um drácula. Fecho o parêntese.

Voltemos a Hollywood. O que se propõe, no manifesto citado, é da mais pura e deslavada alienação. Nada mais idiota do que fazer filmes sem violência para uma platéia de violentos.

Todas as violências nos fascinam. Sempre foi assim, e agora mais do que violência. O cinema trabalha para o mundo que matou Bob Kennedy, chorou Bob Kennedy e, 48 horas depois, esqueceu Bob Kennedy. O esquecimento veio antes de que murchassem as flores do seu caixão.

O sujeito entra num cinema e leva a sua tensão exterminadora. Ele odeia e quer ver seu ódio na tela. De vez em quando, a Manchete publica um cadáver do Vietnã. Não se sabe se o morto é de lá ou de cá. Pode ser um herói e pode ser um bandido. O cadáver morreu odiando e continua odiando. Lá está seu gesto retorcido de ódio.

E assim a fúria do homem continua para além da vida e para além da morte.

E que pobre utopia um cinema sem violência, sadismo, terror e medo! Seria a morte da própria indústria cinematográfica. Hollywood desabaria como uma cúpula de palitos.

Uma destas noites, passei num sarau de grã-finos. E uma bela senhora dizia, com um maravilhoso impudor: — "Eu era a própria belle de jour. Fiz psicanálise e não adiantou. Continuei belle de jour do mesmo jeito. Até que fui ver o filme e houve o milagre. A heroína fez por mim, sonhou comigo. Saí do cinema purificada. Era uma menina tão pura, tão sem sexo. Nem alma tinha".

Assim, o ser humano vai para o cinema lavar as suas abjeções.

Já estou acabando e queria apenas acrescentar: — Hollywood devia fazer precisamente o contrário do que exige a sua tola unanimidade. Mais do que nunca, deve fabricar os filmes hediondos. O homem precisa ser colocado diante da própria violência. Temos que ver a face da nossa crueldade. Ou o cinema nos ofende e nos humilha ou, então, deve morrer.

E, sempre que o cinema apresenta a sordidez em dimensão gigantesca, cada qual sente o eterno, o sagrado, que existem no mais vil dos seres.

[24/6/1968]

(1) Belle de Jour - lançado no Brasil como A bela da tarde - é uma co-produção franco-italiana, não sendo portanto um filme hollywoodiano. [Nota Guinefort]

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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Djalma Santos, um espetáculo em campo

"Espetacular, colossal, exuberante, perfeito. Não faltaram adjetivos para glorificar o maior lateral-direito do Brasil e de toda a história do futebol mundial. Dono de uma técnica primorosa e de um físico de ferro, Djalma Santos transformava as cobranças de laterais em verdadeiros cruzamentos, lançando a bola com as mãos até a área adversária. Mas era com a bola nos pés que seu futebol deslumbrava ".

Totalizou, entre l952 e 1968, cem partidas oficiais pela Seleção Brasileira, recorde absoluto. Participou das Copas de 1954, quando foi eleito o melhor zagueiro direito; 1958, tornando-se campeão do mundo; 1962, bicampeão; e 1966. Defendeu as equipes da Portuguesa, Palmeiras (campeão paulista em 1959/63/66) e Atlético Paranaense (campeão em 1970).

O físico privilegiado nunca significou jogo duro. Djalma se orgulha de nunca ter sido expulso de campo. Motivo de orgulho também foi ter sido o único brasileiro convocado para integrar a seleção da Fifa, em 1963, para disputar uma partida contra a Inglaterra em comemoração aos 100 anos do futebol.

Dejalma dos Santos, seu nome de batismo, nasceu em São Paulo, SP, em 27 de fevereiro de 1929. É considerado um dos maiores jogadores da história da Portuguesa e do Palmeiras, com partipação decisiva nas conquistas da época da chamada "Academia". Foi nomeado por Pelé um dos 125 maiores jogadores vivos de futebol em março de 2004. Foi um dos melhores laterais-direitos de toda história e disputou mais de cem partidas pela Seleção Brasileira de Futebol, incluídas as copas de 1954, 1958, 1962 e 1966.

Na final da Copa do Mundo de 1958 entrou no lugar do titular De Sordi, contundido e, em apenas noventa minutos, foi eleito o melhor jogador da posição no Mundial.

Portuguêsa, anos 50 - Em pé: Lindolfo, Djalma Santos, Ceci, Nena, Floriano e Brandãozinho. Agachados: Julinho Botelho, Zé Amaro, Ipojucan, Osvaldinho, Ortega e o massagista Mário Américo.
Djalma fez história nos três grandes clubes por onde passou, jogador exemplar, jamais foi expulso de campo. Na Portuguesa, fez parte de uma das melhores equipes do clube em todos os tempos - ao lado de jogadores como Pinga, Julinho Botelho e Brandãozinho, conquistou o Torneio Rio-São Paulo em 1952 e 1955 e Fita Azul em 1951 e 1953. É também o segundo maior recordista de jogos disputados pelo clube, 434 no total, ficando atrás apenas de Capitão, com 496 partidas.

No Palmeiras, com 498 jogos, é o sétimo jogador que mais vestiu a camisa do palestra, conquistou o Campeonato Paulista em 1959, 1963 e 1966; a Taça Brasil em 1960 e 1967 e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa em 1967, torneios que classificam para a Libertadores da América, e, além disso, venceu o Torneio Rio-São Paulo em 1965.

Palmeiras, anos 60, em pé: Djalma Santos, Valdir, Carabina, Djalma Dias, Dudu e Ferrari. Agachados: Germano, Ademar Pantera, Servílio, Ademir da Guia e Rinaldo

Pelo Atlético Paranaense, o lateral jogou até os 42 anos de idade, outro verdadeiro recorde para jogadores de futebol.

Atualmente, Djalma Santos vive com sua esposa, Esmeralda Santos, na cidade de Uberaba, Minas Gerais.

Fontes: Revista Placar; Wikipedia.

A rainha de Sabá

Balkis - por Charles Gounod
"A Rainha de Sabá ouviu falar da fama de Salomão e foi até ele com um duplo propósito: admirar e comprovar o que tinha ouvido a respeito da sabedoria do monarca e firmar um tratado comercial, pois com a expansão do reino de Israel, os barcos hebreus e os de Tiro passaram a ser uma ameaça ao comércio que já havia na região. Lutando por seus interesses a rainha vai até Jerusalém acompanhada de numerosa comitiva com camelos carregados de aromas, muitas especiarias, ouro e pedras preciosas.

Salomão ouve as perguntas e aflições da rainha e lhe dá as respostas a seus problemas. A rainha de Sabá fica admirada com o esplendor das riquezas e com a prosperidade do reino. É firmado um acordo comercial muito conveniente a Salomão pois agora os seus navios teriam um posto de negócios e reabastecimento entre Eziom - Geber e a Índia."

A rainha de Sabá foi, na Torá, no Antigo e no Novo Testamento, no Alcorão, na história da Etiópia e do Iêmen, uma célebre soberana do antigo Reino de Sabá. A localização deste reino pode ter incluído os atuais territórios da Etiópia e do Iêmen.

Conhecida entre os povos etíopes como Makeda, esta rainha recebeu diferentes nomes ao longo dos tempos. Para o rei Salomão de Israel ela era a "rainha de Sabá". Na tradição islâmica ela era Balkis ou Bilkis. Flávio Josefo, historiador romano de origem judaica, a chamou de Nicaula. Acredita-se que tenha vivido no século X a.C..

Na Torá, uma tradição que narra a história das nações foi preservada em Beresh't 10 (Gênesis 10). Em Beresh't 10:7 existe uma referência a Sabá (Shva), filho de Raamá, filho de Cuxe, filho de Cam, filho de Noé. Em Beresh't 10:26-29 há uma referência a Sabá - listada ao lado de Almodá, Selefe, Hazarmavé, Jerá, Hadorão, Usal, Dicla, Obal, Abimael, Ofir, Havilá e Jobabe, como os descendentes de Joctã, filho de Héber, filho de Salá, filho de Arfaxade, descendente de Sem, um dos filhos de Noé. A questão sobre se a rainha de Sabá representaria uma ancestral dos hamitas ou dos semitas suscita debates passionais até hoje.

Em 8 de maio de 2008, a Universidade de Hamburgo anunciou oficialmente que arqueólogos alemães, depois de uma pesquisa comandada pelo professor Helmut Ziegert, descobriram os restos do palácio da Rainha de Sabá, datados do século X a.C., em Axum (Aksum), uma cidade sagrada da Etiópia, sob um antigo palácio real.

A rainha de Sabá no judaísmo e no Velho Testamento

De acordo com a Torá e o Velho Testamento, a rainha da terra de Sabá (cujo nome não é mencionado) teria ouvido sobre a grande sabedoria do rei Salomão de Israel, e viajado até ele com presentes de especiarias, ouro, pedras preciosas, e belas madeiras, pretendendo testá-lo com suas perguntas, como está registrado no Primeiro Livro de Reis (10:1-13) (relato copiado posteriormente no Segundo Livro de Crônicas, 9:1-12).

O relato prossegue apontando a rainha como maravilhada pela grande sabedoria e riqueza do rei Salomão, e pronunciando uma bênção sobre a divindade do rei. Salomão respondeu, por sua vez, com presentes e "tudo o que ela desejou", após o qual a rainha retornou ao seu país. Aparentemente, a rainha de Sabá seria muito rica, já que ela teria trazido 4 toneladas e meia consigo para presentear ao rei Salomão (I Reis, 10:10).

Nas passagens bíblicas que se referem explicitamente à rainha de Sabá não há sinal de amor ou atração sexual entre ela e o rei Salomão. Os dois são descritos apenas como dois monarcas envolvidos em assuntos de estado.

Outro texto bíblico, o Cântico dos Cânticos, contém algumas referências que, por diversas vezes, foram interpretados como se referindo ao amor entre Salomão e a rainha de Sabá. A jovem mulher do Cântico dos Cânticos, no entanto, nega continuamente as insinuações românticas de seu pretendente, que muitos estudiosos identificaram com o rei Salomão. De qualquer maneira, não há nada que identifique esta personagem deste texto com a rainha estrangeira, rica e poderosa, descrita do Livro dos Reis. A mulher do texto da canção claramente indica umas certas "filhas de Jerusalém" como suas iguais.

A tradição etíope posterior afirma com segurança que o rei Salomão realmente seduziu e engravidou sua convidada, e possui um relato detalhado de como ele o fez, um assunto de importância considerável para o povo etíope, já que a linhagem de seus imperadores remontaria àquela união.

Claude Lorrain, A Embarcação da Rainha de Sabá.

A rainha de Sabá no islamismo

O Alcorão nunca menciona a rainha de Sabá por seu nome, embora as fontes árabes a chamem de Balqis ou Bilqis. O relato corânico é similar àquele da Bíblia; a narrativa conta como Salomão recebeu relatos de um reino governado por uma rainha cujo povo venerava o Sol. Ele enviou uma carta, convidando-a a visitá-lo e discutir sobre a sua divindade, relatada como sendo Alá, o Senhor dos Mundos (Alamin) no texto islâmico. Ela aceitou o convite e preparou enigmas para testar sua sabedoria e seu conhecimento. Então, um dos ministros de Salomão (que tinha conhecimento do "Livro") propôs trazê-lo o trono de Sabá "num piscar de olhos". Diante do feito, a rainha chegou à sua corte, mostrou-lhe seu trono, entrou no seu palácio de cristal e começou a fazer as perguntas. Impressionada por sua sabedoria, ela louvou sua divindade e, eventualmente, aceitou o monoteísmo abraâmico.

Alguns acadêmicos árabes modernos têm identificado a rainha de Sabá como uma soberana de uma colônia ou entreposto comercial no noroeste da Arábia, estabelecido por reinos da Arábia Meridional. As descobertas arqueológicas mais recentes confirmam o fato de que tais colônias realmente existiram, com achados como artefatos e inscrições no alfabeto arábico meridional, embora nada especificamente relacionado a Balkis ou Bilkis, a rainha de Sabá, tenha sido descoberto até agora.

A rainha de Sabá na cultura etíope

A familia imperial da Etiópia aponta sua origem a partir de um descendente da rainha de Sabá com o rei Salomão. A rainha de Sabá é chamada de Makeda no relato etíope (que pode ser traduzido literalmente como "travesseiro").

A etimologia de seu nome é incerta, existindo duas correntes principais de pensamento divergindo sobre sua fonte etíope. Uma delas, que inclui o acadêmico britânico Edward Ullendorff, mantém que o nome seria uma corruptela de Candace, uma rainha etíope mencionada no Novo Testamento (Atos dos Apóstolos); a outra corrente liga o nome à Macedônia, e relaciona esta história com as lendas etíopes posteriores sobre Alexandre, o Grande e o período do século IV a.C.. Muitos acadêmicos, no entanto, como o italiano Carlo Conti Rossini, não se convenceram por nenhuma destas teorias, e declararam o assunto como ainda não-resolvido.

Uma antiga compilação de lendas etíopes, o Kebra Negast ("Glória dos Reis"), foi datada como tendo sido escrito há 700 anos, e relata a história de Makeda e seus descendentes. Neste relato o rei Salomão teria seduzido a rainha de Sabá e tido com ela um filho, Menelik I, que se tornaria o primeiro imperador da Etiópia.

A narrativa contida no Kebra Negast - que não encontra paralelo na história bíblica - é de que o rei Salomão teria convidado a rainha de Sabá a um banquete, servindo comida condimentada a induzi-la a ter sede, e convidando-a para passar a noite em seu palácio. A rainha pediu-lhe então que jurasse não a tomar à força. Ele aceitou com a condição de que ela, por sua vez, não levasse nada de seu palácio à força. A rainha assegurou que não o faria, ofendida pela insinuação de que ela, uma monarca rica e poderosa, precisaria roubar qualquer coisa. No entanto, quando ela acordou no meio da noite, sedenta, pegou uma jarra de água que havia sido colocada ao lado de sua cama. O rei Salomão então apareceu, avisando-a de que estava a descumprir sua promessa, ainda mais pelo fato de que a água, segundo ele, seria a mais valiosa de todas as suas posses materiais. Assim, enquanto ela saciou sua sede, ela libertou o rei de sua promessa, e passaram a noite juntos.

A tradição de que a rainha de Sabá bíblica teria sido uma soberana da Etiópia que visitou o rei Salomão em Jerusalém, no antigo Reino de Israel, é referendada pelo historiador romano de origem judaica Flávio Josefo, que identificou a visitante de Salomão como sendo "Rainha do Egito e da Etiópia".

Enquanto não existem tradições conhecidas de matriarcado no Iêmen durante o início do primeiro milênio a.C., as primeiras inscrições dos governantes de D'mt, no norte da Etiópia e da Eritréia, mencionam rainhas de status elevado, possivelmente até igual ao de seus reis.

Para a monarquia etíope, a linhagem salomônica e sabaítica tem considerável importância política e cultural. A Etiópia foi convertida ao cristianismo pelos coptas do Egito, e a Igreja Copta lutou por séculos para manter os etíopes numa condição de dependência e subserviência fortemente ressentida pelos imperadores etíopes.

Afresco etíope da rainha de Sabá rumo a Jerusalém.

A rainha de Sabá no cristianismo

Além de sua menção no Velho Testamento, a rainha de Sabá é mencionada, como Rainha do Sul, no Novo Testamento, quando Jesus Cristo indica que ela e os ninivitas julgarão a geração dos contemporâneos de Jesus que o rejeitaram.

As interpretações cristãs das escrituras enfatizam, tipicamente, tanto os valores históricos quanto os valores metafóricos da história. O relato da rainha de Sabá é interpretado como uma metáfora e uma analogia cristã: a visita da rainha a Salomão foi comparada ao casamento metafórico da Igreja com Cristo, onde Salomão seria o "ungido" (Cristo), ou messias, e Sabá representaria uma população de gentios que se submeteu ao messias; a castidade da rainha de Sabá foi descrita como um presságio da Virgem Maria; e os três presentes que ela teria levado a Israel (ouro, especiarias e pedras) foram vistos como análogos aos presentes dos Três Reis Magos (ouro, incenso e mirra). Esta última analogia, em particular, é enfatizada como sendo consistente com uma passagem do Livro de Isaías (60:6): "todos virão de Sabá; trarão ouro e incenso e publicarão os louvores do Senhor."

Entre as obras de arte realizadas na Idade Média que retratam a visita da rainha de Sabá estão o "Portal da Mãe de Deus", na Catedral de Amiens, do século XIII, incluída como analogia em parte de um painel maior que retrata os presentes dos Reis Magos..[8] As catedrais de Estrasburgo, Chartres, Rochester e Cantuária, do século XII, contêm interpretações artísticas da rainha em vitrais e bas decorações das jambas.

Giovanni Boccaccio, em sua obra Sobre as mulheres famosas (De mulieribus claris, em latim), segue o exemplo de Josefo ao chamar a rainha de Sabá de Nicaula. Boccaccio ainda afirma que ela não só era rainha da Etiópia e do Egito, como também da Arábia, e que relatos afirmavam que ela tinha um palácio luxuoso numa "ilha muito grande" chamada Meroe, localizada em algum lugar próximo ao rio Nilo, "praticamente no outro lado do mundo." De lá, Nicaula cruzou os desertos da Arábia, através da Etiópia e do Egito, pela costa do mar Vermelho, até chegar a Jerusalém, onde se encontrou com "o grande rei Salomão".

O livro Cidade das Damas, de Cristina de Pisano também chama a rainha de Sabá de Nicaula. Os afrescos de Piero della Francesca em Arezzo (1466) sobre a Lenda da Vera Cruz contêm dois painéis sobre a visita da rainha de Sabá a Salomão. A lenda ilustrada liga as vigas do palácio do rei Salomão à madeira utilizada na crucifixão. A sequência desta visão metafórica, do Renascimento, sobre a rainha de Sabá como uma analogia aos presentes dos Reis Magos, também está claramente evidente no Tríptico da Adoração dos Magos (1510), de Hieronymus Bosch. Bosch optou por retratar a rainha de Sabá e o rei Salomão no colar vestido por um dos magos.

O Doutor Fausto, de Christopher Marlowe, se refere à rainha como Sabá, quando Mefistófeles está tentando persuadir Fausto da sabedoria das mulheres com quem ele supostamente será presenteado todas as manhãs.

Descobertas arqueológicas recentes

Descobertas arqueológicas recentes feitas no Mahram Bilqis ("Templo de Bilkis"), em Ma'rib, no Iêmen, apoiam a tese de que a rainha de Sabá teria governado a Arábia Meridional, com evidências de que a área seria a capital do reino de Sabá.

Uma equipe de pesquisadores financiados pela American Foundation for the Study of Man (AFSM, "Fundação Americana para o Estudo do Homem") e liderada pelo professor de arqueologia da Universidade de Calgary, Bill Glanzman, vem trabalhando para decifrar os segredos de um templo de 3000 anos de idade encontrado no deserto.

Fontes: Wikipédia; http://www.geocities.com/Athens/Academy/9062/ .

Galileu Galilei

Galileu Galilei
Galileu Galilei nasceu na cidade de Pisa em 15 de Fevereiro de 1564, mesmo ano da morte do pintor e escultor Michelangelo e do nascimento do dramaturgo William Shakespeare. Filho de Vicenzo Galilei, músico, desde cedo, demonstrou ser bom estudante. Sua família mudou-se para Florença em 1574 e Galileu foi educado pelos monges do mosteiro de Camaldolese, em uma cidade vizinha.

Em 1581, com apenas 17 anos de idade, Galileu começou a estudar Medicina na Universidade de Pisa. Seu interesse pela Medicina nunca evoluiu. Porém era grande seu interesse pela Física e matemática. Finalmente, em 1585, Galileu abandonou a Medicina.

Galileu e a Teoria de Copérnico


A partir daí deu várias palestras na Academia de Florença por alguns anos. Fez também experimentos utilizando bolas, barcos de brinquedo, pêndulos e outros objetos, observando como eles caíam, flutuavam e oscilavam. Media e marcava o tempo de seus movimentos, e tentava imaginar explicações matemáticas para eles.

Em 1533, o matemático e astrônomo polonês Nicolau Copérnico publicara sua grande obra - Sobre as Revoluções dos Corpos Celestes - defendendo a teoria de que a Terra se move em torno do Sol e não o contrário. Essa teoria seria defendida e desenvolvida por Galileu e seu contemporâneo Johannes Kepler, que descreveu a trajetória elíptica dos planetas. A síntese desse trabalho foi a Teoria da Gravitação Universal, formulada pelo físico inglês Isaac Newton que por coincidência nasceu em 1642, o mesmo ano em que Galileu morreu.

Por ter afirmado que a Terra se move em torno do Sol, Galileu, um dos gênios da revolução científica do século 17, foi preso e obrigado à uma retratação humilhante.

Aos 17 anos, assistindo à uma cerimônia na catedral de Pisa, observou um lustre que oscilava no teto. Controlando o tempo pelos seus próprios batimentos cardíacos, verificou que o intervalo entre cada oscilação era sempre o mesmo, não importando a amplitude do movimento. Repetiu a experiência mais tarde, e sugeriu que essa característica do pêndulo poderia tornar os relógios mais precisos.

Galileu, ao abandonar a Faculdade de Medicina, foi lecionar em Florença. Durante os quatro anos em que trabalhou ali, publicou um trabalho em que descrevia a balança hidrostática, uma invenção sua. Graças a esse trabalho, tornou-se aos 25 anos, professor de Matemática, e foi lecionar na Universidade de Pisa.

Em Pádua, onde viveu dezoito anos - de 1592 a 1610 - lecionando matemática, já estava convencido do acerto das teorias de Copérnico sobre a movimentação dos astros, mas em suas aulas continuava a ensinar que a Terra era o centro do Universo, e em torno dela giravam planetas e estrelas. Não tinha medo da Inquisição ainda, pois nessa época a Igreja não dava importância ao assunto. Conforme confessou numa carta escrita à Kepler, datada de 1597, temia ser ridicularizado. E tinha razão. A imobilidade da Terra não era apenas uma teoria defendida pela tradição da escola de Aristóteles, mas sobretudo parecia perfeitamente de acordo com o senso comum.Qualquer pessoa pode observar, diariamente, que o Sol, a Lua e as estrelas se movimentam; no entanto, nada havia, na época, que pudesse mostrar o movimento da Terra, sugerido apenas teoricamente em complicados cálculos matemáticos.

Aponta o telescópio para o céu

Por volta de 1600, surgiram os primeiros telescópios, na Holanda, e logo se espalharam por toda a Europa. Galileu construiu seu próprio telescópio sem nunca ter visto um. Bastou-lhe a descrição do instrumento que aparecera em Veneza. O grande mérito de Galileu foi apontar o seu telescópio para o céu. Descobriu, assim, tantas coisas novas que em poucos meses escreveu e publicou o Sidereus Nuncius (O Mensageiro das Estrelas), com apenas 24 páginas, mas rico em revelações. Relatou que a Lua não tem superfície lisa, mas está cheia de irregularidades, como a Terra. Percebeu que a Via Láctea não era constituída, como dizia Aristóteles, por "exalações celestiais", mas era um aglomerado de estrelas. Viu uma quantidade muito maior de estrelas do que era possível a olho nu. E descobriu, também, quatro satélites girando em torno de Júpiter.

Não havia, ainda, nenhuma prova conclusiva do acerto do sistema heliocêntrico proposto por Copérnico. Mas ja ficava difícil admitir que a Terra era o centro do Universo, se havia corpos girando ao redor de Júpiter. E como acreditar no dogma de que as estrelas haviam sido criadas para deleite dos homens, se a maior parte delas era invisível a olho nu?

Galileu e os Diálogos

Em 1632, Galileu publicou os Diálogos sobre os dois maiores sistemas do mundo - Ptolomeu e Copérnico. A obra reproduz uma conversa entre três personagens: Salviati, que defende as teses de Copérnico; Sagredo, um observador neutro; e Simplicius, defensor de Aristóteles e Ptolomeu. Salviati é sempre brilhante, Sagredo logo abandona a imparcialidade e passa a apoiá-lo com entusiasmo e Simplicius é pouco mais que um idiota, ridicularizado do princípio ao fim.

Os Diálogos acabaram proibidos, Galileu foi interrogado diversas vezes, e mesmo sob ameaça de tortura, não confessou que acreditava mesmo no que dizia Copérnico. Galileu não confessou, e recebeu a sentença: os Diálogos ficaram proibidos, Galileu obrigado a negar a publicamente a teoria copernicana. E ainda condenaram-no à prisão domicialiar.
    
Não se pode dizer que fora maltratado materialmente. Sua prisão era um apartamento de cinco aposentos, com janelas dando para os jardins do Vaticano, criado particular e mordomo para cuidar das refeições e do vinho. Seus últimos anos de vida, na companhia dos discípulos Torricelli e Vicenzo Viviani, foram dos mais produtivos. Em 1636 terminou Diálogos relativos à duas novas ciências, obra na qual retoma, de forma ordenada, observações sobre dinâmica que fora acumulando durante toda a vida.

Em 8 de Janeiro de 1642, Galileu morreu. Foi enterrado na Capela de Santa Croce, em Florença.

Fonte: http://www.planetafisica.net/cientistas/galileu/index.html

A escandalosa

Foi realmente lamentável o pequeno acidente ocorrido numa daquelas salas superatapetadas do Itamarati. Não posso precisar em qual delas, mas posso resumir o caso para os caros leitores, se tiverem a paciência de me lerem até o final destas mal traçadas linhas.

Vão todos comigo? Então toquemos em frente, mas desde já aviso às senhoras e senhoritas que o caso é dos mais cabreiros.

Deu-se que, numa dessas salas do Itamarati, estavam quatro funcionários dos mais ociosos, talvez não por culpa deles, mas porque deve ser duríssimo o cara ficar plantado naqueles salões sombrios o dia inteiro — full time — como eles gostam de dizer, pois diplomata adora falar na língua dos outros.

Ficar ali sem dormir, é dose pra mamute, que conforme vocês não ignoram, era um elefante muito pré-histórico e quatro ou cinco vezes maior do que os elefantes hodiernos.

Vai daí, o funcionário do Itamarati vive batendo papo, para deixar o tempo passar sem esbarrar em ninguém. Os quatro que se encontravam na sala estavam quase a cochilar por falta de assunto, quando entrou um quinto funcionário, atualmente secretário de embaixada e com todas as deficiências técnicas da atual diplomacia nacional. Jeitinho elegante, paletó lascado atrás, muito equipadinho, lenço combinando com as meias, gravata de Carven, enfim, essas bossas.

Deu um olá geral e, mesmo sem ninguém perguntar, começou a contar por que tinha chegado atrasado:

— Rapazes, não lhes conto nada!

Mas isto era força de expressão, pois notava-se que ele estava doido para contar. Aliás, em o caso sendo verdadeiro, devo informar aos caríssimos que jamais darei o nome dos outros quatro que estavam na sala (entre os quais estava o que me contou o caso), e muito menos o do quinto personagem, já nesta altura personagem principal.

Ele acendeu um cigarro americano daqueles enormes, recentemente contrabandeado, guardou no bolso o isqueiro Dupont, da mesma origem, e sentou na beira de uma das mesas de jacarandá. Terminando o suspense, puxou uma baforada azul e suspirou:

— Rapazes — repetiu, porque diplomata adora tratar os coleguinhas de rapazes — acabo de ter uma aventura amorosa genial, mas simplesmente genial. Que mulher bárbara, rapazes!

— Casada? — perguntou um dos coleguinhas, já de olhar rútilo, no mais perfeito estilo Nelson Rodrigues.

O aventureiro já ia responder que sim, mas preferiu a bacanidade:

— Infelizmente, isto eu não posso informar.

E prosseguiu explicando que a tal mulher devia ser tarada por ele, que nunca tinha reparado no detalhe mas, noutro dia, durante um coquetel dos Almeida, tiveram um contato maior e marcaram o encontro.

— Estou vindo de lá. Rapazes! Que mulher!

No fundo, todo diplomata sonha com aventuras amorosas mais ao estilo belle époque. Vestindo robe-de-chambre grená e cachecol de seda branca; uma garrafa de champanha dentro de um balde de gelo, sobre uma mesa de canto e — se possível com uma vitrola em surdina tocando trechos de opereta O Conde de Luxemburgo. Este derradeiro, detalhe é da maior finesse, mas raro é o diplomata que chega a ela antes de chegar a embaixador.

— Mas conta aí, vá! — pediu outro dos quatro coleguinhas.

O diplomata garanhão esqueceu-se da carreira e enveredou para farta bandalheira. Contou detalhes escabrosos, descreveu cenas de ruborização do próprio Marquês de Sade, para terminar com esta informação.

— Nem as cortinas do apartamento escaparam. Ela era tão espetacular que, no auge da coisa, rasgou as cortinas todas.

— Mon Dieu! — falou o que estava mais próximo e que é diplomata há mais tempo que os outros e prefere exclamações em francês do que ditos em inglês.

Aí ficou em silêncio imaginativo, sabem como é? Ficaram os quatro imaginando as cenas relatadas e o outro com cara de quem recorda. Não demorou nem um minuto, o distinto resolveu se ausentar da sala, para que os outros curtissem a inveja necessária. Com andar elegante, caminhou até a porta e recomendou:

— Vou ao gabinete do ministro Fulano. Se ligarem para mim, por favor, peçam para deixar recado ou telefonar mais tarde — suspirou mais uma vez e retirou-se.

Aí é que foi chato! Mal ele saiu, o telefone tocou e uma voz feminina perguntou por ele. O colega que atendeu explicou que não estava e emendou em seguida:

— Quer deixar recado?

— Quero sim! Por favor, avisa a ele que é a senhora dele que está falando e diz para ele não esquecer de mandar alguém para consertar as cortinas.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Conversa de viajantes

É muito interessante a mania que têm certas pessoas de comentar episódios que viveram em viagens, com descrições de lugares e coisas, na base de "imagine você que..."

Muito interessante também é o ar superior que cavalheiros, menos providos de espírito pouquinha coisa, costumam ostentar depois que estiveram na Europa ou nos Estados Unidos (antigamente até Buenos Aires dava direito a empáfia). Aliás, em relação a viajantes, ocorrem episódios que, contando, ninguém acredita.

O camarada que tinha acabado de chegar de Paris e — por sinal - com certa humildade, estava sentado numa poltrona, durante a festinha, quando a dona da casa veio apresentá-lo a um cavalheiro gordote, de bigodinho empinado, que logo se sentou a seu lado e começou a "boquejar" (como diz o Grande Otelo):

—    Quer dizer que está vindo de Paris, hem? — arriscou.

O que tinha vindo fez um ar modesto: — Eu!

—    Naturalmente o amigo não se furtou ao prazer de ir visitar o Palácio de Versalhes.

—    Não. Não estive em Versalhes. Era muito longe do hotel onde me hospedei.

—    Mas o amigo cometeu a temeridade de não ficar no Plaza Athénée?

O que não ficara no Plaza Athénée deu uma desculpa, explicou que o seu hotel fora reservado pela Cia. onde trabalha e, por isso, não tivera vez na escolha.

—    Bem — concordou o gordinho —, o Plaza realmente é um pouco caro, mas é muito central e há outros hotéis mais modestos que ficam perto do Plaza. — E depois de acender um cigarro, lascou:

—    Passeou pelo Bois?

—    Passei pelo Bois uma vez, de táxi.

—    Mas o amigo vai me desculpar a franqueza; o amigo bobeou. Não há nada mais lindo do que um passeio a pé pelo Bois de Boulogne, ao cair da tarde. E não há nada mais parisiense também.

—    É... eu já tinha ouvido falar nisso. Mas havia outras coisas a fazer.

—    Claro... claro... Há coisas mais importantes, principalmen¬te no setor das artes — e sem tomar o menor fôlego: — Visitou o Louvre?...

—    Visitei.

—    Viu a "Gioconda"?

Não. O recém-chegado não tinha visto a "Gioconda". No dia em que esteve no Louvre, a "Gioconda" não estava em exposição.

—    Mas o senhor prevaricou — disse o gordinho, quase zangado. — A "Gioconda" só está em exposição às 5.as e sábados e ir ao Louvre noutros dias é negar a si mesmo uma comunhão maior com as artes.

Passou uma senhora, cumprimentou o ex-viajante e, mal ela foi em frente, nova pergunta do cara:

—    E a comida de Paris, hem amigo? Você jantava naqueles bistrozinhos de Saint-Germain? Ou preferia os restaurantes típicos de Montmartre? Há um bistrô que fica numa transversal da Rue de...

Mas não pôde acabar de esclarecer qual era a rua, porque o interrogado foi logo afirmando que jantara quase sempre no hotel. E sua paciência se esgotou quando o chato quis saber que tal achara as mulheres do Lido.

—    Eu não fui ao Lido também. O senhor compreende. Eu estive em Paris a serviço e sou um homem de poucas posses. Quase não tinha tempo para me distrair. De mais a mais, lá é tudo muito caro.

—    Caríssimo — confirmou o gordinho, sem se mancar.

—    O Sr., naturalmente, esteve lá a passeio e pôde fazer essas coisas todas — aventou, como quem se desculpa.

Foi aí que o gordinho botou a mãozinho rechonchuda sobre o peito e exclamou: — Eu??? Mas eu nunca estive em Paris!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O anjo

O marido solto no verão — por força do veraneio da família — é um homem que muda por completo seus hábitos e atitudes ao sentir-se libertado dos compromissos domésticos. É um homem sem horário para comer, para dormir e até mesmo para trabalhar.

O marido em disponibilidade nos dias úteis, porque no domingo sobe para Petrópolis, Teresópolis, Friburgo ou lá onde tem a família, assume uma segunda personalidade, até então insuspeitada, e é um homem de estranhas atitudes, mutáveis segundo a influência de amigos e acontecimentos.

Tenho encontrado maridos a fazerem as coisas mais extravagantes possíveis, qual boi de curral, que — segundo dizem os entendidos em gado vacum — quando solto no pasto lambe-se todo. E, dentre esses maridos, o mais estranho é o tímido.

Tomo para exemplo o Rosamundo, cuja esposa, senhora de proporções — digamos — cinemascópicas, cerrado buço e intransigência doentia, sofre de pertinazes pruridibus cutaneus, doença que o vulgo houve por bem denominar brotoejas. Tal senhora, mal começam a subir os termômetros, sobe também, mas para a serra, a se coçar toda e a lamentar as férias forçadas que dará ao marido, criatura quase santa, homem que terá entrada franca no céu se, quando lá chegar, mostrar a fotografia da esposa a São Pedro.

Ele faz parte do grupo dos maridos que, mesmo com ampla liberdade de ação, permanecem tímidos e sossegados num canto, pouco aproveitando a folga matrimonial. Pelo contrário até, noutro dia foi visto a comprar revistas de palavras cruzadas, numa banca de jornal. Surpreendido no ato da compra, explicou:

— É para resolver na cama, enquanto o sono não vem.

Assim é o homem pacato. Mas, dizia eu, um marido solto é um enigma e este não é melhor que os outros. Acredito mesmo que o tímido, quando insuflado pelos amigos, é capaz das mais extravagantes aventuras.

Foi assim com este. Era, segundo lhe diziam, uma festinha pré-carnavalesca, coisa íntima. Só gente da corriola — se me permitem o termo. Rosamundo, de princípio — e disso sou testemunha — não queria ir. Vamos que a mulher telefonasse de madrugada, vamos que estivesse na festa uma conhecida dela, vamos uma porção de coisas, que o homem medroso cria uma série de dificuldades antes de se decidir.

Contornadas todas essas hipóteses dramáticas, amigos e conhecidos acabaram por convencê-lo a ir... e bebeu-se fartamente ao evento. Ele também tomou umas e outras tanto que, quando soube que o negócio era na base da fantasia, gritou entusiasmado:

— Eu vou de anjo!

Arranjou uma camisola enorme (provavelmente da esposa), umas asas de papelão, uma auréola de arame e saiu para a rua, à procura de um táxi. E, como já se sentisse um outro homem, na ausência do táxi entrou mesmo num lotação, criando inclusive um caso na hora de saltar, porque cismou que anjo tem abatimento em qualquer condução.

A festa não era tão íntima assim como disseram os amigos. Segundo suas próprias palavras, era "um pagode de grande rebolado", no qual ele se meteu todo, já sem nenhuma prudência, cumprimentando senhoras conhecidas, deixando-se fotografar abraçado a uma baiana decotadíssima que encontrara numa volta do cordão, enfim, esteve distraído.

Foi no dia seguinte de manhã que o medo voltou a baixar sobre sua consciência. Mesmo antes de abrir os olhos, pedia a Deus que ninguém lhe tivesse atirado confete, porque confete é uma coisa de morte que a gente pensa que limpou, mas que, meses depois, ainda aparece no fundo do sapato, na dobra da ceroula, nos mais variados lugares.

Até a véspera de subir para o fim de semana, remoeu-se em dúvidas e suspeitas: sua mulher já saberia de tudo? Estaria esperando sua chegada para explodir? Essas e dezenas de outras perguntas se fez até o momento de rumar para Petrópolis. Antes comprara todas as revistas semanais, até o Monitor Mercantil ("nunca se sabe!"), com medo de que alguma delas tivesse publicado o seu retrato, de anjo abraçado à baiana decotada, de quem conseguira o telefone, mas a quem tivera a prudência de não telefonar.

Sossegou somente com a idéia de que, sendo a mulher como era, se soubesse de alguma coisa, não esperaria sua chegada para desabafar — teria descido com brotoeja e tudo. Foi mais aliviado, portanto, que chegou em casa, abriu a porta e deu com a gordíssima esposa a esperá-lo.

— Como vai, meu anjo? — disse ela.

Desmoronaram-se todas as suas esperanças. Após um tremido "pode deixar que eu explico", contou tudo que acontecera, sem perceber que aquele "meu anjo", com que ela o saudara, era apenas uma carinhosa expressão de esposa saudosa.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nílton Santos, a "Enciclopédia do Futebol"

O Brasil ganhava de um a zero da Áustria na partida de estréia da Copa de 1958, quando Nilton Santos avançou pela esquerda para desespero do técnico Vicente Feola. Próximo da grande área, tocou para um espantado Mazzola. Teve que gritar um palavrão para que o atacante lhe devolvesse a bola e, assim, pudesse anotar o gol. Um gol histórico que marcou o nascimento do futebol moderno, já que, naquele tempo, um lateral jamais ultrapassava o meio-de-campo, e muito menos atacava. 

Nílton dos Santos, na verdade, gostava mesmo era de jogar para a frente, pois tinha técnica e sabia driblar. A contragosto, acabou na defesa. Mas foi da linha de trás que Nilton Santos se tornou o maior lateral-esquerdo do futebol brasileiro e conquistou o bicampeonato mundial em 1958 e 1962. Além da Seleção, Nílton só vestiu a camisa do Botafogo, clube pelo qual conquistou catorze títulos, entre os quais os Campeonatos Cariocas de 1948/57/61/62. Conhecia todos os segredos do jogo, o que lhe valeu ser chamado de Enciclopédia do Futebol.

Nílton Reis dos Santos, mais conhecido como Nílton Santos, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 16 de maio de 1925. Já era craque jogando futebol na praia e.quando cumpria serviço militar foi descoberto por um oficial da Aeronáutica. Levado para jogar no Botafogo em 1948, somente deixou General Severiano em 1964 quando abandonou os gramados.

No Botafogo conquistou por quatro vezes o campeonato estadual (1948, 1957, 1961 e 1962), além do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Rio-São Paulo de 1962 e 1964) e do Torneio Internacional de Paris em 1963 - além de vários outros títulos internacionais. Nílton Santos participou de 718 partidas pelo clube sendo o recordista e marcou onze gols entre 1948 e 1964.


Sua estréia com a camisa do clube da estrela solitária aconteceu contra o América Mineiro. No campeonato carioca de 1948, disputou seu primeiro jogo contra o Canto do Rio em Caio Martins. O Botafogo venceu de 4 a 2. O Alvinegro de General Severiano foi o campeão carioca de 1948. Obs: no primeiro jogo do carioca contra o São cristóvão quem atuou pela equipe principal foi Nílton Barbosa.

Foi chamado de "A Enciclopédia" por causa dos conhecimentos sobre o futebol. Considerado o maior lateral-esquerdo de todos os tempos, foi o precursor em arriscar subidas ao ataque através da lateral do campo. Revolucionou a posição de lateral-esquerdo, utilizando-se de sua versatilidade ao defender e atacar, inclusive marcando gols, numa época do futebol onde apenas tinha a função defensiva.

Nílton estreou na seleção no sul-americano de 1949, a competição foi realizada no Brasil que acabou campeão. Participou da Copa do Mundo de 1950 onde foi vice-campeão. Ainda foi campeão com a seleção do pan-americano de 1952, bi campeão mundial em 1958 na Suécia e 1962 no Chile. Atuou em 75 partidas oficiais e 10 não oficiais. Sua despedida da seleção ocorreu na final da Copa de 1962. Marcou dois gols com a camisa da seleção.

Decisão do Mundial de 1958 contra a Suécia. Vitória brasileira por 5 a 2 e o primeiro título mundial. Em pé estão Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando e Gilmar; agachados: Garrincha, Didi, Pelé, Vavá, Zagallo e Mário Américo.
 Na Seleção Brasileira de futebol, Nílton foi um jogador chave na defesa durante os campeonatos mundiais em que participou e ficou famoso internacionalmente por marcar um gol magnífico no torneio de 1958, quando o Brasil jogou com a Áustria. Trazendo a bola do campo de defesa e driblando o time adversário inteiro (e deixando doido o técnico Vicente Feola), finalizou com um ótimo chute.

Outra jogada sua sempre lembrada é a do penalti que cometeu no jogo contra a Espanha na Copa do Mundo de 1962, considerado a partida mais difícil daquela campanha. O árbitro marcou a falta, mas quando chegou perto para conferir o lance, colocou a bola fora da área, pois não percebeu que Nílton Santos, sem se desesperar e gesticular os braços como fariam outros jogadores, matreiramente havia dado um passo e saido da área, enganando o árbitro.

Internado em uma clínica carioca, nosso eterno lateral-esquerdo sofre de doenças típicas da idade. Ele apresenta problemas cardíacos e, algumas vezes, perde a memória. o Botafogo, orientado pelo presidente Bebeto de Freitas, está arcando com as despesas de internação de um dos melhores laterais da história do futebol.

Fontes: Wikipedia; Revista Placar; Que Fim Levou.

Os palhaços cantores

As melhores atrações dos circos brasileiros, no final do século XIX e no início do século XX, eram os palhaços cantores. Foram eles, usando seus picadeiros itinerantes, os pioneiros na divulgação da música popular. A principio, nem eram considerados circenses. No Brasil, os primeiros grupos de saltimbancos que percorriam o país eram conhecidos como volantins ou burlantins. Somente no século XIX é que alcançam o status de circenses, começando a instalar seus teatros de lona nas principais cidades brasileiras.

São Paulo era das mais procuradas, por sua população de imigrantes europeus, já afeitos ao gênero de espetáculo. Estatísticas dizem que, em 1897, os 200 mil habitantes de São Paulo contavam com as diversões e atividades de lazer bastante raras, no mais das vezes esportivas e domingueiras. Os paulistanos tinham três teatros, oito jornais diários e o maior deles, O Estado de São Paulo, com tiragem de apenas seis mil exemplares. Nesse clima ideal para os circenses. De 1887 a 1914, foram listadas mais de quarenta companhias do gênero, que se estabeleceram na cidade.

Foi a época de ouro de dois grandes circos que, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, eram reconhecidos como os dois melhores do país e disputavam entre si o primeiro lugar. O circo Spinelli, ao ser armado – garantem os contemporâneos que melhor seria dizer construído – no Rio de Janeiro, encostado no viaduto da Estrada de Ferro Central do Brasil, sua lona chegava até a Rua Figueira de Melo, por coincidência, na mesma região onde se encontra a Escola Municipal do Circo. Era todo cercado de madeira, com arquibancadas confortáveis, platéia assoalhada e picadeiro com altura de um metro e meio. Um verdadeiro teatro.

A revista “Máscara”, da época, em matéria jornalística sobre a qualidade do circo, garantia: “Artista que ali atuasse tal o prestígio da casa, estava definitivamente feito, glorificado, em condições de ingressar em qualquer elenco de renome do Centro”, confirmando o papel de lançador de novidades musicais, reservado aos circos naquele momento.

No final do ano de 1897, o Circo-Pavilhão Internacional, armado com quase a mesma pompa na Rua Voluntários da Pátria, ainda no Rio de Janeiro, anunciava: “Dudu das Neves o primeiro palhaço brasileiro fará as delícias da noite com suas magníficas canções e lundus, acompanhado com seu choroso violão”.

Eram, então, os dois circos os espaços privilegiados de lançamentos da música popular brasileira, em especial lundus, chulas e modinhas, alguns dos principais formadores do samba, o qual, em seguida, viria a ter seu lugar também naqueles picadeiros, apresentado por cantores em início de carreira. Durante muito tempo, o circo continuaria sendo uma alternativa de bom dinheiro para cantores de rádio em geral, pois, não existindo televisão, era a única maneira de se fazerem conhecer pessoalmente por seu público do interior do país.

Os maiores astros-cantores dos Circos Spinelli e Internacional eram os palhaços Eduardo das Neves (Dudu) e Benjamim de Oliveira. O pesquisador e historiador José Ramos Tinhorão analisa o prestígio do palhaço-cantor para a música brasileira: “e na parte que interessa mais diretamente à música popular, o circo ia revelar durante quase um século a importância de veiculador das formas de teatro musicado das cidades, com suas bandas e seus números de show, ficando reservada especialmente à figura do palhaço – ao lado de sua função cômica específica – a de equivalente dos conçonetistas de teatro e, mais tarde, dos cantores de auditório de rádio”.

O início do século XX manteve o prestígio do circo e, ao lado dos palhaços-cantores, já começavam a aparecer artistas que se dedicavam exclusivamente ao canto. O sucesso variava de acordo com a qualidade do circo onde se exibissem e com o tipo de público atingido. Muitos pequenos circos tinham seus também pequenos cantores, que se limitavam a repetir os repertórios apresentados nos picadeiros maiores por astros já consagrados, formando elos de uma grande corrente de divulgação.

É a época em que surgem também no circo cantores como Mário Pinheiro, Francisco Alves, Vicente Celestino, Cadete e o próprio Bahiano, famoso por ser o primeiro a ter repertório gravado em discos no Brasil. Com ele, em mais de vinte duetos, a cantora Júlia Martins. Todos se valendo dos picadeiros para mostrar e divulgar seus trabalhos, aproveitando-se da melhor fase circense, e mesmo quando esta começa e decair, para ceder lugar a outros meios de comunicação e lazer.

Mas, nos princípios do século XX, o espetáculo circense ainda era importante. A temporada paulista do Circo Spinelli, na Alameda Barão de Limeira, foi ocasião festejada pela população e por jornais e revistas. Que registraram o sucesso feito por todos os artistas, mas “principalmente pelo nosso simpático Benjamim de Oliveira, que além de desempenhar seu papel como palhaço, nas pantomimas não tem rival e canta suas canções como ninguém”.

Chegando aos anos 20, dificilmente tal efusão voltaria a ocorrer. Os circos já haviam cedido espaço para o teatro de revista e o “cinematógrapho” aparecia como a novidade que arrebataria o público para as escuras salas de projeção. No comentário sobre a montagem de um circo na Avenida Rangel Pestana, um cronista escrevia que “o público do Brás já não aprecia esse gênero de diversões”.

Numa tentativa de reação, os grandes circos deixavam de ser itinerantes, fixavam-se nas maiores cidades, procuravam uma união com o inimigo, promovendo sessões mistas de artes circenses e projeções cinematográficas. Mas, como lançador e principal divulgador da música popular, seu papel tinha se esgotado.

Lembro-me da introdução daquela canção O Ébrio (1936) onde Vicente Celestino conta que no começo era "cantor lírico de grande fama" e termina sendo vaiado em pleno picadeiro de um circo: " ... E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez "A Força do Destino", Deus levou a minha filha para nunca mais voltar. Daí pra cá eu fui caindo, caindo, passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa. Até que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo. Nunca mais fui nada. Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha desventura, chamam-me ébrio. Ébrio..." Nota-se que os cantores de circo ( e também os circos) realmente decairam já na década de 30 para 40, mas ainda levou muito tempo. (nota do blogueiro).

Fontes: História do Samba - Editora Globo e Cifrantiga - A história da MPB e Cifras.

Continho de Natal

Deixou o trabalho e foi andando pela rua, olhando as vitrinas. Cada preço de encabular senador. Mas não queria chegar em casa sem levar qualquer coisa para a família.

Então continuou olhando para os artigos expostos nas portas das casas comerciais.

Num instante percebeu que levar um presente para cada um era impossível. O dinheiro que trazia no bolso não daria para tanto, ainda mais porque, na época de Natal, o comércio aumenta tudo, cobrando da gente aqueles anjos tocando trombeta que eles penduram nos postes, que nem lista de bicho, dizendo que é colaboração dos comerciantes para alegrar o Natal.

Colaboração mais desgraçada, que eles dizem que é deles, mas quem paga é a gente.

Uni brinquedo que pudesse ser desfrutado por todos os filhos; talvez. Mas qual? As meninas iam apreciar uma boneca. Sim, uma boneca faria a alegria de suas filhas, mas causaria tremenda decepção aos meninos. Em compensação, se levasse uma metralhadora de matéria plástica (vira diversas,, que as fábricas de brinquedo fazem para incentivar o crime), os garotos iriam vibrar de contentamento. As meninas, porém, talvez chorassem de desalento.

Resolveu então comprar alguma coisa de comer. Aí estava. Uma coisa de comer poderia ser apreciada por todos. Um peru, ou mesmo um frango, que peru de pobre pode perfeitamente ser um frango. Para comprar um peru daqueles que estava vendo pendurado num gancho do armazém, só com fiador. O frango também era caríssimo.

Puxou o dinheiro que trazia no bolso, contou, recontou e entrou ali mesmo para comprar o presente de Natal da família. Pouco depois voltava pra casa. Abriu a porta e gritou para os filhos:

— Alarico, Odete, João Pessoa, Gustavo, Firmina, Olivinha, Jussara, Inez, Júlio, Juscelino, Abraão... Corram todos aqui, que papai trouxe o presente pro Natal.

Os filhos acorreram ao chamado e a esposa também. Ele então, com ar triunfante, botou uma castanha em cima da mesa, esfregou as mãos e disse:

— Vai buscar uma faca pra gente dividir esta castanha.

E antes que alguém avançasse na castanha, berrou:

— Calma, que dá pra todos!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

Paraíba

Azevedo e Peçanha vestiram o paletó e desceram para a rua, na disposição de fazer uma farrinha.

Ainda no elevador, Azevedo fez ver a Peçanha que o laço de sua gravata estava um pouco frouxo. Peçanha agradeceu e ajeitou o laço. Afinal, iam em demanda de uma possível aventura amorosa e a elegância era detalhe importante.

Caminharam pela Avenida N. S. de Copacabana e foram subindo em direção ao Lido, conversando animadamente e só interrompendo a conversa quando passava uma moça.

Sozinha ou acompanhada, todas as moças que passavam por Azevedo e Peçanha ganhavam olhares pidões, tão comuns aos conquistadores baratos, de beira de calçada.

Era sábado, dia em que se definem os que andam pela aí, caçando o amor. Azevedo parou na esquina do Lido e perguntou para Peçanha:

— Que tal se fôssemos até o "Alfredão"?

Peçanha achou que lá havia sempre muita concorrência. As mulheres supostamente fáceis,- quando há muita gente em volta, dando em cima, tornam-se superiores e esquivas, fazendo-se mais preciosas pela disputa de seus carinhos. Mas como Azevedo ponderasse que muitos dos homens que vão ao "Alfredão" não chegam a ser propriamente homens, Peçanha concordou.

Entraram no bar, Azevedo acendeu um charuto, ofereceu outro a Peçanha, que recusou com um gesto másculo. Preferia cachimbo, que tirou do bolso e começou a encher de fumo, enquanto pediam algo para beber.

O garçom acabou partindo para ir buscar uísque puro, só com gelo e olhe lá.

Uma garota de olheiras profundas passou pela mesa e Peçanha mexeu com ela. A garota sorriu. Então Azevedo convidou-a para tomar alguma coisa. E como as demais pequenas que estavam no bar pareciam todas acompanhadas, ficou só aquela para ser dividida entre Azevedo e Peçanha.

No fim de algum tempo, tanto Peçanha como Azevedo estavam caindo de tanta bebida. Pagaram a conta. Azevedo apagou o resto do charuto no cinzeiro e quis partir só, rebocando a pequena.

Peçanha estranhou a atitude de Azevedo, acabaram discutindo e começou o clássico festival de bolacha. Entrou a turma do deixa-disso, veio o guarda e o resultado da farra ali estava: além da garota disputada a tapa, também foram parar no xadrez as duas brigonas.

Sim, porque o nome todo de Azevedo é Maria Tereza Azevedo. Quanto a Peçanha: Walquíria. Walquíria Peçanha.

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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

domingo, 25 de setembro de 2011

A anciã que entrou numa fria

Gosto de ler jornal impresso com plasma sangüíneo. Não sou um leitor-vampiro. O que me diverte não é a notícia, porque não tenho carteirinha de necrófilo; o que me diverte é a redação da notícia, a maneira pela qual ela é abordada nesses jornais que, se a gente apertar, dá hemorragia.

Agora mesmo estava aqui a folhear um deles. Na página 4, lá em cima, à esquerda de quem lê, há uma coluna de ocorrências. E logo a primeira notícia vem sob a manchete: "Quis ver anciã nua e apanhou".

Ora, por mais ocupado que eu esteja, uma nota com este título eu não deixo pra lá de jeito nenhum.

E li. A coisa passou-se num desses conjuntos residenciais — autênticas cabeças-de-porco, construídas pelos institutos de previdência para enganar contribuinte — onde o pau come de cinco em cinco minutos, entre vizinhos de parede e meia. Sai tanta briga nesse tipo de residência para coitado que, não faz muito tempo, eu participava de um show no qual o conjunto regional brigava tanto que eu o apelidei de Conjunto Residencial do IAPI. Mas isto deixa pra lá.

Voltemos à anciã nua que abalou Ramos. Sim, porque foi em Ramos, aprazível subúrbio leopoldinense, onde cabrito pasta deitado para não pegar rebarba de tiroteio. O bandido da história chama-se Matias Afonso — solteiro, 28 anos, morador na Rua A, n.° 5.

Quando o cara mora em rua que não tem nome, é porque o apartamento dele é desses em que o morador abre a porta e entra com cuidado para não cair pela janela da frente.

Pois muito bem: Matias Afonso foi parar no Hospital Getúlio Vargas, vítima de um panelicídio. Palavra de honra! Não estou inventando nada. Está aqui no jornal: "No hospital, onde os médicos constataram uma lesão que pode levá-lo à cegueira, Afonso contou que Joana de Jesus, viúva com 71 anos, residente na Rua A, n.° 4 — vizinha, pois, do dito Matias —, agredira-o com uma panela, furiosamente".

Mas é aqui que the pig twists if's tail — como diz Lyndon Johnson, quando tenta explicar a batalha campal do Vietname.

Por que teria uma velha de 71 anos agredido um rapaz de 28? Alguma coisa ele fez de muito grave, porque, nessa idade, a pessoa geralmente já não agüenta levantar uma panela, quanto mais fazer dela um porrete de gladiador.

E o rapaz fez mesmo; cometeu uma temeridade que eu vou te contar. Outra vez transcrevo do órgão da imprensa sanguinária: "Porque olhava para o quarto onde a anciã trocava de roupa, Matias Afonso foi agredido, na madrugada de ontem, a golpes de panela, sofrendo contusões e escoriações na cabeça, estando ameaçado de perder a visão".

Convenhamos que perder a visão porque espiava uma velha de 71 anos inteiramente pelada é duro, é um bocado duro. Mas — pelo jeito — a vítima do panelicídio gostava. Senão vejamos: "Matias confessou que via Joana de Jesus despir-se, diariamente, por uma fresta da janela. Ontem, não se contendo, pulou a janela e foi repelido com uma panela".

Esta é a história que o jornal — como tudo que é noticiário policial — termina enfaticamente com o tradicional: "o comissário do dia tomou conhecimento do fato".

O comissário pode ter tomado conhecimento, mas nós queremos mais, é ou não é? Em não sendo policial, a gente tem uma curiosidade maior pelas ocorrências deste tipo. Basta reler o que foi contado para se ver que um dos dois personagens está mentindo, ou melhor, pode não estar mentindo, mas está omitindo. Se um rapaz de 28 anos apanhou de uma velha de 71, levando tanta panelada na cabeça, é porque — enquanto ela batia — ele tentava segurar outra coisa que não era a panela, do contrário teria se defendido melhor. O que estaria Afonso tentando segurar enquanto a septuagenária baixava-lhe paneladas na cuca?

Tirem vocês a conclusão.

Para Primo Altamirando a solução do mistério é outra. O jornal não conta que o cara via a velha pelada todo dia? — pergunta Mirinho. E ele mesmo responde:

— Diz sim. E se era todo dia, dificilmente a velha ignorava o fato. Portanto, para mim, esse tal de Afonso apanhou porque, ao pular dentro do quarto, a velha não quis deixar ele sair.

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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

Anthony Perkins


Anthony Perkins, ator, nasceu em Nova Iorque, EUA, em 4/4/1932, e faleceu em Los Angeles, EUA, em 12/9/1992. Era filho de um famoso ator da Broadway Osgood Perkins, que atuou em Scarface, clássico de 1932 - ano em que Anthony nasceu - e que morreu quando ele tinha apenas cinco anos. Foi criado pela mãe, que ele mesmo definiu uma vez como "muito possessiva e bastante problemática".

Subiu ao palco pela primeira vez aos 14 anos e estreou no cinema em 1953 no filme Papai Não Quer, dirigido por George Cukor. Em 1956 foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel em Sublime Tentação de William Wyler.

Entrou para a galeria dos grandes nomes de Hollywood ao interpretar Norman Bates  - um assassino em série da obra Psycho (Psicose), de Alfred Hitchcock -, em 1960. Muitos críticos acharam na época que ele merecia ter ganho o Oscar por sua magnífica interpretação, mas não chegou nem a ser indicado ao famoso prêmio. O filme teve duas continuações, uma em 1983 e outra em 1986.

Entre 1962 e 1971, Perkins desenvolveu uma bela carreira na Europa, tendo oportunidade de atuar sob a direção de cineastas do porte de Claude Chabrol, André Cayate, René Clement, Anatole Litvak, Jules Dassin, Orson Welles, Edouard Molinaro, entre outros.

De volta aos Estados Unidos, continuou sua brilhante carreira. Dando continuidade ao famoso Psicose, de Hitchcock, Perkins estrelou em 1983, Psicose II, de Richard Franklin; em 1986, Psicose III, por ele próprio dirigido, e em 1990, para a televisão, Psicose IV - O Começo, de Mick Garris.

Em 1973, co-escreveu o roteiro de O Fim de Sheila, juntamente com Stephen Sondheim, tendo sido agraciado com o Prêmio Edgar Allan Poe. Em 1974, apareceu na Broadway ao lado de Mia Farrow, na peça Romantic Comedy, de Bernard Slade.

Perkins era bissexual, tendo tido casos com o ator Tab Hunter, com o bailarino Rudolf Nureyev e com o dançarino-coreógrafo Grover Dale, com quem teve um relacionamento de seis anos, antes de se casar com Berry Berenson. De sua união com Berry, teve dois filhos: Osgood, que seguiu a carreira de ator, e Elvis Perkins, que se tornou músico. Ele afirmou, certa vez, ter sido exclusivamente homossexual até próximo de seus 40 anos, quando conheceu a atriz Victoria Principal.

Diagnosticado com AIDS em 1989, manteve sua doença em segredo e continuou a trabalhar até o fim. No ano de sua morte, inclusive, participou de dois filmes, sendo um para a TV.

Fontes: 70 Anos de Cinema; Wikipedia.

As feiticeiras de Salem

"É uma certeza que o demônio apresenta-se por vezes na forma de pessoas não apenas inocentes, mas também muito virtuosas." (Rev. John Richards, século XV)

Faz três séculos que o vilarejo de Salem, na colônia americana da Nova Inglaterra, foi tomado de assalto por uma onda de intolerância e de fanatismo religioso, vitimando quase vinte pessoas. Esse infeliz incidente, e a caça às feiticeiras que então se desencadeou, serviu como um alerta para que os princípios de liberdade religiosa fossem assegurados na história dos Estados Unidos.

Mister Parris, o pobre reverendo de Salem, estava exasperado. Betty, a sua única filha de apenas nove anos, acometida por uma série de estranhos espasmos, jogou-se petrificada sobre o leito, negando-se a comer. Naquela perdida cidadezinha, ao norte de Boston, não existiam muitos recursos além de um velho médico que por lá se perdera. Chamado para diagnosticar a doença, atestou para o aterrado pai que a menina estava era enfeitiçada e que nada lhes restava a fazer além de uma boa e sincera reza. A conclusão do doutor correu de boca em boca e em pouco tempo os pacatos habitantes do pequeno porto tomaram conhecimento de que Satanás resolvera coabitar com eles.

Simultaneamente outras garotas, as amiguinhas de Betty, começaram a apresentar sintomas semelhantes aos da filha do clérigo. Rolavam pelo chão, imprecavam, salivavam, grunhiam e latiam. Foi um pandemônio. Pressionado a tomar medidas, Parris resolveu chamar um exorcista, um caçador de feiticeiras, que prontamente começou sua investigação.

No século XVII, poucos punham em dúvida a existência de bruxas ou de feiticeiras porque uma das máximas daqueles tempos é de que "é uma política do Diabo persuadir-nos que não há nenhum Diabo".

Inquiridas por Cotton Mather, que iria se revelar uma espécie de Torquemada americano, as garotas contaram que o que havia desencadeado aquela desordem toda fora uns rituais de vodu que elas viram Tituba fazer. Essa era uma escrava negra que viera das Índias Ocidentais, e que iniciara algumas delas no conhecimento da magia negra. Durante o último longo inverno da Nova Inglaterra, ela apresentara várias vezes os feitiços para uma platéia de garotas impressionáveis.

Educadas no estreito moralismo calvinista e no ódio ao sexo que o puritanismo devota, aquele cerimonial animista deve ter despertado as fantasias eróticas nelas. Provavelmente culpadas por terem cedido à libido ou apavoradas por sonhos eróticos, as garotas entraram em choque histérico. Seja como for o caso, merecia ser ouvido num tribunal. Toda a Salem se fez então presente no salão comunitário.

Quando colocadas num tribunal especial, presidido pelo juiz S. Sewall, e inquiridas pelos juízes Corwin e Hathorne, as meninas começaram a apontar indistintamente para várias pessoas que estavam na sala apenas como curiosas. O depoimento mais sensacional foi o da escrava Tituba, que não só confessou suas estranhas práticas como afirmou que várias outras pessoas da comunidade também o faziam.

A partir daquele momento, a cidadezinha que já estava sob forte tensão se transformou. Um comportamento obsessivo tomou conta dos moradores. Uma onda de acusações devastou o lugarejo. Vizinhos se denunciavam, maridos suspeitavam das suas mulheres e vice-versa, amigos de longa data viravam inimigos.

Praticamente ninguém escapou de passar por suspeito, de ser um possível agente do demônio. Não demorou para que mais de 300 pessoas fossem acusadas de práticas infames. O tribunal que entrou em função em junho de 1692 somente parou em outubro. Resultou que dezenove pessoas foram enforcadas.

Fontes: História - Mundo - As Feiticeiras de Salem; Wikipedia.