sexta-feira, 1 de abril de 2011

À beira-mar

Por que será que tem gente que vive se metendo com o que os outros estão fazendo? (1) Pode haver coisa mais ingênua do que um menininho brincando com areia, na beira da praia? Não pode, né?

Pois estávamos nós deitados a doirar a pele para endoidar mulher, sob o sol de Copacabana(2), em decúbito ventral (não o sol, mas nós) a ler “Maravilhas da Biologia”, do coleguinha cientista Benedict Knox Ston, quando um camarada se meteu com uma criança, que brincava com a areia.

Interrompemos a leitura para ouvir a conversa. O menininho já estava com um balde desses de matéria plástica cheio de areia, quando o sujeito intrometido chegou e perguntou o que é que o menininho ia fazer com aquela areia.

O menininho fungou, o que é muito natural, pois todo menininho que vai na praia funga, e explicou pro cara (3) que ia jogar a areia num casal que estava numa barraca lá adiante. E apontou para a barraca.

Nós olhamos, assim como olhou o cara que perguntava ao menininho. Lá, na barraca distante, a gente só conseguia ver dois pares de pernas ao sol. O resto estava escondido pela sombra, por trás da barraca.

Eram dois pares, dizíamos, um de pernas femininas, o que se notava pela graça da linha, e outro masculino, o que se notava pela abundante vegetação capilar, se nos permitem o termo (4).

— Eu vou jogar a areia naquele casal por causa de que eles estão se abraçando e se beijando muito — explicou o menininho, dando outra fungada.

O intrometido sorriu complacente e veio com lição de moral.

— Não faça isso, meu filho — disse ele (e depois viemos a saber que o menino era seu vizinho de apartamento). Passou a mão pela cabeça do garotinho e prosseguiu: — deixe o casal em paz. Você ainda é pequeno e não entende dessas coisas, mas é muito feio ir jogar areia em cima dos outros.

O menininho olhou pro cara muito espantado e ainda insistiu:

— Deixa eu jogar neles.

O camarada fez menção de lhe tirar o balde da mão e foi mais incisivo:

— Não senhor. Deixe o casal namorar em paz. Não vai jogar areia não.

O menininho então deixou que ele esvaziasse o balde e disse: — Tá certo. Eu só ia jogar areia neles por causa do senhor.

— Por minha causa? — estranhou o chato (5). — Mas que casal é aquele?

— O homem eu não sei — respondeu o menininho. — Mas a mulher é a sua (6).

Por: Stanislaw Ponte Preta - (Texto extraído do livro “O melhor do Stanislaw”)

Notas: (1) Crítica amena que conduz à reflexão; (2) A marca do cronista carioca; (3) Ritmo carioca, linguagem coloquial, a norma culta não é respeitada; (4) Dialoga com o leitor como meio de agregar humor e ironia à narrativa; (5) O ridículo da coletividade à partir de um tipo individual; (6) Humor tipicamente brasileiro, parece uma piada.

Ridículas são essas notas... ka ka ka... Sérgio Porto é extraordinário!

Fonte: http://www.webwritersbrasil.com.br/detalhe.asp?numero=229

A pena de morte no Brasil

A pena de morte foi aprovada no Brasil e dois homens condenados à cadeira elétrica foram levados no mesmo dia à sala de execução. O padre lhes deu a extrema unção, o carcereiro fez o discurso formal, e uma prece final foi rezada pelos participantes.

O carrasco, voltando-se ao primeiro homem, perguntou:

- Filho, você tem um último pedido?

- Tenho. Como eu adoro pagode, gostaria de ouvir o CD dos Travessos, Negritude Jr, Karametade, Katinguelê, Os Morenos e o do Belo pela última vez antes de morrer, e se for possível o CD do É o Tchan e Ki-Loucura.

O carrasco virou para o segundo condenado e perguntou:

- E você, qual seu último pedido?

- Posso morrer primeiro???

Ignorância ao alcance de todos

Já não me lembro qual o motivo do almoço. Lembro-me, isto sim, que íamos caminhando, quando Alvinho disse, em voz alta:

- Leônio Xanás!

- O quê? Perguntei, e Alvinho explicou que Leônio Xanás era o nome do pintor que estava pintando seu apartamento. Até me mostrou um cartãozinho, escrito: Leônio Xanás - Pinturas em geral - Peça Orçamento.

- Hoje acordei com o nome dele na cabeça. Toda hora digo Leônio Xanás - contava o escritor. Ainda agorinha, ao entrar no lotação, disse alto “Leônio Xanás” e levei um susto, quando o motorista respondeu:

Passa perto! Ele pensou que eu estava perguntando por determinada rua e foi dizendo logo que passa perto, sem, ao menos, saber que rua era.

Foi aí que nos nasceu a vontade de experimentar a sinceridade do próximo e nos nasceu a certeza de que ninguém gosta de confessar-se ignorante mesmo em relação às coisas mais corriqueiras. Entramos numa farmácia para comprar Alka- Seltzer (pretendíamos tomar vinho no almoço) e Alvinho experimentou de novo, perguntando ao farmacêutico:

- Tem Leônio Xanás?

- Estamos em falta - foi a resposta.

E assim foi a coisa. Ninguém foi capaz de dizer que não conhecia nenhum Leônio Xanás ou que não sabia o que era Leônio Xanás. Nem mesmo a gerente de uma loja de roupas, que, geralmente, são senhoras de comprovada gentileza. Entramos num elegante magazine do centro da cidade para comprar um lenço de seda para presente. Vimos vários, todos bacanérrimos, mas - para continuar a pesquisa indagamos a vendedora:

- Não tem nenhum da marca Leônio Xanás?

A mocinha pediu que esperássemos um momento, foi até lá dentro e voltou com a prestativa senhora gerente. Esta sorriu e quis saber qual era mesmo a marca:

- Leônio Xanás - repeti, com esta impressionante cara-de-pau que Deus me deu.

Madame voltou a sorrir e respondeu: - Tínhamos, sim, senhor. Mas acabou. Estamos esperando nova remessa.

Foi uma pena não ter. Compramos de outra marca qualquer e fomos almoçar. Foi um almoço simpático com o velho amigo. Lembro-me que, na hora do vinho, quando o garçom trouxe a carta, Alvinho deu uma olhadela e disse, em tom resoluto:

- Queremos uma garrafa de Leônio Xanás tinto.

O garçom fez uma mesura: - O senhor vai me perdoar, doutor. Mas eu não aconselho este vinho.

Devia ser uma questão de safra, daí a aconselhar outro:

- O Ferreirinha não serve?

Servia.

É, irmãos, mal de muitos consolo é, mas ignorante que existe às pampas, ninguém quer ser.

Previsão de morte


Um homem vai ao quarto de seu filho para dar-lhe boa noite e percebe que o garoto está tendo um pesadelo.

O pai acorda o menino e pergunta-lhe se ele está bem; o filho responde que está com medo porque sonhou que a tia Suzana havia morrido. O pai garante que tia Suzana está muito bem e manda-o de novo para a cama.

No dia seguinte a tia Suzana morre.

Uma semana depois, o homem volta ao quarto de seu filho para dar-lhe boa noite e encontra o garoto tendo outro pesadelo. O pai acorda o menino e pergunta se ele está bem; o filho responde que está com medo porque sonhou que o vovô havia morrido. O pai garante que o vovô está muito bem e manda-o de novo para a cama.

No dia seguinte o vovô morre.

Uma semana depois, o homem vai de novo ao quarto de seu filho para dar-lhe boa noite e o garoto está tendo outro pesadelo. O pai acorda o menino e pergunta-lhe se ele está bem. Desta vez o filho responde que está com medo porque sonhou que o papai havia morrido.

O pai garante que ele está muito bem e manda-o de novo para a cama. Mas o homem volta para a cama e não consegue dormir. No dia seguinte ele está apavorado. Tem certeza que vai morrer. Ele sai para o trabalho e dirige com o maior cuidado para evitar uma colisão. Ele não almoça de medo de sua comida estar envenenada. Evita todo mundo, de medo de ser assassinado. Ele tem um sobressalto a cada rua, e a qualquer movimento suspeito.

Ao voltar para casa, ele encontra sua esposa e diz:

- Meu Deus... Tive o pior dia de minha vida!

E ela responde, toda chorosa:

- Você acha que foi o pior... E o meu chefe, que morreu hoje de manhã, assim que chegou no escritório. Eu que o conhecia há mais de 15 anos, não entendo como uma pessoa morre assim, tão de repente!