terça-feira, 26 de julho de 2011

Boris Karloff, a criatura de Frankenstein


Ao interpretar em 1931 a lendária criatura de Frankenstein, Boris Karloff (Dulwich, Londres, 23 de novembro de 1887 - Sussex, 2 de fevereiro de 1969) consagrou-se como um imortal mito do cinema de horror, juntamente com Lon Chaney e Bela Lugosi.

Esses ícones do horror marcaram seus nomes na história por suas marcantes interpretações nas décadas de 1920, 30 e 40, e somados a Vincent Price, Peter Cushing, John Carradine e Christopher Lee (único ainda vivo), estes a partir dos anos 50, construíram as bases do gênero as quais permanecerão para sempre.

Apesar de um pouco menos de um terço de seus 156 filmes (entre mudos e sonoros) serem de horror, Boris Karloff é considerado um personagem eterno do gênero.

Nasceu em 23 de novembro de 1887, no subúrbio londrino de Camberwell. Vindo de uma família de classe média, seu nome de batismo foi William Henry Pratt. Sua família era composta ainda por mais sete irmãos e uma irmã e seus pais morreram ainda na sua infância.

Em maio de 1909 ele foi para o Canadá tentar a carreira de ator. Nessa época criou seu nome artístico e tão conhecido pelo público. Segundo ele, o nome Karloff veio dos ancestrais russos pelo lado de sua mãe e Boris foi escolhido ao acaso.

Trabalhou em teatro e rádio até que finalmente em 1919 fez seu primeiro filme, então com 32 anos de idade, "His Majesty, the American" (United Artists), um filme mudo dirigido por Joseph Henabery, onde Karloff aparece apenas como um figurante numa história de aventura.

A partir daí ele apareceu em outros 48 filmes mudos e 15 sonoros, até consagrar-se em 1931 atuando como o monstro do cientista louco Frankenstein, uma criatura formada a partir de restos de cadáveres humanos, no clássico dirigido por James Whale, "Frankenstein". Esse filme, que inicialmente seria dirigido por Robert Florey e estrelado por Bela Lugosi (que acabava de atuar em "Drácula"), foi mudado na última hora e chamaram Karloff para o papel do monstro e Florey e Lugosi acabaram fazendo "The Murders in the Rue Morgue", baseado em Edgar Allan Poe .

Contando com a ajuda importante do maquiador da Universal, Jack Pierce, a criatura de Frankenstein tornou-se assustadora e fascinou o público. O filme foi um grande sucesso de bilheteria e arrecadou cerca de 12 milhões de dólares, superando em muito a modesta produção de 250 mil dólares.

Nos anos seguintes Karloff foi muito requisitado, principalmente pela Universal, e estrelou diversos outros clássicos como "The Old Dark House" (1932), onde interpretou um mordomo mudo e assassino de um casarão gótico, "A Múmia" (1933), personificando uma múmia egípciade 3700 anos que revive na Inglaterra, e no mesmo ano atuou em "The Ghoul", primeiro trabalho com produção inglesa, interpretando um professor que morre e retorna à vida como um zumbi. Foi só em 1935 que Karloff voltou ao papel do monstro em "A Noiva de Frankenstein", outro sucesso superando até o original de 1931, fechando a trilogia em 1939 com "O Filho de Frankenstein", e nunca mais atuando como a famosa criatura que o imortalizou.

Entre o fim da década de 30 e início dos anos 40, realizou vários filmes pela Columbia interpretando cientistas loucos em meio as suas macabras experiências, como podemos ver em películas como "The Invisible Ray" (O Raio Invisível, 1936), onde Karloff descobre um raio poderoso que o transformou num assassino, "The Man They Could Not Hang" (1939), sobre um coração mecânico, "The Man With Nine Lives" (1940), com o tema da cura do câncer por congelamento, "Before I Hang" (1940), tratando do rejuvenescimento, "The Devil Commands" (1940), sobre pesquisas das ondas cerebrais de pessoas mortas, e em "The Boogie Man Will Get You" (1942), onde o ator cria uma máquina de transformar super-homens.

Em "A Casa de Frankenstein" (1944), ele interpretou um cientista louco (de novo!) que foge da prisão e ressuscita Drácula (John Carradine), Lobisomem (Lon Chaney Jr.) e a criatura de Frankenstein (Glenn Strange), mostrando um argumento no mínimo curioso.

Ainda na década de 40, Karloff fez uma série de filmes pela RKO em parceria com o produtor Val Lewton. O resultado foi uma série de pequenas obras-primas do horror como "O Túmulo Vazio" (The Bodysnatcher, 1945) com Bela Lugosi e sendo o último trabalho deles juntos, "Isle of the Dead" (1945) e "Bedlam" (1946).

Os anos 50 foram fracos para o ator com nenhum filme marcante. Ele fez alguns trabalhos de humor negro com a dupla de comediantes Abbott e Costello, e em 1958 interpretou o cientista em "O Castelo de Frankenstein" (Frankenstein 1970) com Mike Lane dessa vez no papel da criatura.

Agora é a vez de Roger Corman e sua produtora "American International", que a exemplo de Val Lewton nos anos 40, fez parceria com Karloff na década de 60 e rodaram juntos vários filmes ao lado de grandes atores como Basil Rathbone, Vincent Price, Peter Lorre e Jack Nicholson. Dessa parceria saíram grandes jóias do humor negro como as produções de 1963 "O Corvo" (The Raven), "Farsa Trágica (The Comedy of Terrors) ou ainda "Sombras do Terror" (The Terror), onde neste interpretou um velho barão recluso em sua mansão macabra.

Em 1964 apresentou "Black Sabbath", dirigido pelo cineasta italiano especialista em horror Mario Bava e dividido em 3 episódios onde Karloff também interpretou um deles como um vampiro, e em 1965 fez "Morte Para Um Monstro" (Die, Monster, Die!) baseado em história de H. P. Lovecraft. Já em 1968 estrelou "Na Mira da Morte" (Targets), fazendo um ator de filmes de horror (seu alter-ego), dirigido por Peter Bogdanovich e um de seus últimos filmes.

A partir daí, já bastante idoso, o estado de saúde de Karloff declina fortemente, com graves problemas respiratórios que o levaram à morte em 2 de fevereiro de 1969, na Inglaterra, aos 81 anos de idade. Mesmo após a sua morte, vários filmes foram lançados em 1970-71 e que ele havia rodado em 1967-68. "A Maldição do Artar Escarlate" (The Crimson Cult, 1970) com Christopher Lee e história baseada em H. P. Lovecraft, e "Cauldron of Blood" (1971) foram filmados com Karloff preso a uma cadeira de rodas, devido ao precário estado de saúde.

E em 1971 foram lançados quatro filmes com produção mexicana, onde Karloff filmou sua participação nos Estados Unidos com as cenas sendo montadas posteriormente no México. Dessa série de filmes, que tornaram-se grande raridade e cultuados, destaca-se "Serenata Macabra" (House of Evil) onde interpretou um velho milionário que convoca seus parentes para a divulgação de seu testamento. O último trabalho da carreira de Karloff foi na série de TV "The Name of the Game" com o episódio "The White Birch" em 29 de novembro de 1968.

No total foram 156 filmes de vários gêneros ao longo de 50 anos de carreira, além de aproximadamente 90 aparições em 75 programas de televisão diferentes, entre shows e séries. Toda essa vasta filmografia e suas interpretações marcantes que fizeram a história do cinema fantástico ao longo desse século, manterão sempre viva sua imagem de eterno imortal do horror.

Principais filmes de Boris Karloff

* Frankenstein (Frankenstein, 1931)
* The Old Dark House (1932)
* A Múmia (The Mummy, 1932)
* The Ghoul (1933)
* O Gato Preto (The Black Cat , 1934)
* A Noiva de Frankenstein (The Bride of Frankenstein, 1935)
* The Black Room (1935)
* O Corvo, 1935)
* O Raio Invisível (The Invisible Ray, 1936)
* The Walking Dead (1936)
* The Man Who Lived Again (1936)
* O Filho de Frankenstein Son of Frankenstein, 1939)
* The Man They Could Not Hang (1939)
* Before I Hang (1940)
* The Man With Nine Lives (1940)
* The Devil Commands (1940)
* The Boogie Man Will Get You (1942)
* A Casa de Frankenstein (1944)
* O Túmulo Vazio (The Bodysnatcher, 1945)
* Isle of the Dead (1945)
* Bedlam (1946)
* Monster of the Island (1953)
* O Castelo de Frankenstein (Frankenstein 1970, 1958)
* O Corvo (The Raven, 1963)
* Sombras do Terror (The Terror, 1963)
* Farsa Trágica (The Comedy of Terrors, 1963)
* Black Sabbath (1964)
* Morte Para Um Monstro (Die, Monster, Die!, 1965)
* Na Mira da Morte (Targets, 1968)
* A Maldição do Altar Escarlate (The Crimson Cult, 1970)
* The Snake People (1971)
* Invasão Sinistra (The Incredible Invasion, 1971)
* A Câmara do Terror (The Fear Chamber, 1971)
* Serenata Macabra (House of Evil, 1971)

Fonte: Bóris Karloff

Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo (Manuel Antônio Álvares de Azevedo), poeta, contista e ensaísta, nasceu em São Paulo em 12 de setembro de 1831, e faleceu o Rio de Janeiro, RJ, em 25 de abril de 1852. Patrono da Cadeira n. 2 da Academia Brasileira de Letras, por escolha de Coelho Neto.

Era filho do então estudante de Direito Inácio Manuel Álvares de Azevedo e de Maria Luísa Mota Azevedo, ambos de famílias ilustres. Segundo afirmação de seus biógrafos, teria nascido na sala da biblioteca da Faculdade de Direito de São Paulo; averiguou-se, porém, ter sido na casa do avô materno, Severo Mota.

Em 1833, em companhia dos pais, mudou-se para o Rio de Janeiro e, em 40, ingressou no colégio Stoll, onde consta ter sido excelente aluno. Em 44, retornou a São Paulo em companhia de seu tio. Regressa, novamente ao Rio de Janeiro no ano seguinte, entrando para o internato do Colégio Pedro II.

Em 1848 matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi estudante aplicadíssimo e de cuja intensa vida literária participou ativamente, fundando, inclusive, a Revista Mensal da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano.

Entre seus contemporâneos, encontravam-se José Bonifácio (o Moço), Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães estes dois últimos suas maiores amizades em São Paulo, com os quais constituiu uma república de estudantes na Chácara dos Ingleses.

O meio literário paulistano, impregnado de afetação byroniana, teria favorecido em Álvares de Azevedo componentes de melancolia, sobretudo a previsão da morte, que parece tê-lo acompanhado como demônio familiar.

Imitador da escola de Byron, Musset e Heine, tinha sempre à sua cabeceira os poemas desse trio de românticos por excelência, e ainda de Shakespeare, Dante e Goethe.

Proferiu as orações fúnebres por ocasião dos enterros de dois companheiros de escola, cujas mortes teriam enchido de presságios o seu espírito. Era de pouca vitalidade e de compleição delicada; o desconforto das "repúblicas" e o esforço intelectual minaram-lhe a saúde.

Nas férias de 1851-52 manifestou-se a tuberculose pulmonar, agravada por tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, um mês antes. A dolorosa operação a que se submeteu não fez efeito. Faleceu às 17 horas do dia 25 de abril de 1852, domingo da Ressurreição.

Como quem anunciasse a própria morte, no mês anterior escrevera a última poesia sob o título "Se eu morresse amanhã", que foi lida, no dia do seu enterro, por Joaquim Manuel de Macedo.

Entre 1848 e 1851, publicou alguns poemas, artigos e discursos. Depois da sua morte surgiram as Poesias (1853 e 1855), a cujas edições sucessivas se foram juntando outros escritos, alguns dos quais publicados antes em separado.

As obras completas, como as conhecemos hoje, compreendem: Lira dos vinte anos; Poesias diversas, O poema do frade e O conde Lopo, poemas narrativos; Macário, "tentativa dramática"; A noite na taverna, contos fantásticos; a terceira parte do romance O livro de Fra Gondicário; os estudos críticos sobre Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla, além de artigos, discursos e 69 cartas.

Preparada para integrar As três liras, projeto de livro conjunto de Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, a Lira dos vinte anos é a única obra de Álvares de Azevedo cuja edição foi preparada pelo poeta. Vários poemas foram acrescentados depois da primeira edição (póstuma), à medida que iam sendo descobertos.

Fonte: Academia Brasileira de Letras www.academia.org.br

Quem morre descansa

Ela batia à máquina quando Norberto apareceu. Fez a per­gunta:

— Pode-se bater um papinho contigo?

— Quando?

— Depois do serviço?

— OK. E onde?

Ele vacilou: “Olha, eu te espero naquele bar da esquina”. Julinha, com o coração disparado, balbuciou: “Eu estarei lá. Ba­tata”. E não trabalhou mais direito. Findo o expediente, correu no reservado das moças, e espiou-se no espelho; retocou a pin­tura dos lábios e passou pó no nariz; muito lustroso. Norberto a esperava, num canto do bar, com uma garrafa na frente. Deu-lhe a cadeira e requisitou o garçom. Perguntou à pequena:

— Você toma o quê?

Julinha, que não estava passando bem do estômago, pediu: — “Água tônica”. Enquanto o garçom ia e vinha, Norberto foi direto ao assunto: — “Você sabe, não sabe, que eu sou casa­do?”. Suspirou:

— Sei.

E ele:

— Muito bem. Sabe, também, que eu gosto muito de você?

Disse que não tinha certeza, mas desconfiava. Ele insistiu: — “Pois gosto e muito, mais do que você pensa”. E, súbito, fez-lhe a pergunta que a surpreendeu e deixou sem fala: — “Quer casar comigo?”.

A ESPOSA

Durante alguns momentos, ela não soube o que dizer, não soube o que pensar. Balbuciou:

— Quer dizer, queria. Mas como? E sua mulher?

Mas Norberto estava preparado para a pergunta: — “O ne­gócio é o seguinte, meu anjo: minha mulher está muito mal”. E era verdade. A mulher de Norberto era muito franzina, um peito cavado, asmática, tinha uma vida de sacrifício. No inverno, pagava todos os pecados, qualquer resfriado bobo a deixava sem ar e tinha sufocações tremendas. Vivia em casa, estiolando-se, cada dia pior. Há coisa de oito meses, fizera uma radiografia do estômago. Constatara-se a úlcera; e, depois, uma do pulmão que revelara a tuberculose. Chocada com essas variedades de doen­ças, de provações, Julinha deixou escapar a exclamação: — “Que horror!”. Norberto prosseguiu:

— Queres ver uma coisa? Hoje eu a deixei pondo sangue pela boca. E não se sabe se a hemorragia é da úlcera do estôma­go ou do pulmão.

— Coitada!

— O médico já avisou que ela não dura muito. Uns três ou quatro meses. E talvez morra antes, de um colapso. Uma cala­midade. Mas o que eu queria te dizer era o seguinte: tu gostas de mim e eu de ti; e te dou minha palavra que, logo que possa, me casarei contigo. Tu esperas?

Julinha ergueu o rosto e disse, com muita doçura:

— Espero.

O OUTRO

A partir de então, sua vida foi uma espera de todos os dias, horas e minutos. Havia no escritório um outro companheiro in­teressado em conquistá-la. Era o Queiroz. Tomara-se de amo­res pela menina e, muito obstinado, não a deixava em paz. Não fosse a súbita declaração de Norberto, que ela preferia, e talvez tivesse admitido um namoro, a título experimental, com o Quei­roz. Mas Norberto, vendo o assédio do outro, se antecipara. E, no dia seguinte, quando o Queiroz reiterou um antigo convite para um “cineminha”, a garota pôs as cartas na mesa:

— Tem santíssima paciência, mas não pode ser. Eu gosto de outro.

— Não acredito!

E ela: “Te juro”. Como o rapaz teimasse na incredulidade, fez o juramento extremo: “Quero ver minha mãe morta, se não é verdade”. Atônito, ele balbuciou a pergunta: “Mas quem é o cara?”.

— Segredo.

— Ué!

Julinha acabou se irritando: “Além disso, eu não tenho que dar satisfação de minha vida”. O rapaz saiu dali amargo, depois de rosnar: “Esse negócio está me cheirando a homem casado”. E o fato é que, desde então, ele passou a vigiar ferozmente a pequena. Soube que Norberto e Julinha tinham sido vistos, de­pois do serviço, no bar da esquina. Esbravejou:

— Cachorro!

O MARTÍRIO

Sempre que chegava ao emprego, Julinha olhava para a mesa de Norberto. Quando ele não vinha, perguntava a si mesma: “Se­rá que ele não veio porque a mulher dele morreu?”. Corria ao contínuo:

— Quedê seu Norberto?

— Foi tomar café.

Ela sabia então que a outra estava viva. Por causa do con­trole do Queiroz, os dois procuravam disfarçar tanto quanto pos­sível. Com sua lógica de mulher, Julinha ponderava: “Afinal de contas, você é um homem casado e eu sou uma moça de famí­lia”. Por outro lado, o sigilo que era obrigada a manter consti­tuía um elemento de mistério, interesse, excitação. E assim, dias após dias, Julinha acompanhava à distância o martírio da outra. Às vezes, Norberto ia à rua telefonar para ela e dramatizava: “Mi­nha mulher está que é só pele e osso. Não sei como ainda vi­ve”. A princípio, Julinha tinha escrúpulos de esperar e mesmo desejar a morte da infeliz. Mas, com o correr dos dias, o hábito de falar no assunto a sensibilizou. E, um dia, surpreendeu-se a si mesma: “No duro, no duro, me responde. Ela vai até quan­do, mais ou menos?”. Norberto fez os cálculos:

— Uns quinze dias.

Em casa, no quarto, Julinha pôs-se a imaginar:”Quinze dias. Mais uns seis meses etc. Daqui a um ano posso estar casada”. Mas os quinze dias se passaram. E nada. No telefone, ela per­guntou, com uma irritação que procurava dissimular: “Como é, fulano? Você disse quinze dias e quando acaba…”. Do outro lado do fio ele desabafava:

— Pois é. Que espeto! Sabe que eu estou besta com a resis­tência? O médico disse hoje que, assim, nunca viu.

Julinha suspirou: “Paciência. Paciência”. Mas já começava a admitir mesmo que o estado da outra não fosse tão grave as­sim. E, por fim, interpelou Norberto: “Quem sabe se você não está me tapeando?”. Ele jurou que não, deu a palavra de honra. Julinha, deprimida, fez a revelação:

— Olha que eu já estou fazendo despesas com o enxoval. Comprei muita coisa. Veja lá!

Ele, seguro de si e do destino, foi categórico: “Ótimo, óti­mo. Pode ir comprando tudo. É bom, sim. E o vestido de noiva eu faço questão de te dar. Quero um bacana”.

AGONIA

Mais quinze dias e a esposa de Norberto, apesar da úlcera, da tuberculose e da asma, resistia. Ele, desesperado e sentindo que a pequena duvidava, propôs-lhe: “Vamos fazer o seguinte: vou arranjar um pretexto do serviço e te levo lá em casa. Que­res?”. Julinha, que já se julgava vítima de uma mistificação, dis­se: “Pois quero”. No dia seguinte, entrava na casa da rival. E seu estômago se contraiu quando viu a outra no fundo da cama. Era, de fato, um esqueleto. Um esqueleto com um leve, muito leve, revestimento de pele. Parecia incrível que aquela criatura ainda estivesse respirando, ainda vivesse. Na primeira oportu­nidade, Norberto soprou-lhe:

— Não te disse? Batata, meu anjo. É um fenômeno de re­sistência. Qualquer dia, morre.

Coincidiu que o médico aparecesse e, falando com Norber­to e Julinha, foi terminante: “É um milagre, sua mulher já devia estar morta”. Julinha, impressionada, sugeriu: “Deve ser um sa­crifício a vida dessa criatura. Um martírio”. O médico admitiu com a voz cava:

— Natural.

E continuou a espera. Então, pouco a pouco, Julinha se de­sesperou. Começava a admitir na sua meditação que a outra não morresse nunca, que se tornasse definitivamente uma múmia. O Queiroz, teimoso, não cessava o assédio. E, sem querer, ela já o tratava de outra maneira, quase com afeto. Ele era positivo: “Eu me caso contigo em dois meses”. Julinha adotou uma ati­tude que não deixava de ser um estímulo. Disse: “Deixa o bar­co correr”. Dias depois, foi mais longe:

— Te dou a resposta dentro de um mês.

A MORTE

Esperava que, dentro desse prazo, a outra morresse. Pois bem. Passou-se o mês e nada. Perdeu a paciência: “Não interes­sa. Estou bancando a palhaça”. O Queiroz, que contava os dias na folhinha, esperou-a sôfrego: “Como é? Já decidiste?”. Julinha teve um fundo suspiro:

— Já.

— E então?

— Sim.

Combinaram ali mesmo, em voz baixa, tudo. Ele, agitado, queria o máximo de rapidez, e batia sobretudo numa tecla: “Dois meses, no máximo”. Esfregou a mão, feliz, quando soube que Julinha já preparara muita coisa do enxoval. Acabou soprando: “Vem cá um instantinho”. Levou-a ao corredor e deu-lhe um beijo na boca. Voltando ao escritório, saiu de mesa em mesa, anunciando: “Estamos noivos”. Foi uma farra entre os colegas. De repente, bate o telefone: Julinha atende e… Teve um cho­que, quando reconheceu a voz de Norberto. Falando baixo, com a boca encostada no telefone, Norberto anunciava:

— Minha mulher entrou em agonia. Agora é batata. Ques­tão de minutos. Um beijo pra ti. — E desligou.

Por alguns instantes ela não soube o que fazer. Numa ale­gria lancinante, tinha os olhos marejados, já esquecida do com­promisso com o Queiroz. E, quando este veio lhe falar, ela não teve o mínimo tato. Disse-lhe à queima-roupa: — “Olha, nada feito. Você me desculpa” etc. etc.

Ele, branco, ainda insistiu: — “Você não pode fazer isso comigo. Eu não sou nenhum moleque”. Mas quando se con­venceu que a tinha perdido, não teve dúvidas. Era nortista, afundou-lhe o punhal num dos seios. Julinha expirou, ali mes­mo, antes que a assistência chegasse.

Pouco depois, batia o telefone. Era de novo Norberto, que vinha avisar que a esposa morrera, afinal. Mas ninguém, ali, te­ve cabeça para atender. Norberto acabou desistindo. Voltou para junto da esposa morta, com a natural compostura de um viúvo. E fez, para os presentes, o seguinte comentário:

— Quem morre descansa.

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Nelson Rodrigues. A vida como ela é… São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Um caso perdido

A princípio, a família foi contra:

— Esse sujeito não presta! É um bestalhão! Um conversa-fiada!

Talvez fosse isso e muito mais. Para começar não trabalha­va, nem queria nada com o trabalho. Além disso, bebia, jogava, vivia metido com desclassificados de ambos os sexos, em pago­des espetaculares. Apontava-se, mesmo, uma fulana, de péssimos antecedentes, que, segundo se dizia, o sustentava. Os parentes de Edgardina tentaram dissuadi-la da paixão inconveniente e es­candalosa:

— Homem é o que não falta. Escolhe outro, escolhe um que valha a pena.

— É de Humberto que eu gosto. Os outros não me inte­ressam.

Amava-o desde menina; e, através dos anos, não achara gra­ça em mais ninguém. Podiam dizer o diabo do rapaz que ela mesma explicava: “Entra por um ouvido, sai pelo outro”. A ri­gor, só ficou impressionada uma vez, uma única vez. Foi quan­do lhe disseram que o namorado vivia às custas da tal fulana. Edgardina saltou: “Mentira! Calúnia!”. Mas, apesar da reação ini­cial, muito veemente, a dúvida ficou. Acabou fazendo ao bem-amado uma pergunta frontal:

— Que negócio é esse que me contaram?

— Que foi?

Ela, sem tirar os olhos dele, disse:

— Que você toma dinheiro de mulher.

A CONFISSÃO

Imprensado pela pequena que, na verdade, era seu primei­ro e grande amor, Humberto teve, diante de si, dois caminhos: ou negar ferozmente ou… Ia negar, em pânico. Mas quando abriu a boca, deu uma coisa nele, uma espécie de heroísmo súbito, quase histérico. De olhos esbugalhados, os beiços trêmulos, transpassou a pequena com a revelação:

— É verdade, sim. Tomo dinheiro de mulher. Sempre tomei.

A menina cobriu-se de uma palidez mortal, como nos ve­lhos romances. Mal pôde suspirar:

— Humberto!

Foi uma cena magnífica e atroz. Ele, que pegara embala­gem, foi até o fim, contou tudo, sem omitir nada. Disse que, sem emprego, sem níquel, aceitava dinheiro de uma, de ou­tra. Batia nos peitos, atirava patadas no assoalho. Por fim, flagelou-se, cruelmente, aos olhos da pequena; chamou-se de “canalha”, “patife”, “caso perdido”. E terminou, num desa­fio frenético:

— Você sabe tudo. E agora pode me cuspir na cara. Cospe! Anda, cospe!

Ofereceu o rosto. E como Edgardina, petrificada, não dis­sesse uma palavra, não esboçasse um gesto, ele caiu em uma crise medonha de choro. Então, a menina, que era um anjo au­têntico, teve uma dessas comoções que não se esquecem, uma dessas piedades incoercíveis. E, se já o amava antes, agora mui­to mais. Aos seus olhos, a confissão do bem-amado o purificara de tudo e de todos. Disse mais:

— Não interessa o que você fez, meu filho. Eu gosto de vo­cê, pronto, acabou-se.

E ele:

— Você é um anjo. Se não fosse você, eu metia uma bala na cabeça, já, imediatamente!

Então, mais calmos, os dois combinaram tudo: data do ca­samento etc. etc. No fim, Edgardina impôs apenas uma condição:

— Você vai me prometer uma coisa.

— O quê?

— Que nunca mais aceita dinheiro de mulher. É tão feio!

— Te juro! Te dou minha palavra de honra!

O CASAMENTO

E, de fato, a partir da confissão, Humberto foi outro ho­mem. Deixou de beber, de jogar e quando entrava num café e vinha o garçom, ele, erguendo o rosto numa espécie de desa­fio às potências do álcool, dizia:

— Água mineral!

E fez mais: devolveu à tal fulana que o sustentara um reló­gio, um anel com suas iniciais, um cinto com fivela de prata, um porta-chaves caríssimo. Rompeu, em termos definitivos, com todas as suas antigas ligações. Os amigos tentavam seduzi-lo:

— Deixa de ser besta!

Mas ele, embora com água na boca, tinha um repelão fu­rioso: “Esse negócio, para mim, acabou. Estou noivo, vou me casar, stop”. Foi uma mudança tão patética que o próprio futu­ro sogro, que era um espírito de porco, se deixou impressio­nar: “Parece que meu genro tomou vergonha”. E o resto da fa­mília em coro:

— Tomara! Tomara!

Dois dias antes do casamento, Humberto ia chegando em casa quando deu de cara com a fulana que o sustentara. A alma caiu-lhe aos pés. Em pânico, olhou para todos os lados: “Imagi­ne, se vissem”. Arrastou-a para um canto discreto; e, lá, discuti­ram, em voz baixa. A mulher fez uma súplica desesperada, que o horrorizou. Insistiu, cravando as unhas nas mãos do rapaz:

— Só essa vez! Só essa vez!

— Você está maluca? Não pode ser! Vou me casar amanhã!

A outra agarrava-se a ele:

— É a despedida, Humberto! — E teimava no argumento: — “Pela última vez!”.

Na verdade, o que a tentava, naquele momento, era o noi­vo alheio, o noivo da outra, na antevéspera do casamento. E ele, que era um fraco diante da mulher em geral, mesmo das feias, mesmo das sem graça, quase sucumbiu àquele assalto no­turno. Lembrou-se, porém, de Edgardina e, fazendo das tripas coração, desprendeu-se histericamente, arremessou-se para den­tro de casa.

Ofegante, descabelado, fechou as portas atrás de si, arriou as trancas. Já então a fulana, do lado de fora, uivava:

— Te dei muito dinheiro, cachorro! Olha, não me troco pela lambisgóia da tua noiva!

Caras espavoridas apareciam em várias janelas. No dia se­guinte, Humberto contou tudinho à noiva. Descobrira que era negócio dizer a verdade e, mesmo, exagerar a verdade. A noi­va, maravilhada com esta sinceridade, deu-lhe um beijo na testa.

O DESTINO

O rapaz não tinha emprego. Mas o sogro foi de uma magnanimidade impressionante. Chamou-o:

— O negócio é o seguinte: para mim, tanto faz que meu genro trabalhe ou deixe de trabalhar. Contanto que trate bem a minha filha.

Dito e feito. Casaram-se e nunca faltou nada naquela casa. Todos os dias, de manhã, Edgardina, da maneira mais delicada e sutil possível, enfiava no bolso da calça do marido uma cédu­la, ora de vinte, ora de cinqüenta, ora de cem mil-réis.

Justiça se faça a Humberto: aceitava a situação com esplên­dida naturalidade. Lá fora, nas esquinas, nos cafés e nas residên­cias, dizia-se o diabo do rapaz. Era chamado de “palhaço”, de “sem-vergonha”, de “sujo”. Edgardina soube; solidarizou-se com o marido:

— Não liga, meu filho. O que eles têm é inveja.

Feliz, realizada, contava para os amigos: — “Bebeto é da seguinte teoria: — entre homem e mulher, não há perversão. Vale tudo!”.

A pequena estava, então, no quinto mês de gravidez. Não deixava o marido fazer nada: ela pagava as contas, dirigia a ca­sa. Dir-se-ia o homem ali dentro. Humberto não queria saber de nada, não assumia responsabilidade alguma, no horror de qualquer iniciativa. Dizia sempre:

— Isso é com minha mulher. Não tenho nada com isso.

Queria sossego. E quando o sogro, com a autoridade de quem corre com as despesas, exigiu um neto, Humberto relu­tou. Teve medo do parto, do filho; confidenciou com a mulher: “As crianças são muito levadas. Dão um trabalho danado”. Mas o sogro fez pé firme; queria um neto de qualquer maneira. In­capaz de resistências prolongadas, Humberto aquiesceu, afinal. E quando o velho soube que Edgardina ia ter neném, meteu a mão no bolso, tirou uma cédula de quinhentos e mandou a fi­lha dar ao genro.

O fato é que a perspectiva do filho tirou o sossego do ra­paz. Vivia atribulado com as possíveis doenças que o guri pudesse ter. Gemia: “Imagine se ele apanha uma coqueluche braba”. Enfim, passaram-se os meses e chegou o grande dia. Apa­vorado, Humberto viu a mulher pôr a boca no mundo: “Uai!”. O sogro berrou: “Vai buscar a parteira, que é pra já!”. Ele ar­remessou-se pelas escadas abaixo, à procura da profissional que morava duas quadras adiante. E não voltou, nunca mais.

ANOS DEPOIS

O parto foi feito de qualquer maneira. Uma vizinha improvisou-se em parteira, enquanto a outra, a autêntica, não aparecia. E a criança nasceu perfeitíssima. Então começaram a procurar o pai.

Foram à polícia, ao hospital, ao necrotério. Nada. A hipótese de fuga ou suicídio era absurda. Humberto vivera, em casa, como um paxá. Um mês depois, já não havia mais dúvida: estava morto. Não se sabia onde, mas era óbvio. E então, a viúva, no seu luto fechado, começou a fazer questão do cadáver. Exigia, em brados medonhos:

— Quero o corpo! Quero o corpo!

Havia um rio próximo. Supôs-se que o rapaz se tivesse afo­gado. E, no mínimo, as águas o levaram para outras e longín­quas terras. Edgardina teve que se conformar; mas ficou, na sua alma, o ressentimento de viúva espoliada no seu defunto. Imersa numa fúria petrificada, dizia: “Eu não enterrei meu marido”.

E os anos, sem que ela percebesse, foram passando, um a um. Edgardina sempre de preto; e feliz, envaidecida, porque a dor não arrefecia no seu coração. Doze anos depois, consen­tiu, enfim, em ir, pela primeira vez, a um circo, que estava de passagem.

Foram os dois: ela, de luto, e o filho, com doze anos, vesti­do à marinheira. Assistiam à função quando, de repente, a bate­ria da charanga cria a ilusão do perigo, do abismo. É um núme­ro mundial de equilibrismo. Um benemérito surge no arame, de sombrinha aberta. Edgardina crispa-se na cadeira. Não é pos­sível, não pode ser… Sopra, afinal, ao ouvido do filho:

— Teu pai… Teu pai…

Rompe, no circo, o grito da criança:

— Papai! Papai!

O equilibrista estaca; olha, apavorado. Larga a sombrinha, larga tudo, desaba lá de cima. Depois, no hospital, houve cenas delirantes. Humberto estava de perna engessada e suspensa. Quis saber se o filho já tivera coqueluche. Quando informaram que sim, gemeu:

— Ótimo… Ótimo…

Fizeram espetacularmente as pazes.

Mas nunca se soube por que desaparecera, naquela noite, doze anos atrás.

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Nelson Rodrigues. A vida como ela é… São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

A coroa de orquídeas

Quando a mulher entrou em agonia, ele caiu em crise. Atirou-se em cima da cama, aos soluços. Foi agarrado, arrastado. Debatia-se nos braços dos parentes e vizinhos; esperneava. E houve um momento em que, no seu desvario de quase viúvo, cravou os dentes numa das mãos próximas. A vítima uivou:

— Ui!

Então, na sala, cercado e contido, chorou alto, chorou forte. Seu gemido grosso atravessava o espaço e era ouvido no fim da rua.

Enquanto isso, o amigo mordido, na cozinha, exibia a mão: “Tirou um naco de carne!”. Alguém perguntou baixo, com admiração: “Mas os dentes dele não são postiços?”. Eram. E, em torno, houve um espanto profundo. Ninguém compreendia que um indivíduo que usava na boca uma chapa dupla pudesse morder com tanta ferocidade e resultado. E, súbito, veio espavorido lá de dentro um irmão da moribunda. Pousou a mão no ombro do Juventino. Pigarreia e soluça:

— Morreu.

Várias pessoas espichavam o pescoço para ver as reações. Primeiro, Juventino levantou-se, esbugalhando os olhos. Depois que assimilou o fato, desprendeu-se de vários braços, num repelão. Dava socos no próprio peito e estrebuchava:

— Me dêem um revólver! Quero meter uma bala na cabeça!

DOR AUTÊNTICA

Essa dor agressiva e autêntica arrepiava. E havia, disseminado no ar, o medo de que o infeliz ferrasse os dentes em alguma mão ainda intacta. Durou o paroxismo de dez a quinze minutos. Por fim, a própria exaustão física serviu de sedativo. Gemia baixo. Mas, quando o sogro o convocou para ver a esposa, recuou como diante de uma blasfêmia. Num tremor de maleita, rilhando os dentes, soluçou:

— Não vou! Não quero!

Era a sua antiga e irredutível pusilanimidade diante da morte. Desde criança tinha medo de qualquer defunto, fosse conhecido ou desconhecido, parente próximo ou remoto. A idéia de ver a mulher morta o arrepiava. Defendia-se: “Não!”. E corrigiu: “Agora, não!”. Com o coração disparado, não pôde evitar a seguinte e quase irreverente reflexão: “Por que não pintam os cadáveres?”. Perguntaram:

— O enterro vai sair daqui?

Virou-se:

— Claro!

Um dos vizinhos, o mesmo que fora mordido na mão, vacila e sugere:

— Não será mais negócio capelinha?

— Por quê?

E o outro, alvar:

— É mais prático. Mais cômodo.

Então, o viúvo exaltou-se. Enfiou o dedo na cara do vizinho:

— Considero um desaforo essa mania de capelinha! É uma falta de respeito! Ora veja!

SAUDADE

Um vizinho e um cunhado partiram, de táxi, para tratar do atestado de óbito e do enterro. Então, andando de um lado para o outro, numa excitação de possesso, Juventino surpreendeu e confundiu os presentes com uma série de confidências, legítimas umas, extravagantes outras. Na sua euforia retrospectiva, deblaterava:

— Nunca houve marido tão feliz como eu! Duvido!

Elogiou a mulher de alto a baixo, chamou-a de “anjo dos anjos”, “flor das flores”. E, súbito, diante dos vizinhos atônitos e maravilhados, baixa a voz:

— Era tão séria que namorou um ano comigo, noivou dois e só topou beijo na boca depois do casamento! Quer dizer, mulher batata!

Havia um aspecto de sua vida conjugai que ainda o envaidecia: o recato da mulher. Sempre conservaria, perante o marido, um mínimo de cerimônia. Cutucou o vizinho e segredou: “Teve pudor de mim até o último momento!”. Pausa, arqueja e conclui:

— Nunca tomou injeção que não fosse no braço!

Parecia evidente que esse pudor frenético o deleitava, ainda agora. Numa brusca cólera, desafiou os circunstantes:

— Isso é que era mulher no duro, cem por cento! O resto é conversa fiada!

CÂMARA-ARDENTE

As providências de ordem prática estavam sendo tomadas. Uma hora depois ou pouco mais, apareceram os funcionários da empresa funerária. Armara-se a câmara-ardente na sala de visitas. Em dado momento, o viúvo teve de levantar-se para atender o telefone. Era o cunhado. Estava na casa de flores e desejava fazer uma consulta até certo ponto delicada. Perguntou:

— Tua coroa pode ser de orquídeas?

Admirou-se no telefone:

— Pode. Por que não?

Pigarreia o cunhado:

— Mas é puxado!

— Quanto?

O outro disse uma quantia. Juventino esbravejou:

— Ladrões!

Vacila. Lembra-se de que a doença da mulher já lhe custara uma fortuna; contraíra dívidas, tinha na farmácia uma conta estratosférica. Acabou optando por outra solução:

— Vamos fazer o seguinte; orquídea é uma flor besta, sofisticada. Arranja uma coroa mais em conta.

Do outro lado da linha, veio a pergunta: “Qual é a dedicatória?”. Hesita novamente. Decide-se:

— Põe assim: “À Ismênia, saudade eterna do teu Juventino”.

ÀS COROAS

Do telefone, veio para a sala. Até então, fiel à própria covardia, não fora espiar o rosto da mulher no caixão. E o pior é que seu medo estava mesclado de curiosidade. Costumava dizer, numa frase rebuscadíssima, que o verdadeiro rosto da mulher aparece só no amor ou na morte. Mas o diabo era o seu preconceito contra a morte. Acendendo um cigarro, pensava: “Os defuntos são muito feios!”. Por outro lado, ocorria-lhe que, com ou sem pusilanimidade, teria de beijar a esposa antes de sair o enterro. Na sua meditação de viúvo, cogitou de uma solução que lhe parecia praticável, qual seja: a de beijar sem ver, isto é, beijar fechando os olhos.

Mais uns quarenta minutos e começam a chegar as coroas. Uma das primeiras foi a sua. Correu, sôfrego; leu a legenda fúnebre, em letras douradas. As orquídeas tinham sido substituídas pelas dálias. E Juventino, recuando dois passos, considerava o efeito. Não pôde furtar-se a um sentimento de satisfação. Disse de si para si: “Bacana!”. À medida que iam chegando mais flores, ele se convencia de que a sua coroa não fazia feio no meio das outras. Pelo contrário. Se não fosse a melhor, podia figurar entre as melhores.

SURPRESA

Às onze horas, a casa estava apinhada. Tinha vindo gente até de Vigário Geral. O inconsolável viúvo era abraçado por uma série de parentes, inclusive alguns que ele julgava mortos e enterrados. Às onze e meia, Juventino passa por uma nova crise. E uma coisa o atribulava de maneira particular e dolorosíssima: a doença da mulher. Aos soluços, interpelava os presentes:

— Como é possível morrer de pneumonia? Se fosse câncer, vá lá. Mas pneumonia! — Virou-se para um vizinho; estrebucha: — Sabe que eu estou desconfiado que penicilina é um conto-do-vigário?

Neste momento, todos os olhos se voltaram para a direção da porta. Acabava de entrar uma coroa. Era, porém, uma coisa realmente insólita e gigantesca. Dir-se-ia uma coroa de chefe de Estado, de rainha ou, no mínimo, de ministro. Toda feita de orquídeas, ofuscou automaticamente as demais. Atônito, Juventino balbuciou: “Parei!”. Trôpego, a boca torcida e já distraído da própria dor, veio rompendo os grupos, no seu espanto e na sua curiosidade. E, com a mão trêmula, desenrolou a fita. Soletrou, a meia voz, para si mesmo: “À inesquecível Ismênia, com todo o amor, de Otávio”.

Antes de mais nada, aquele “inesquecível” foi nele uma espécie de punhalada material. Ocorria-lhe uma reminiscência cinematográfica: Rebecca, a mulher inesquecível. Virou-se para os presentes, que pareciam também impressionadíssimos. Perguntava de um para outro:

— Otávio? Quem é Otávio? Vocês conhecem algum Otávio?

Não, ninguém conhecia. Mas ele corria, um por um, todos os parentes: “Mas como é possível? Que negócio é esse?”.

DRAMA

A obsessão passou a dominá-lo: voltou para perto da coroa e leu, releu a legenda. Apertava a cabeça entre as mãos: “Todo amor por quê?”. Concentrou-se. Procurava descobrir, no fundo da memória, alguém que tivesse este nome, E uma coisa o enfurecia: aquela coroa espetacular, tão mais bonita e até mais cara que as outras. Fazia seus cálculos, em voz alta:

— O cara que mandou isto gastou os tubos. E por quê, meu Deus, por quê?

Houve um momento em que o próprio Juventino se julgou também um milionário, mas da loucura. Meteu-se num canto; já não falava mais com ninguém, feroz e incomunicável. Quase ao amanhecer, alguém veio oferecer um cafezinho. Saltou: “Vai-te para o diabo que te carregue!”.

Passam-se os minutos, as horas. Todos os que chegam pasmam para a fabulosa coroa. Finalmente, na hora de fechar o caixão, a própria sogra, soluçando, vem chamar o genro: “Você não vai beijar fulana?”. Ergueu-se. Antes, foi ao escritório apanhar não sei o quê. Atravessou por entre os parentes e vizinhos. Estava diante do caixão. E, súbito, mete a mão no bolso e… Só viram quando ergueu um punhal e o afundou na defunta, aos berros de:

— Cínica! Cínica!

A lâmina penetrou por entre as duas costelas. E a morta parecia rir.

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Nelson Rodrigues. A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é… São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 9-14.

A mensagem

Um amigo nosso, comandante da VASP, conta-me a estranha mensagem recebida por um piloto americano durante uma aterrissagem.

O avião da companhia norte-americana sobrevoava a Bahia, a caminho do Rio, quando um defeito no motor obrigou o piloto a providenciar uma aterrissagem no aeroporto mais próximo possível.

Na Bahia, justamente na pequena cidade de Barreiras, existe uma pista de emergência (se é que se pode chamar aquilo de pista) para os aviões das linhas internacionais. Raramente é usada, mas era a mais próxima da rota do avião. Assim, o piloto não teve dúvidas. A situação dele estava muito mais pra urubu do que pra colibri. O negócio era mesmo se mandar para Barreiras.

Pediu pouso durante certo tempo, dirigindo-se à Rádio local em inglês. A resposta demorou um pouco, mas acabou vindo. Alguém, com forte sotaque nordestino, falando um inglês arrevesado e misturado com palavras em português, respondia que estava ouvindo e aconselhava o comandante a procurar outro local para aterrissagem.

Há dias estava chovendo em Barreiras e a pista se achava em péssimo estado.

O piloto, sem outra alternativa, insistiu em pousar assim mesmo, e tornou a pedir instruções, ouvindo-se lá a voz a dizer que estava bem, mas que não se responsabilizava pelo que desse e viesse.

Acontece porém que isso foi dito com outras palavras, ainda num misto de português e inglês. Assim:

- Ok. You land. But se der bode, I'il take my body out.

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Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/s/sergio.htm

Inferno nacional

A historinha abaixo transcrita surgiu no folclore de Belo Horizonte e foi contada lá, numa versão política. Não é o nosso caso. Vai contada aqui no seu mais puro estilo folclórico, sem maiores rodeios.

Diz que uma vez um camarada que abotoou o paletó. Em vida o falecido foi muito dado à falcatrua, chegou a ser candidato a vereador pelo PTB, foi diretor de instituto de previdência, foi amigo do Tenório, enfim... ao morrer nem conversou: foi direto ao Inferno. Em chegando lá, pediu audiência a Satanás e perguntou:

- Qual é o lance aqui? Satanás explicou que o inferno estava dividido em diversos departamentos, cada um administrado por um país, mas o falecido não precisava ficar no departamento administrado pelo seu país de origem. Podia ficar no departamento do país quer escolhesse. Ele agradeceu muito e disse a Satanás que ia dar uma voltinha para escolher o seu departamento.

Está claro que saiu do gabinete do Diabo e foi logo para o departamento dos Estados Unidos, achando que lá devia ser mais organizado o inferninho que lhe caberia para toda a eternidade. Entrou no departamento dos Estados Unidos e perguntou como era o regime ali.

- Quinhentas chibatadas pela manhã, depois passar duas horas num forno de duzentos graus. Na parte da tarde: ficar numa geladeira de cem graus abaixo de zero até as três horas, e voltar ao forno de duzentos graus.

O falecido ficou besta e tratou de cair fora, em busca de um departamento menos rigoroso. Esteve no da Rússia, no do Japão, no da França, mas era tudo a mesma coisa. Foi aí que lhe informaram que tudo era igual: a divisão em departamento era apenas para facilitar o serviço no Inferno, mas em todo lugar o regime era o mesmo: quinhentas chibatadas pela manhã, forno de duzentos graus durante o dia e geladeira de cem graus abaixo de zero, pela tarde.

O falecido já caminhava desconsolado por uma rua infernal, quando viu um departamento escrito na porta: Brasil. E notou que a fila à entrada era maior do que a dos outros departamentos. Pensou com suas chaminhas: "Aqui tem peixe por debaixo do angu". Entrou na fila e começou a chatear o camarada da frente, perguntando por que a fila era maior e os enfileirados menos tristes. O camarada da frente fingia que não ouvia, mas ele tanto insistiu que o outro, com medo de chamarem atenção, disse baixinho:

- Fica na moita, e não espalha não. O forno daqui está quebrado e a geladeira anda meio enguiçada. Não dá mais de trinta e cinco graus por dia.

- E as quinhentas chibatadas? - perguntou o falecido.

- Ah... O sujeito desse serviço vem aqui de manhã, assina o ponto e cai fora. 
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Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/s/sergio.htm

BB, a eterna musa francesa

Bardot determinou de forma decisiva a imagem da mulher no final dos anos 1950 e início da década de 60. Era uma garota de aspecto natural com um enorme sex appel, misto de leviandade e ingenuidade. Com cabelos loiros despenteados, lábios carnudos e grandes olhos escuros, Brigitte encarnou perfeitamente a mistura fascinante da ninfeta com a femme fatale.

Brigitte Bardot (Brigitte Anne-Marie Bardot), atriz, cantora e ativista, nasceu em Paris, França, em 28/09/1934. Conhecida mundialmente por suas iniciais, BB, é considerada o grande símbolo sexual dos anos 50 e anos 1960. Tornou-se ativista dos direitos animais, após se retirar do mundo do entretenimento e se afastar da vida pública.

Seu pai, Louis Bardot, foi um industrial da alta burguesia francesa. Sua mãe, Anne-Marie, era quatorze anos mais jovem que seu pai e casaram-se em 1933. Ela recebeu influência da mãe nas artes da dança e música. Em 1947, foi aceita no conservatório de dança e música de Paris (Conservatoire National Supérieur de Musique et de Danse de Paris) e cursou as aulas de balé por três anos.

Com o apoio e incentivo da mãe, começou a fazer trabalhos de moda em 1949, aos quinze anos, e em 1950 foi capa da edição de março da revista Elle francesa, trabalho que chamou a atenção do então jovem cineasta Roger Vadim. Vadim mostrou a capa da revista ao cineasta e roteirista Marc Allégret, que convidou Brigitte para um teste para seu filme Les lauriers sont coupés. BB foi escolhida para o papel, mas o filme acabou não sendo realizado. Mesmo assim, esta oportunidade fez com que ela pensasse em se tornar atriz. Mais do que isso, seu encontro com Vadim, que assistiu ao teste, iria influenciar sua carreira e sua vida.

BB tinha apenas 18 anos quando estrelou seu 1o. filme em 1952.

Brigitte estreou no cinema aos 17 anos no filme Le Trou normand (1952) e no mesmo ano, após dois anos de namoro à revelia dos pais, casou-se com Roger Vadim. Em seu segundo filme, Manina, la fille sans voile , suas cenas de biquíni fizeram com que seu pai recorresse à Justiça para impedir que as cenas fossem levadas ao cinema, sem sucesso.

Entre 1952 e parte de 1956 ela fez dezessete filmes, nenhum de grande sucesso, dramas românticos ou históricos, sendo três filmes em inglês, entre eles Helena de Tróia, mas foi o grande centro de atenção da mídia presente ao Festival de Cannes de 1953. Vadim não estava contente com isso e achava que Bigitte estava sendo subestimada pela indústria. A nouvelle vague francesa, inspirada no neo-realismo italiano, estava começando a crescer internacionalmente e ele, acreditando que Bardot poderia estrelar filmes de arte nessa linha, a escalou para o papel principal de seu novo filme, E Deus Criou a Mulher (1956), com a então jovem sensação masculina do cinema francês, Jean-Louis Trintignant. O filme, sobre uma adolescente amoral numa pequena e respeitável cidade do litoral, fez um grande sucesso - e causou grande escândalo - mundial, transformando BB num sex-symbol, com suas cenas de nudez correndo as telas de cinema de todo o mundo.

Na moralista Hollywood dos anos 1950, onde o maior símbolo sexual, Marilyn Monroe, no máximo havia aparecido nas telas de maiô, seu perfil erótico a transformou numa aposta arriscada para os estúdios, e isso, além de seu sotaque e seu inglês limitado, a impediram de fazer uma grande carreira no cinema dos Estados Unidos. De qualquer modo, ela se tornou a mais famosa atriz européia nos Estados Unidos e permanecer na França beneficiou sua imagem.

Durante a década de 1960, quando a Europa, principalmente Londres e Paris, começou a ser o novo centro irradiador de moda e comportamento e Hollywood saiu por um tempo da luz dos holofotes, ela acabou eleita a deusa sexual da década. Verdadeiro ou falso, nesta época se dizia que Brigitte Bardot era mais importante para a balança comercial francesa que as exportações da indústria automobilística do pais.


Bardot se divorciou de Vadim em 1957 e dois anos depois casou-se com o ator Jacques Charrier, que lhe deu seu único filho, Nicolas-Jacques Charrier, e com quem estrelou Babette vai à Guerra (1959). Seu casamento foi alvo constante dos paparazzi e houve choques e mudanças no rumo de sua carreira. Seus filmes se tornaram mais substanciais, mas isto trouxe uma grande pressão tornando dúbio o seu status de celebridade do cinema, pois ao mesmo tempo em que tinha aclamação da crítica na França, continuava sendo a bombshell glamourosa para o resto do mundo.

Em 1962, filmou com Louis Malle e Marcello Mastroianni Vida Privada, um filme quase autobiográfico sobre uma celebridade do cinema sem vida pessoal, graças a perseguição constante da imprensa. Pouco depois deste filme , BB retirou-se da vida agitada das metrópoles európéias para uma vida de semi-reclusão, mudando-se para uma mansão (La Madrague) em Saint Tropez, no sudoeste da França.

Em 1963 ela estrelou o aclamado filme de Jean-Luc Godard, O Desprezo, e pelo resto da década seu mito de ícone sexual foi alimentado por filmes como Histórias Extraordinárias, com Alain Delon, Viva Maria! com Jeanne Moreau e As Noviças, com Annie Girardot, entre outros e vários musicais de televisão e gravações de discos produzidos por Sacha Distel e Serge Gainsbourg.


Em 1973, pouco antes de completar quarenta anos, Brigitte anunciou que estava encerrando sua carreira. Após mais de cinquenta filmes e de gravar dezenas de discos, ela recolheu-se a La Madrague definitivamente, escolheu usar a fama pessoal para defender os direitos animais e tornou-se vegetariana. Em 1977 atraiu atenção mundial para sua causa ao denunciar in-loco o massacre de bebês-foca no norte do Canadá.


Em 1986, ergueu uma fundação, Fondation Brigitte-Bardot, declarada de utilidade pública pelo governo francês em 1992, e que em 1995 nomeou o Dalai Lama como seu membro honorário. Entre 1989 e 1992, BB também apresentou na TV francesa uma série chamada S.O.S. Animaux, co-patrocinada por sua fundação. Entre outras causas, ela atuou e liderou campanhas contra a caça das baleias, as experiências em laboratório com animais, pela proibição de brigas autorizadas entre cães e contra o uso de casacos de pele.

Entusiasta e apoiadora da política de Charles de Gaulle nos anos 1960, principalmente no tocante à independência da Argélia, nos anos 1990 entretanto, suas posições políticas e sociais, sobre a imigração árabe e a homossexualidade, lhe causaram diversos processos e lhe custaram muito da popularidade conquistada no cinema e em seu ativismo pró-animais, sendo uma personalidade hoje antipatizada pela nova geração dos franceses. Seu livro autobiográfico de 1996, grande sucesso de vendas na França, trazia diversas referências e críticas principalmente ao Islamismo.

Hoje casada com um ex-conselheiro do Partido Nacional de Jean-Marie Le Pen, representante da extrema-direita francesa, entre 1997 e 2003 ela foi processada por diversas entidades muçulmanas, devido a suas críticas aos imigrantes islamitas do país, ao crescimento do número de mesquitas, ao sacrifício de animais usado em vários de seus rituais e foi acusada de racismo e suposto incitamento anti-racial contra imigrantes, chegando a ser condenada a pagar 5.000 euros de multas em corte.


Por comentários recebidos como insultuosos aos homossexuais, feitos em seu livro de 2003, A Scream in the Silence, que também trata da 'islamização' da França, foi processada por entidades de defesa de minorias.


Em junho de 2008, BB foi pela quinta vez condenada num processo de incitação ao racismo por um tribunal de Paris, sendo obrigada a pagar 15 mil euros de multa. Os protestos de Bardot tem a ver com os rituais muçulmanos de sacrifício de animais, durante a tradicional festa Eid ul-Adha, realizada pelos imigrantes de países islâmicos que vivem no país.


Em Outubro de 2010 foi anunciado na imprensa que Brigitte Bardot pretende candidatar-se à presidência francesa nas eleições de 2012, liderando um grupo ecologista. O jornal Le Parisien, acrescenta que a atriz recebeu a proposta de ser a cara da Alianza Ecologista Independente, uma formação verde dirigida por Antoine Waechter, um conhecido ecologista.

Além de ser a responsável pela popularização de Saint Tropez, na França, ao se mudar para lá no começo dos anos 1960, no verão de 1964 Brigitte Bardot também mudou a vida de uma pequena cidade do litoral do Rio de Janeiro chamada Armação dos Búzios, onde ficou hospedada em suas visitas pelo Brasil, na companhia do namorado Bob Zaguri, um playboy e produtor marroquino que viveu muitos anos no Brasil. Depois da visita de BB, acompanhada diariamente pela imprensa e recheada de fotografias, Búzios foi 'descoberta', virou município e tornou-se um dos pontos mais sofisticados e procurados do verão brasileiro, inclusive por estrangeiros.

Em sua homenagem , a Prefeitura local criou a Orla Bardot, na Praia da Armação, e instalou ali uma estátua de bronze da atriz em tamanho natural. O único cinema do sofisticado balneário leva o nome da atriz. Em sua biografia, ela deixou registrado que os períodos passados na região foram as épocas mais lindas de sua vida. Em 2008 foi filmado o curta-metragem Maria Ninguém sobre a ida de Brigitte Bardot ao Balneário de Búzios, com Fernanda Lima interpretando BB.

Ela é reconhecida por ter popularizado o biquíni usando-o em seus primeiros filmes, nas aparições em Cannes e em dezenas de fotos de revistas.

BB era idolatrada por John Lennon e Paul McCartney, que fizeram planos de fazer um filme dos Beatles junto com ela, nunca realizado, na linha de Os Reis do Iê-Iê-Iê... As primeiras esposas dos dois, Cynthia Lennon e Jane Asher, usavam seus cabelos inspirados na cor e no corte do usado por BB. Ela e Lennon encontraram-se num hotel uma vez em 1968, apresentados pelo agente de imprensa dos Beatles. Segundo ele contou mais tarde em memória, nenhum dos dois impressionou o outro: 'Eu estava numa viagem de ácido e ela estava de saída'.

Em 1970, o escultor francês Alain Gourdon usou Brigitte como modelo para o busto de Marianne, o emblema nacional da França.

Bob Dylan dedicou a ela, como consta nos créditos de seu primeiro disco, a primeira música que compôs na vida. Além disso, seu nome consta em dezenas de músicas feitas por artistas tão diversos como Elton John, Billy Joel, Red Hot Chili Peppers, The Who, Caetano Veloso e Tom Zé, entre outros.




Fontes: Wikipedia - A enciclopédia livre; Terra Famosos.

Fauno de tapete

Não sei se já lhes contei de onde é que me veio essa expressão – fauno de tapete. Se não o fiz ainda, posso fazê-lo agora. E, no final, vocês verão que parece, ou melhor, é uma estória tirada das páginas da vida como ela é.

Eis o caso: - Eu tinha meus sete, oito anos e morávamos em Aldeia Campista, na rua Alegre, ao lado da farmácia. Foi numa tarde em que fazia um calor de rachar catedrais. Meu irmão – não recordo se o Mário ou o Milton – entra e vai despejando a novidade: numa vila próxima tinha acontecido um crime hediondo; a sobrinha de doze anos matara o tio que andava beirando os quarenta.

Tomou fôlego e acrescentou: estão dizendo que foi crime passional.

Houve uma nuvem de incredulidade entre os presentes. Meu irmão ignorou-a e continuou falando.

O tio, um pulha nato e vocacional, teria dito à sobrinha que era um vampiro, mas que a amava muito e tal e coisa. Assim, desde a mais tenra idade da criança ele insidiosamente a envolvia e conquistava com agrados, mimos e bom-bons.

Com que pertinácia, com que descaro seus olhos a buscavam obsessivamente. Depois de certo tempo deu de aparecer no quarto dela como se brotasse do breu da noite e das entranhas do silêncio. Aproximou-se, insinuou-se. Primeiro tocava-a quase que por acaso. E foi avançando. Sem pressa. Num dia beijou-a e já no outro, por dentro da camisa da pequena, com as costas da mão percorria o relevo do seio incipiente. Eram torpes carícias de mãos espertas e viajadas, no corpo e na pele diáfana da adolescente impúbere e ingênua. Em resumo, havia seduzido a sobrinha. Sussurrava-lhe aos ouvidos: - Sou louco por ti, sou louco por ti.

Vez por outra a menina pressentia o prêmio de um frívolo afeto nos olhos do tio a despertar-lhe a vaidade antes do desejo.

Como vocês podem ver, o biltre era, de fato, a flor da iniqüidade.

(Agora me lembro:- Era Milton mesmo quem contava o episódio.)

Eu bebia ávido cada sórdido detalhe daquela narrativa. A garota – só hoje e agora é que penso isso – é bem possível que a princípio recuasse crispada e indefesa na sua fragilidade infantil e que um belo dia, por fim, cedesse envergonhada num frêmito de lascívia.

Um pacto fora firmado nesse idílio bizarro entre a canalhice e a castidade. Ele havia dado a ela, já fazia um ano ou mais, uma estaca de pau. Juntos, todas as noites, se esmeravam em apontar e polir a estaca com a ajuda de um canivete. Meticulosa e silenciosamente a estaca se transformava num espeto afiadíssimo.

Repetira mil vezes para a sobrinha que a estaca era a única arma capaz de adormecer para sempre o vampiro que habitava dentro dele. Nenhuma outra arma, – e insistia, nenhuma –  poderia matar um vampiro. Só a estaca de madeira possuía esse dom, esse poder. Dissera-lhe que se um dia os lençóis traíssem o mais leve indício de sangue, o segredo deles estaria descoberto e ele teria que morrer. Ensaiava então cada pormenor dessa previsão funesta. Ensinava-lhe como empunhar a estaca e o local certo em que ela deveria penetrar-lhe o peito para atravessar o coração. O nível de minúcia tinha que ser total e absoluto. A estaca já era então um punhal esguio, finíssimo, letal. Ele, soez, fazia pose e mostrava no próprio peito: é aqui, exatamente aqui, que a estaca deve ser cravada.

Eis a verdade sinistra: - Dizia isso com a pretensão de revelar algum escrúpulo. Mas era só cinismo, ainda que as circunstâncias pudessem vaticinar uma iminente tragédia.

Lembro-me bem que meu irmão fez suspense antes de concluir a narrativa: Naquela noite, depois que o tio deixara a sobrinha e fora para o seu próprio quarto, a menina se fizera mulher. Tivera sua copiosa, abundante primeira menstruação. No meio da madrugada acorda e percebe tudo. Pela manhã todos saberão. Não haverá mais segredo. Estará tudo acabado, será a suprema, a máxima vergonha. É chegada a hora.

Apanha a estaca assassina e caminha até o quarto do tio. Abre a porta sem fazer ruído. Ele dorme com um esgar de sorriso. Ela sabe exatamente onde deve enterrar a estaca e desfere o golpe certeiro e mortal. O homem cai sobre o tapete e nessa queda seu peito esmaga e acaba por engolir o resto da estaca.

Quando os parentes começam a chegar, a menina está imóvel num canto, de cócoras, abraçada às próprias pernas. E não há sequer uma única e escassa lágrima a lhe escorrer pela face.

O tio é um cadáver inerte sobre o tapete ao lado da cama. E quando o corpo é removido vê-se que o sangue impregnou o tecido e caprichosamente se incorporou ao desenho  deixando impressa no tapete a figura do canalha obsceno: o fauno de tapete.
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Nelson Rodrigues (Nelson Falcão Rodrigues), dramaturgo, jornalista e escritor, nasceu na cidade do Recife, PE, em 23/08/1912, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21/12/1980. Oriundo da capital pernambucana e quinto de quatorze irmãos, Nelson Rodrigues mudou-se para o Rio de Janeiro ainda criança, onde viveria por toda sua vida. Seu pai, o ex-deputado federal e jornalista Mário Rodrigues, perseguido politicamente, resolveu estabelecer-se na então capital federal em julho de 1916, empregando-se no jornal Correio da Manhã, de propriedade de Edmundo Bittencourt.

O Flamengo de 1911

O "team" do Flamengo naquele ano de 1911.
Corria o ano de 1911. Vejam vocês: - 1911! O bigode do kaiser estava, então, em plena vigência; Mata-Hari, com um seio só, ateava paixões e suicídios; e as mulheres, aqui e alhures, usavam umas ancas imensas e intransportáveis. Aliás, diga-se de passagem: - é impossível não ter uma funda nostalgia dos quadris anteriores à Primeira Grande Guerra. Uma menina de catorze anos para atravessar uma porta tinha que se pôr de perfil.

Convenhamos: - grande época! grande época! Pois bem. Foi em 1911, tempo dos cabelos compridos e dos espartilhos, das valsas em primeira audição e do busto unilateral de Mata-Hari, que nasceu o Flamengo. Em tempo retifico: - nasceu a seção terrestre do Flamengo. De fato, o clube de regatas já existia, já começava a tecer a sua camoniana tradição náutica.

Em 1911, aconteceu uma briga no Fluminense. Discute daqui, dali, e é possível que tenha havido tapa, nome feio, o diabo. Conclusão: - cindiu-se o Fluminense e a dissidência, ainda esbravejante, ainda ululante, foi fundar, no Flamengo de regatas, o Flamengo de futebol.

Naquele tempo tudo era diferente. Por exemplo: - a torcida tinha uma ênfase, uma grandiloqüência de ópera. E acontecia esta coisa sublime: - quando havia um gol, as mulheres rolavam em ataques. Eis o que empobrece liricamente o futebol atual: - a inexistência do histerismo feminino. Difícil, muito difícil, achar-se uma torcedora histérica. Por sua vez, os homens torciam como espanhóis de anedota. E os jogadores? Ah, os jogadores! A bola tinha uma importância relativa ou nula. Quantas vezes o craque esquecia a pelota e saía em frente, ceifando, dizimando, assassinando canelas, rins, tórax e baços adversários? Hoje, o homem está muito desvirilizado e já não aceita a ferocidade dos velhos tempos. Mas raciocinemos: - em 1911, ninguém bebia um copo d’água sem paixão.

Passou-se. E o Flamengo joga, hoje, com a mesma alma de 1911. Admite, é claro, as convenções disciplinares que o futebol moderno exige. Mas o comportamento interior, a gana, a garra, o élan são perfeitamente inatuais. Essa fixação no tempo explica a tremenda força rubro-negra. Note-se: - não se trata de um fenômeno apenas do jogador. Mas do torcedor também. Aliás, time e torcida completam-se numa integração definitiva. O adepto de qualquer outro clube recebe um gol, uma derrota, com uma tristeza maior ou menor, que não afeta as raízes do ser. O torcedor rubro-negro, não. Se entra um gol adversário, ele se crispa, ele arqueja, ele vidra os olhos, ele agoniza, ele sangra como um césar apunhalado.

Também é de 1911, da mentalidade anterior à Primeira Grande Guerra, o amor às cores do clube. Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo, a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: - quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas tremem então, intimidados, acovardados, batidos.

Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável.”
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Nelson Rodrigues (Nelson Falcão Rodrigues), dramaturgo, jornalista e escritor, nasceu na cidade do Recife, PE, em 23/08/1912, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21/12/1980. Oriundo da capital pernambucana e quinto de quatorze irmãos, Nelson Rodrigues mudou-se para o Rio de Janeiro ainda criança, onde viveria por toda sua vida. Seu pai, o ex-deputado federal e jornalista Mário Rodrigues, perseguido politicamente, resolveu estabelecer-se na então capital federal em julho de 1916, empregando-se no jornal Correio da Manhã, de propriedade de Edmundo Bittencourt.