sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Charlotte Rampling

Charlotte Rampling, atriz, nasceu em Sturmer, uma pequena cidade do condado de Essex, na Inglaterra, em 5 de fevereiro de 1946. Sua carreira abrange mais de quatro décadas no cinema internacional, especialmente no britânico, americano, francês e italiano. É filha de um coronel do exército britânico e da OTAN, Godfrey Rampling, campeão dos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim e de Anne Isabelle (nascida Gurteen), uma pintora.

Aos nove anos, sua família mudou-se para Fontainebleau na França. Aprendeu francês na escola municipal onde foi matriculada. De volta à Inglaterra, a adolescente começou a se apresentar em teatros de revista com a irmã e em seguida trabalhou durante curto período como manequim.

Assim como Jane Birkin e Jacqueline Bisset, estreou no filme ícone da swinging London, “A Bossa da Conquista”, em 1965. Em seguida voltou-se para as comédias populares enquanto cursava arte dramática na Royal Court School. Mas a morte brutal de sua irmã marcou-a profundamente, fazendo com que decidisse deixar a Grã-Bretanha.

Instalou-se então na Itália e teve seu primeiro encontro marcante com Luchino Visconti. Foi ele que a dirigiu em 1969 no filme “Os deuses Malditos”. A atriz provou rapidamente que tinha sangue nas veias, passando do universo da ficção científica de Zardoz (Boorman) ao do sado-masoquismo, de “O porteiro da noite”, em 1974, filme que a revelou ao grande público. Nesse sucesso-escândalo de Liliana Cavani, ela encarna uma sobrevivente dos campos nazistas que mantém uma estranha relação com seu antigo carrasco.

Através de seus papéis, ela se compraz em explorar as áreas mais perturbadas da alma humana. Assim, enamora-se de um chimpanzé diante das câmeras de Oshima (Max mon amour, 1985). Os americanos não se mostram insensíveis ao charme da enigmática Charlotte, que tocou Woody Allen (“Memórias” - 1980), Robert Mitchum (“O Último dos Valentões”) e Sidney Lumet (“O Veredicto”), no papel de uma mulher fatal.


No fim dos anos 70, Charlotte elege como domicílio a França e roda filmes com Boisset (“Táxi Roxo”), Lelouch (“Viva la vie! “) e Deray (no policial "On ne meurt que deux fois", en 1985).

Menos presente nas telas de cinema nos anos 90, faz, no entanto, interpretações notáveis em 2000 em “O Jardim das Cerejeiras” (baseada na obra de Tchekhov) e no singular "Signos e Desejos" de Jonathan Nossiter.

No ano seguinte, Charlotte Rampling faz um brilhante retorno em “Sob a Areia”, o retrato de uma mulher desamparada após o desaparecimento de seu marido, sob a batuta de François Ozon, um cineasta que ela reencontrará depois em “À beira da Piscina” e “Angel”. Foi nesse momento, ao receber um César pelo conjunto de sua obra (em 2001), que se tornou definitivamente uma estrela, notabilizando-se tanto na comédia (“Beije Quem Você Quiser”, “Désaccord parfait”) quanto em filmes de suspense (“Lemming”), autorais (“Em direção ao Sul”, 2006) e também na diversão hollywoodiana (“Instinto Selvagem 2”).

Em 2008, a atriz concretiza um projeto atrás do outro: verdadeira lady ao lado de Keira Knightley em “A Duquesa”, de Saul Dibb, ela também criou a personagem de grande sacerdotisa em “Babylon A. D.” de Mathieu Kassovitz e a mãe de família bisbilhoteira em “Algo que Você Precisa Saber”, de Cécile Telerman, antes de interpretar seu próprio papel no “O Baile das atrizes” de Maïwenn. Continuando a variar seus registros, a atriz participou em seguida da comédia musical britânica “StreetDance 3D”, onde impôs-se na pele de uma mulher desiludida em “A vida durante a guerra” de Todd Solondz e brilhou no papel de uma mecena na comédia dramática de Julio Médem, "Caótica Ana".

Na década de 1990, época em que esteve afastada das grandes produções internacionais, Rampling lidou psicologicamente com a questão que a afligiu por toda a vida adulta e lhe deu fama de séria e fechada no cinema, a da morte de sua irmã mais velha, Sarah, mãe prematura e que suicidou-se em 1966 na Argentina, aos 23 anos. Durante quase quarenta anos, até a morte de sua mãe em 2001, o segredo de seu suicídio foi guardado por ela e seu pai - que morreu aos 100 anos, em 2006, quando era o mais idoso atleta olímpico ainda vivo da Grã-Bretanha - que juraram não deixar a esposa e mãe saber da verdade, sobre o que, na época, foi noticiado como morte por hemorragia cerebral. Sobre o que viveu nesse período, declarou: "Foi uma época em que tive que conviver comigo mesma sobre isso, em profunda depressão, se devia trazê-la ou não para mais perto de mim, se devia falar a verdade. A morte de minha mãe desbloqueou minha mente."


Foi casada duas vezes, a primeira delas em 1972 com Bryan Southcombe, um ator e publicista, a meio de um escândalo pelas noticias de que, antes disso, os dois viviam numa relação de ménage à trois com um modelo chamado Randall Lawrence. Dessa relação, que acabou em divórcio em 1976, ela teve um filho, Barnaby, hoje diretor de televisão. Em 1974, declarou sobre o fato: "Existem tantos mal-entendidos na minha vida. (...) Certa vez causei um escândalo por dizer que vivia com dois homens. (...) Eu não disse isso num sentido sexual. (...) Éramos apenas como quaisquer pessoas que dividem um apartamento."

Seu segundo casamento, em 1978, com o músico Jean-Michel Jarre, lhe deu mais três filhos e durou mais de vinte anos, acabando publicamente em 1997, quando descobriu através de matérias de tablóides de fofocas que o marido tinha uma caso com outra jovem mulher, e teve um distúrbio nervoso.

Desde 1998 vive com um empresário francês da área de comunicações, Jean-Noël Tassez.

Fontes: Wikipédia; Biography - My French Film Festival.

Julie Newmar, a mulher-gato

Julie Newmar (Julia Chalene Newmeyer), atriz, nasceu no dia 16 de agosto de 1933, em Los Angeles, Califórnia, EUA. Filha da dançarina Helen Jesmer e do professor e investidor de imóveis Donald Newmeyer.

Quando apareceu pela primeira vez dançando no filme "Slave of Babylon" (1953), resolveu mudar seu nome para Julie Newmeyer. Depois apareceu dançando em "Serpent of the Nile" (1953) e "The Band Wagon and Demetrius and the Gladiators".

Mas Julie só apareceu nos créditos em "Seven Brides for Seven Brothers" (1954), depois fez outros filmes onde passou a adotar o nome de Julie Newmar.

Em 1961 ela apareceu num musical da Broadway "The Marrigage-Go-Round" onde recebeu a indicação ao Tony Award como a Melhor Atriz Coajuvante.

Na década de 60 Newmar apareceu em "Rhoda the Robot" e também na série de televisão "My Living Doll", o que chamou a atenção dos produtores e foi convidada a participar da série de televisão Batman (1966-1968), fazendo a vilã Mulher-Gato na primeira e segunda temporada do seriado.

Com um corpo escultural de fazer inveja a muitas mulheres da época, a felina esbanjava sensualidade e sempre dava a entender que queria algo mais com o Homem-Morcego e, às vezes, até chegava a balançar o coração do herói. Mas como o senso de justiça falava mais alto, Batman não chegava a ser persuadido pelas investidas da Mulher-Gato.

Para a série de televisão do Batman, Julie Newmar desenhou um traje que deixava à mostra o seu corpo de dançarina. Era feito de lurex (lycra brilhante como purpurina). Como acessórios, um colar de ouro que servia como walktalkie, um cinturão dourado e botas de salto alto com pinos de metal. Julie Newmar roubava a cena toda vez que aparecia e deixava todos hipnotizados.

Por estar ocupada em outras produções, Julie foi substituída por outras duas atrizes no papel da vilã: Lee Mariwether que só participou do filme para o cinema e Ertha Kitt.

Julie Newmar casou apenas uma vez, com J.Holt Smith en 5 de agosto de 1977 e divorciou-se em 1983. Com ele teve um filho chamado John que é surdo e sofre de Síndrome de Down. Além de atriz, Julie foi a inventora e comercializadora de uma marca própria de meia-calça, que lhe rendeu bons lucros e também começou a investir em bens imóveis em Los Angeles, o que lhe proporciona uma grande segurança financeira até hoje.

Julie Newmar - 1958

Fontes: http://www.tvsinopse.kinghost.net/ou/julienewmar.htm; Wikipédia.

Charles Perrault

Famoso pela compilação em linguagem simples de antigos contos folclóricos europeus, Perrault também se celebrizou por questionar a superioridade dos  autores da antiguidade sobre os modernos, um dos dogmas do classicismo no século XVII.

Charles Perrault nasceu em Paris, França, em 12 de janeiro de 1628. Advogado, começou sua vida literária com obras de natureza bem diferente daquelas que o imortalizaram, como uma paródia do livro VI da Eneida e poemas de amor. Em 1670 tornou-se membro da Academia Francesa.

No dia 27 de janeiro de 1687, com o intuito de comemorar a convalescença do rei, leu, em sessão da academia, um poema intitulado "Le Siècle de Louis le Grand" ("O século de Luís o Grande"), em que colocava escritores modernos como Molière e François de Malherbe acima de autores clássicos gregos e romanos. Assim surgiu a "querela dos antigos e modernos", polêmica que durou vários anos.

Perrault sustentava que a literatura acompanha o progresso da civilização e que, portanto, a obra literária antiga seria inevitavelmente mais grosseira do que a moderna. Em oposição a essas idéias, levantou-se o grande teórico da época, Nicolas Boileau-Despréaux, cuja posição prevaleceu sobre a de seu adversário, mas pela primeira vez fora questionado o dogma sobre o qual se fundava a estética do classicismo.

Em 1697 Perrault publicou seus contos da carochinha (Contes de ma mère l'Oye), escritos para divertir seus filhos. O grande mérito do autor foi o de fixar, em forma simples e elegante, contos tradicionais e anônimos da memória popular, como "A Bela Adormecida no bosque", "O Chapeuzinho Vermelho", "A Gata Borralheira", "Pele de Asno", "O Barba Azul", "O Pequeno Polegar" e muitos outros.

Neles, como reflexo das concepções romanescas do século XVII, o real e o maravilhoso harmonizam-se de maneira a criar um novo gênero literário, no qual poucos autores chegaram a atingir tal perfeição e qualidade.

Charles Perrault morreu em Paris, em 16 de maio de 1703.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

Daniel Defoe

O profundo conhecimento da sociedade em que viveu e o talento para analisar os mínimos detalhes da existência cotidiana fizeram de Defoe um precursor do romance realista inglês.

Daniel Defoe nasceu em Londres em 1660. Membro de uma família dissidente da Igreja Anglicana, recebeu esmerada educação literária. Pretendia seguir a carreira eclesiástica, mas acabou se estabelecendo como comerciante por volta de 1683.

Atraído pela política, começou a escrever numerosos panfletos, um dos quais motivou seu encarceramento e a condenação ao pelourinho. Enquanto aguardava o cumprimento da pena, Defoe redigiu o célebre Hymn to the Pillory (1703; Hino ao pelourinho), que transformou a sentença num retumbante triunfo para ele. Contudo, ficou quase um ano preso em Newgate.

Uma vez livre, Defoe, cujos negócios estavam falidos, fundou em 1704 o periódico Review, de tendência conservadora, em que tratava de uma grande variedade de temas, e por isso foi considerado um precursor do jornalismo moderno. Decidindo-se pela literatura, publicou em 1719 Robinson Crusoe, romance que o tornou célebre.

Vazado em estilo realista e simples, inspirava-se na história verídica de Alexander Selkirk, marinheiro abandonado durante anos numa ilha deserta. A obra fez grande sucesso, embora, a princípio, fosse considerada apenas um relato de aventuras e só depois tenha assumido o caráter de símbolo do homem que enfrenta a natureza valendo-se apenas de suas forças e de sua razão.

Moll Flanders  (1722) trazia o mesmo substrato moralista da obra anterior, mas graças à vivacidade da narrativa e à descrição realista da vida nas camadas inferiores da sociedade, constituiu um passo decisivo na história do romance social.

Em seus últimos anos de vida, o escritor manteve intensa atividade, mas tanto A Journal of the Plague Year (1722; Diário do ano da peste), minuciosa descrição dos horrores provocados em 1665 pela peste em Londres, quanto o romance Roxana (1724) são marcados por certa monotonia estilística.

Daniel Defoe morreu em Londres em 24 de abril de 1731.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

Peter Cushing

Peter Cushing (Surrey, 26 de maio de 1913 — Canterbury, 11 de agosto de 1994), filho de George Edward Cushing e Nelli Marie, morou parte da infância num subúrbio de Londres, retornando, porém, a Surrey, onde o pai trabalhava como agrimensor.

Desde cedo afeito à representação, a que foi levado por uma tia, que era atriz, dedicou-se ainda ao desenho. Trabalhou como ajudante de agrimensura, usando os dotes para o desenho, ao tempo em que atuava no teatro local. Mudando-se para Londres, ali cursa a Escola Municipal de Música e Drama.

Atuou no teatro londrino até mudar-se para Hollywood, em 1939, onde atuou em O homem da máscara de ferro, neste mesmo ano. Atuou em diversos filmes, e sua carreira foi mais destacada com os papéis de Sherlock Holmes e como Van Helsing, nas películas da Hammer Film Productions.

Em 1985, o diretor Tom Holland inspirou-se nele e em Vincent Price para criar o caçador de vampiros Peter Vincent, do filme A Hora do Espanto (Fright Night). Em 1989 recebeu o título de oficial do Império Britânico.

Dez anos sem o cavalheiro do Horror

(por Marcello Simão Branco)

Há pouco mais de uma década, em 11 de agosto de 1994, falecia o ator inglês Peter Cushing, um dos ícones do cinema de horror. Uma das características mais curiosas de sua carreira foi ter atuado em vários filmes do gênero sem quase nunca ter sido o vilão principal. Este papel coube na maioria das vezes ao seu amigo e parceiro Christopher Lee. Ao "cavalheiro do horror" ficou a tarefa de combater monstros, lobisomens, alienígenas e principalmente vampiros. Tudo à sua maneira, é claro, pois ele não era o tipo galã que provocava suspiros na platéia: apesar de lutar contra o mal, era um intelectual emocionalmente reprimido, excêntrico, circunspecto e, acima de tudo, britânico.

Nascido em 26 de maio de 1913 na cidadezinha de Kenley, Inglaterra, Cushing estudou teatro nas melhores escolas, atuou como assistente de direção durante alguns anos até sua estréia em 1935 na peça The Middle Watch.

Já à época era um fã dos filmes de horror americanos da Universal Pictures, e então atravessou o Atlântico e foi tentar a sorte em Hollywood. Sua experiência não foi das mais bem sucedidas, atuando em papéis coadjuvantes em algumas comédias da dupla O Gordo e o Magro.

Sua estréia no cinema aconteceu em 1941 no filme The Man in the Iron Mask. No mesmo ano, estreou em Hollywood na produção de Vigil in the Night. Mas rolava a Segunda Guerra Mundial e ele acabou recrutado para atuar numa série de curta-metragens pró-aliados como parte do esforço de guerra.

Pelo fim dos anos 40 Cushing voltou aos palcos londrinos, mas foi no filme de Sir Lawrence Olivier que ele se destacou como um dos personagens de Hamlet, de Shakespeare. A seguir atuou em algumas produções inglesas sempre com papéis cada vez mais complexos. Até que em 1954 foi aclamado por sua atuação como o atormentado Winston Smith, na adaptação da TV inglesa do romance 1984 de George Orwell.

Glória na Hammer

Por essa época estava nascendo na Inglaterra uma nova escola de cinema de horror, a Hammer Films. Apesar de produções modestas, remodelou o gênero bastante desgastado com as produções da Universal dos anos 30 e 40. Entre suas principais virtudes e inovações, havia a ênfase na fotografia excessivamente colorida, quase berrante, a música tocada ao som de órgãos e outros instrumentos pouco usuais, recontando velhos clássicos de uma maneira mais violenta, sensual e com um clima gótico muito eficiente.

Mas foi, sobretudo, com atores carismáticos que a Hammer fez história. Houve um grupo deles, mesmo os coadjuvantes, mas os dois astros foram o vilão Christopher Lee e o cavalheiro Peter Cushing. Parceiros de atuação e antagonistas nas histórias, um completava o outro, com charme, talento e alguma dose de ironia, de não levar totalmente a sério os papéis que desempenhavam. A eles merece igual destaque o diretor Terence Fisher, o grande artesão e estilista da maneira Hammer de contar uma história de horror.

E foram vários os sucessos da produtora, a começar com A Maldição de Frankenstein (1957), O Vampiro da Noite (1958), O Cão dos Baskervilles (1959), A Múmia (1959), A Górgona (1964), Ela (1965) - este último estrelado pela suprema bondgirl Ursula Andrews, como uma estranha e poderosa mulher de uma ilha esquecida, baseado num romance do criador de Tarzan, Edgar Rice Burroughs - e outros verdadeiros clássicos do cinema de horror.

Assim, coube a Cushing interpretar o Barão Victor Frankenstein, o caçador de vampiros Van Helsing, um arqueólogo idealista às voltas com a maldição da múmia e até Sherlock Holmes. Sempre mantendo intactas suas peculiaridades exóticas, aristocráticas, soturnas. Características parecidas com sua própria pessoa.

Peter Cushing é muito lembrado também como o cientista louco de dois filmes para o cinema da série de ficção científica inglesa da BBC, A Guerra dos Daleks, uma série de TV que não foi até hoje exibida no Brasil. Trata-se de uma legenda da TV inglesa sendo exibida por mais de dez anos ininterruptos. O longa-metragem é de 1965 e nessa época Cushing ainda interpretava vários papéis para a Hammer.

Além de sua longa interpretação como Dr. Who, é bom ressaltar que atuou também em dezenas de telefilmes, com especial destaque para a produção The Caves of Steel (1964) - raríssima -, uma adaptação do bom romance Caça aos Robôs, de Issac Asimov. Cushing interpretou o protagonista, o investigador Elijah Baley.

No início dos anos 70, ele mudou de produtora. Com a decadência da Hammer, foi para a rival (e não tão brilhante) Amicus e emprestou seu talento a bons filmes, como A Casa que Pingava Sangue (1970) - quatro histórias curtas, baseadas em contos de Robert Bloch - , O Expresso do Horror (1972) e A Essência da Maldade (1973). Estes dois últimos falando, coincidentemente, de monstros há muito esquecidos das estepes siberianas e de ilhas indonésias. Todos, ao lado do parceiro e vilão Lee, que também mudou de produtora.

Da mesma maneira que a fórmula de filmes de horror foi usada à exaustão pela Universal Pictures, o mesmo fez a Hammer. Resultado: filmes cada vez piores, bilheterias menores, cancelamento de novas produções, desemprego para a maioria dos atores. E Cushing atuou em 'pérolas', algumas curiosas até pelo título, como por exemplo, Drácula no Mundo da Mini-Saia, de 1972.

Desta forma, a exemplo dos astros Bela Lugosi e Boris Karloff, que pagaram um alto preço nos anos 50 e 60 por trabalharem em várias produções de horror de má qualidade, caminho parecido seguiram os ídolos ingleses Peter Cushing e Christopher Lee, atuando em vários filmes ruins no início dos anos 70, para em seguida verem minguar os convites para atuarem em produções de melhor qualidade.

Afora a queda dos bons personagens para interpretar, Cushing sofreu um duro golpe em 1971, quando morreu sua mulher Helen Cushing. O ator era muito apegado a ela, a amava de uma maneira intensa, e o declínio de sua carreira também pode ter sido motivado pela perda da esposa.

Mesmo assim, corria o ano de 1977 e um jovem cineasta hollywoodiano, deu o último papel digno a Cushing. O diretor era George Lucas, que foi filmar na Inglaterra (pois os cachês eram mais baratos) e fazer história com a space-opera Guerra nas Estrelas. Cushing interpretou o personagem maligno de Grand Moff Tarkin, comandante de Darth Vader nas forças do Império.

No conjunto de sua filmografia, Peter Cushing brilhou no clássico de Lucas e é saudado como o Dr. Who pelos fanáticos fãs desta série inglesa. Mas dez anos após sua morte o que melhor representa sua carreira são os personagens que fez para a Hammer. Sherlock Holmes, o Barão Victor Frankenstein e, sobretudo, o Professor Van Helsing, são as principais facetas daquele que está justamente imortalizado como o gentleman of horror.

Os Principais Filmes de Peter Cushing

O ator teve uma carreira bastante longa de 47 anos, onde atuou em 133 produções, entre cinema e TV. Segue uma listagem básica, com os principais filmes.

1939: The Man in the Iron Mask
1940: Vigil in the Night
1948: Hamlet (Hamlet)
1954: 1984 (1984)
1956: Alexandre, o Grande (Alexander the Great)
1957: A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein)
1957: O Monstro do Himalaia (The Abominable Snowman)
1958: O Vampiro da Noite (Horror of Dracula)
1958: A Vingança de Frankenstein (Revenge of Frankenstein)
1959: O Cão dos Baskervilles (The Hound of the Baskervilles)
1959: A Múmia (The Mummy)
1959: A Carne e o Diabo (The Flesh and the Fiends)
1960: As Noivas de Drácula (The Brides of Dracula)
1962: The Man who Finally Died
1964: O Monstro de Frankenstein (The Evil of Frankenstein)
1964: The Caves of Steel
1964: A Górgona (The Gorgon)
1965: As Profecias do Dr. Terror (Dr. Terror's House of Horrors)
1965: Ela (She)
1965: The Skull
1965: A Guerra dos Daleks (Dr. Who and the Daleks)
1966: Ilha do Terror, A (Island of Terror)
1967: E Frankenstein Criou a Mulher (Frankenstein Created Woman)
1967: As Torturas do Dr. Diábolo (Torture Garden)
1969: Frankenstein Tem de Ser Destruído (Frankenstein Must Be Destroyed)
1969: Grite, Grite Outra Vez (Scream and Scream Again)
1970: Carmilla, a Vampira de Karnstein (The Vampire Lovers)
1970: A Casa que Pingava Sangue (The House that Dripped Blood)
1971: O Soro Maldito (I, Monster)
1971: As Filhas de Drácula (Twins of Evil)
1972: Contos do Além (Tales From the Crypt)
1972: Um Grito Dentro da Noite (Fear in the Night)
1972: Terror na Penumbra (Nothing But the Night)
1972: A Câmara de Horrores do Abominável Dr. Phibes (Dr. Phibes Raises Again)
1972: Asilo Sinistro (Asylum)
1972: Drácula no Mundo da Mini-Saia (Dracula A.D.)
1973: A Lenda do Lobisomem (Legend Of The Werewolf)
1973: Os Gritos que Aterrorizam (And Now the Screaming Starts!)
1973: A Essência da Maldade (The Creeping Flesh)
1973: O Expresso do Horror (Horror Express)
1973: Vozes do Além (From Beyond the Grave)
1974: Os Ritos Satânicos de Dracula
1974: A Casa do Terror (Madhouse)
1974: A Lenda dos Sete Vampiros (The Legend of the Golden Vampires)
1974: A Fera Deve Morrer (The Beast Must Die)
1975: O Carniçal (The Ghoul)
1976: No Coração da Terra (At the Earth's Core)
1977: Shock Waves
1977: Maldição dos Gatos, A (The Uncanny)
1977: Guerra nas Estrelas (Star Wars)
1980: O Mistério da Ilha dos Monstros (The Mystery of Monster Island)
1983: A Mansão da Meia-Noite (House of the Long Shadows)
1986: Adventures in Time

Fontes: Wikipédia - A Enciclopédia Livre; Peter Cushing

Mulheres

Foi o diabo quando a fulana veio morar na rua. Primeiro, encostou um táxi na porta da casa vazia. Desceram uma senhora, uma menina e a babá, uma preta gorda, imensa, de busto ilimitado. Nessa altura dos acontecimentos, já a vizinhança em peso, numa curiosidade torpe e unânime, apinhava-se nas janelas. E o fato é que, à primeira vista, a impressão não foi boa.

A tal fulana, com efeito, podia ser vistosa. Mas havia, nos seus modos, roupas e maneiras, um exagero suspeito. Além do mais, o decote deixava bem nítido, nítido demais, o princípio do seio. D. Edgardina, que estava na janela, numa curiosidade tremenda, teve um muxoxo:

— Hum!

As outras mulheres da rua também ficaram com a pulga atrás da orelha. Procurou-se o marido da recém-chegada, e só meia hora depois cochichava-se: “Viúva”. As comadres fizeram suas deduções: “Aqui há dente de coelho”. Quando chegou a mudança, com o mobiliário, as trouxas de roupas, a gaiola com o passarinho, ela se expandiu. Tratava os carregadores com festiva intimidade. Dizia para um e para outro, com uma desenvoltura plebéia:

— Põe isso aqui, velhinho!

Soltava grandes gargalhadas. Enfim, foi quase um escândalo. D. Edgardina, quando o marido chegou, fez cara de nojo. Suspirou:

— Gentinha!

JARARACA

No dia seguinte estourou a bomba: a nova vizinha era uma fulana assim, assim. Com outras palavras: “Não era séria”. Foi d. Edgardina quem deu o alarme, quem pôs as famílias em polvorosa. Perguntaram: “Batata?”. Confirmou, numa ênfase esmagadora: “Palavra de honra!”. Houve quem dissesse: “Logo vi!”. D. Edgardina, no entusiasmo da novidade, dramatizava:

— Profissional no duro! — E pigarreou para acrescentar o detalhe definitivo: — “E de janela!”.

— Credo!

A partir de então, d. Edgardina se incumbiu de promover a sistemática difamação da outra. Tinha sempre uma novidade; e, assim, foi revelando a idade da outra, os endereços anteriores, os escândalos de sua vida. Certa manhã, surgiu de repente com um recorte de jornal; chamou pelo telefone as outras vizinhas: “Vem cá, que eu vou te mostrar uma coisa”. As amigas pasmavam para o recorte. Era a notícia de um conflito numa pensão alegre, entre mulheres da “vida airada”. O jornal dizia: “A mundana Aurora de tal, de vinte e cinco anos, residente...”. Houve um frêmito quando se leu, em voz alta, a palavra mundana. Já não havia mais dúvidas. Um das senhoras, abismada, suspirou:

— Como pode! Como pode!

VERGONHA

Na sua falta de modos, Aurora dava na rua verdadeiros espetáculos. Pela manhã, punha-se a escovar os dentes à janela, com a boca espumando de dentifrício. Recebia os fornecedores em quimonos espetaculares e semi-abertos; punha todo o volume do rádio, como se ela ou os outros fossem surdos. E, da janela, queria dar e receber cumprimentos. Muito cordial, cordialíssima, vivia distribuindo “bom dia” com a mais patética efusão. Mas as mulheres que passavam por ela amarravam a cara e olhavam para o outro lado. Por sua vez, os homens a evitavam. Cada esposa da rua exigira do marido: “Não me cumprimentes essa gaja, hein!”. Um deles, ou por distração ou por leviandade, retribuiu um “boa tarde” de Aurora. Para quê? Quando chegou em casa, a mulher quase o comeu vivo:

— Seu sem-vergonha! Você é igual a ela!

Aurora acabou percebendo. Mas o que tinha de cordial, de conversada, tinha de desaforada. Rosnou: “Essas cretinas!”. Foi para a janela, exaltada, e disse, em voz bastante alta: “São uns buchos horrorosos!”. Atribuía a má vontade existente à inveja. Fez mesmo uma frase: “A maior inimiga da mulher é a própria mulher”.

GREVE DE CRIANÇAS

Mas o que doeu em Aurora, o que machucou seu coração, foi o que fizeram à filha. Nos exageros do sentimento materno, dizia: “Podem fazer o diabo comigo. Podem até me cuspir na cara. Mas não toquem em minha filha!”. E, com efeito, tratava aquela criança como a uma princesa. Agarrava a filha e balbuciava numa estesia: “Meu Deus! Que vontade de te apertar, de te morder!”. A babá protestava: “Credo!”. Mas era amor, alucinado amor. Pois bem. As mulheres sérias da rua também declararam guerra à menina, que, na ocasião, mal completara os quatro anos. As mães advertiam os filhos: “Não te quero brincando com aquela menina!”. Outras positivavam: “Olha que tu apanhas de chinelo!”. O fato é que, sob o peso das ameaças, a menina não tinha com quem brincar. Sem idade para compreender, insistia, mas as outras crianças fugiam, como se ela tivesse coqueluche ou outra doença qualquer, mais grave. Quando Aurora soube, quando percebeu, fez na calçada uma cena terrível. Com a pequena no colo, abraçada a ela, chorou, soluçou publicamente. Interpelava a vizinhança:

— Mas que foi que minha filha fez? Digam! Que foi?

E, na verdade, o que a desesperava, o que a punha fora de si, praticamente louca, era a injustiça. Gritava:

— Eu não presto, eu posso não prestar. Mas minha filha não tem culpa! Minha filha é inocente!

D. EDGARDINA

Foi, não resta dúvida, uma situação desagradabilíssima. Os homens tiveram pena, mas cruzaram os braços, com medo das respectivas esposas. Essas é que exultavam, sobretudo d. Edgardina. Enquanto a outra chorava na calçada, com a filha nos braços, d. Edgardina rosnava: “Isso é carnaval!”. E, como continuasse o escândalo, fechou a janela violentamente. Outras vizinhas fizeram o mesmo. Houve um instante em que Aurora não teve para quem falar. Sempre chorando, meteu-se em casa; e, então, cobriu a filha de beijos, de mimos de toda a sorte. De repente, teve a idéia. Foi apanhar uma cédula de quinhentos cruzeiros, e a deu à filha para brincar. Desafiava, frenética:

— Rasga esse dinheiro, minha filha! Mostra a esses mendigos que tu és rica e que tua mãe há de ganhar muito dinheiro pra ti!

O verdadeiro ódio de Aurora, porém, era d. Edgardina. Não se lembrava direito das outras. D. Edgardina, porém, não lhe saía da cabeça. Prometia a si mesma: “Ela me paga direitinho. Deus é grande”. Não há dúvida que planejava uma vingança. E houve um momento em que pensou até em macumba.

PERDIDA

As senhoras honestas ficavam acordadas até altas horas da noite, num controle feroz. E, assim, foram verificadas as visitas masculinas que Aurora recebia a partir de onze horas da noite. Era um movimento de homens que saíam e entravam, com intervalos regulares, como se obedecessem a um cronômetro fantástico. Embora se tratasse de um pecado alheio que, em absoluto, não a computava, d. Edgardina se enchia de um furor medonho. Chegava a chorar de raiva. O marido tentava apaziguar: “Deixa pra lá! Deixa pra lá!”. Mas d. Edgardina, espiando no escuro pela janela entreaberta, uivava: “Cachorra!”.

Um dia, a menina de Aurora fez anos. A mãe, com sua mania de grandeza, comprou doces numa quantidade astronômica, encheu a casa de bolas multicores, iluminou tudo. Não compareceu ninguém da rua, é claro. Na hora de acender as cinco velinhas do bolo, a mundana teve que cantar sozinha, e chorando, o “Parabéns pra você”. O único acompanhamento foi da babá negra. No fim da festa, Aurora responsabilizava d. Edgardina pela solidão da filha. Dizia, trincando as palavras nos dentes: “Essa desgraçada!”.

Não se passava um dia sem que Aurora soubesse de uma novidade. Disseram, por exemplo, que d. Edgardina espalhara o seguinte: “Ela está rica de tanto cinco mil-réis que já ganhou”. As comadres concordavam: “Isso mesmo! Isso mesmo!”. Mas d. Edgardina, sendo uma senhora de família, honestíssima, tinha um defeito: falava demais. E, certa vez, referindo-se a uma tal vizinha, d. Odete, tachou-a “de unha-de-fome”. D. Odete soube e ficou indignada. Foi pedir satisfações. Houve desaforos de parte a parte. As duas se tornaram inimigas mortais.

Até que, certa ocasião, Aurora estava em casa fazendo limpeza de pele, quando bateu o telefone. Foi atender e ouviu a pergunta: “É dona Aurora?”. Era voz de mulher, mas a pessoa fazia questão de anonimato. A princípio Aurora imaginou um trote. Com o correr da conversa, porém, animou-se e, pouco a pouco, já ia deixando escapar exclamações:

— Imagine! Faço uma idéia! Ora veja!

O seu interesse era tão maior quanto se tratava de d. Edgardina. Durou meia hora a conversa. Antes de se despedir, Aurora, fremente, foi dramática: “Eu não sei quem a senhora é, Mas Deus a abençoe”. Saiu do telefone, transfigurada. Chamou a babá da filha e anunciou:

— Vou me vingar direitinho.

OS CINCO CRUZEIROS

Aurora passou dois ou três dias pensando. Recebeu outros telefonemas. Uma manhã, ligou para o marido de Edgardina no escritório. Fora da vigilância da esposa, o homem teve uma alegre surpresa com uma voz feminina àquela hora. Aurora identificou-se: “É fulana”. Em suma, marcou um encontro, às tantas horas. Ele, de lábios trêmulos e olho brilhante, virou-se para um colega de trabalho; confidenciou: — “Tudo que é proibido, já sabe”.

Compareceu ao encontro, supondo-se irresistível. E, de fato, foi com Aurora para um lugar que só ela conhecia. Desceram uma rua deserta e entraram numa casa suspeitíssima. Estavam agora num corredor; e, então, Aurora disse: “Vamos esperar, aqui, no corredor, um casal que vai sair dali”. O homem não entendeu; ou só entendeu quando, de repente, abriu-se a porta indicada e apareceram d. Edgardina e um vizinho, aliás compadre do casal. D. Edgardina vinha dizendo: “Meu bem...”. Cortou a frase, estacando, diante do marido e de Aurora. Esta abriu a bolsa, tirou uma cédula de cinco cruzeiros que passou ao marido da outra:

— Dê esse dinheiro à sua mulher. Esse bucho não vale nem isso.

Não houve escândalo. Marido e mulher voltaram para casa. Mas, daí por diante, todas as manhãs, antes de sair para o emprego, ele puxava cinco cruzeiros e entregava à mulher:

— Tome!
________________________________________________________________

A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Divina comédia

No fim de sete anos de matrimônio, o único vínculo do casal eram os cravos do marido, que Marlene gostava de espremer. Fora esta distração profunda e imprescindível, não havia mais nada. Debaixo do mesmo teto, cercados pelas mesmas paredes, eles se sentiam como dois estranhos, dois desconhecidos, sem assunto, um interesse ou um ideal comum. E, como não tinham filhos, a inexistência de criança aumentava o tédio. Até que, um dia, Godofredo toma coragem e ataca, de frente, o problema da monotonia conjugal:

— Sabe qual é o golpe? O grande golpe? A solução batata?

— Qual?

E ele:

— A separação. Que é que você acha? Vamos nos separar?

No momento, Godofredo estava com a cabeça no colo da mulher. Muito entretida, Marlene coçava e catava os cravos do marido com inenarrável deleite. O rapaz insiste:

— Como é? Topas?

Ora, Marlene estava entregue a um mister que lhe parecia de suprema volutuosidade. Justamente acabava de fazer uma des¬coberta da maior gravidade. Com água na boca, anunciou:

— Achei um formidável! Grande mesmo!

E não sossegou enquanto não completou a extração do cravo monumental. Satisfeita, eufórica, vira-se, então, para Godofredo:

— O que é que você perguntou?

Ele repete:

— Vamos nos separar?

A princípio ela não entendeu:

— Separar?

Godofredo confirma: “Exato”. Sem horror, sem drama, apenas surpresa, ela indaga: “Separar por quê? A troco de quê? Sinceramente, não vejo razão”. Sóbrio, mas firme, ele protesta:

— Razão há. Tenha santíssima paciência, mas há. Você quer ver como há? Nossa vida é duma chatice inominável. Te juro o seguinte: — não há no mundo uma vida mais sem graça, mais besta do que a nossa. Há? Fala francamente.

Marlene parece disposta a uma segunda pesquisa no rosto do marido. Pergunta, meio distraída:

— Você me dá três dias pra pensar?

Godofredo faz os cálculos:

— Três dias? Dou.

A VIZINHA

Na história matrimonial de ambos, não havia a lembrança de um atrito, de um incidente sério, de um ressentimento. Eles se aborreciam juntos, eis tudo. Para Godofredo, a monotonia era um motivo mais do que suficiente para a separação. Já Marlene, que respeitava mais a opinião dos parentes e vizinhos do que a do próprio Juízo Final, duvidava um pouco. De qualquer maneira, como era uma mártir, uma Joana d’Arc do tédio, é possível que acabasse concordando. Mas aconteceu uma coincidência interessante: no dia seguinte, conhece Osvaldina, sua nova vizinha. Conversa vai, conversa vem, e Osvaldina, sua vizinha, começa a pôr o seu marido nas nuvens.

— Esposa tão feliz como eu, pode haver. Mas duvido!

Isto foi o princípio. Formara-se um grupo de mulheres na calçada. E Osvaldina continuou, no mesmo tom de comício: “Estou casada há cinco anos. Muito bem. Vocês pensam que a minha lua-de-mel acabou? Que esperança!”. Houve em derredor um assombro mudo e, possivelmente, um despeito secreto. Uma lua-de-mel assim infantil e infinita era um fato sem precedente naquela rua, onde o fastio do matrimônio começava ao término da primeira semana. E a fulana prosseguia, cada vez mais cheia de si e do marido:

— Jeremias me beija, hoje, como na primeira noite etc. etc.

De noite, quando Godofredo chegou, Marlene estava indignada. Contou-lhe o caso da vizinha e explodiu:

— Uma mascarada! Pensa que é o quê? Melhor do que ninguém? Ora veja!

Godofredo rosna:

— Deixa pra lá!

Mas ela estava numa revolta sincera e profunda:

— Você conhece o marido dela? Viu? É um espirro de gente, um tampinha! E vou te dizer mais: não chega a teus pés, não é páreo pra ti!

De cócoras, ao pé do rádio, Godofredo estava procurando uma estação. Súbito, a mulher vira-se para ele. Foi misteriosa:

— Ela não perde por esperar! Vou tomar as minhas providências! Quando quero, sou maquiavélica!

MUDANÇA

De manhã, quando o marido ia sair, ela avisou: “Vou te levar ao portão”. Ele, que enfiava o paletó, espanta-se: “Que piada é essa?”. O espanto era natural, considerando-se que, após dez dias de lua-de-mel, ela jamais rendera ao marido semelhante homenagem. Interpelada por Godofredo, eleva a voz:

— Piada por quê, ora bolas? Você não é meu marido? Devo tratar meu marido a pontapés?

Ele, sem entender patavina, rosna:

— É fantástico!

E vai saindo na frente. Então, Marlene, dando-lhe o braço, exige: “Presta atenção. Lá fora, vou te beijar, percebeste?”. Houve no portão o que o próprio Godofredo chamaria depois de um verdadeiro show. Marlene dependurou-se no braço do esposo e deu-lhe um beijo cinematográfico na boca. Em seguida, enquanto o espantadíssimo Godofredo afasta-se, ela, num quimono rosa, debruçada no portão de madeira, esvazia-se em adeusinhos com os dedos.

A coisa fora tão insólita que, da cidade, o rapaz bateu o telefone para casa, fulo. Começou grosseiramente: “Você bebeu? Acordou com os azeites? Que papelão foi aquele?”.

Marlene engrolou as palavras. Ele insistiu:

— Há uns duzentos anos que tu não me beijavas na boca. Por que esse carnaval?

EXPLICAÇÃO

Quando voltou do serviço, e pôde conversar com a esposa, Godofredo soube de tudo. Quem tomara a iniciativa de proporcionar aos vizinhos e eventuais transeuntes cenas amorosas ao portão fora a nova vizinha. Osvaldina, com efeito, dava com o marido um espetáculo de incomensurável chamego. Marlene vira aquilo e se doera. Prometera de si para si: “Eu te dou o troco!”. E dizia agora ao esposo:

— Essa lambisgóia me atira na cara a sua felicidade. Pensa, talvez, que é a única esposa amada. As outras não são, só ela é que é. Mas comigo não, uma ova!
Devidamente esclarecido, Godofredo esbravejava, por sua vez: “Você resolveu dar um espetáculo e quem paga o pato sou eu? Exatamente eu?”. Exaltada, andando de um lado para o outro, Marlene estaca: “Você é marido pra quê, carambolas?”. E ele consternado:

— Mas, criatura, raciocina! Pensa um pouco! A gente não estava combinando o desquite? Separação?

Só faltou bater no marido:

— Você pensa que eu vou dar o gostinho a essa cavalheira? Se eu me separar, ela vai mandar repicar os sinos, vai espalhar que eu fracassei como mulher. Não, nunca! Você não casou comigo? Meu filho, aqui no Brasil não há divórcio, compreendeu? Agora agüenta!

Ele, pasmo, lívido, abria os braços para o teto:

— Essa é a maior! É a maior!

RIVALIDADE

E, então, todas as manhãs, era um duplo show de indescritível felicidade conjugai. No portão fronteiro, Osvaldina atracava-se ao esposo e submergia-se nas demonstrações mais deslavadas. Beijava-o como se o pobre homem fosse partir para a Coréia ou coisa que o valha. Por sua vez, Marlene não ficava atrás. Como os dois maridos saíssem quase na mesma hora, os dois espetáculos foram muitas vezes simultâneos. A princípio, Godofredo, envergonhado da comédia, quis relutar. Mas Marlene foi intransigente. Definiu em termos precisos a situação:

— O negócio é o seguinte: aqui, dentro de casa, você pode me tratar a pontapés. Mas lá fora, não. Lá fora, eu quero, eu faço questão que você banque o apaixonado até debaixo d’água, sim? Eu nunca te pedi nada. Te peço isso!

Godofredo coçava a cabeça impressionado. Mas era um bom sujeito, doce de caráter, fraco de coração. Compreendia que, para Marlene, aquela misteriosa mistificação matinal era um problema de vida e morte. Suspirou, arrasado:

— OK! OK!

AMOR DE VERDADE

Todos os dias, ela o instigava: “Vamos embasbacar essa gente, meu filho, conta pra eles que tu me amas com loucura e vice-versa”. Pouco a pouco, o espírito de concorrência, de rivalidade, foi se apoderando de Godofredo. À noite, depois do jantar, os dois saíam num agarramento, numa inconveniência de namorados. Já se rosnava na rua: “Aqueles dois são impróprios para menores!”. Simulavam também, no cinema, um falso assanhamento que indignava as pessoas próximas. Em casa, trancados, tiravam a máscara e agiam com a maior circunspeção. Mas tanto fingiram que, uma noite, a portas fechadas, ele se vira para a mulher: “Dá cá um beijinho”. Então espantado, inquieto, Godofredo saboreia o beijo, como se lhe descobrisse, subitamente, um sabor diferente e mágico.

Levanta-se e vem, transfigurado, beijar sôfrego e brutal a pequena. Arquejante, balbucia:

— Gostei.

Pronto. A partir de então, começaram uma nova e inenarrável lua-de-mel.

________________________________________________________________

A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.