terça-feira, 30 de agosto de 2011

Único beijo

No terceiro ou quarto dia de namoro, perguntou à namorada:

 — Quem é aquela pequena?

— Qual delas?

E ele:

— Aquela que estava contigo, ontem, na janela, quando eu passei e dei adeus para ti.

Pareceu incerta:

— Loura?

— Loura.

Riu:

— Minha mãe.

— O quê?!

Mag teve que repetir que era sua mãe, sim. Norberto caiu das nuvens:

— Não pode ser! Não é possível! Tua mãe como? Onde? Se é um verdadeiro brotinho!

Divertida e, no fundo, lisonjeada, orgulhosa da mãe juvenil e linda, confirmou:

— Pois é, pois é!

Norberto bufou:

— Estou com a minha cara no chão! Besta!

DESLUMBRAMENTO

Quando chegou em casa, ainda conservava a impressão profunda. Convocou a mãe e as irmãs:

— Vocês não sabem da maior!

Ele, tirando o paletó e colocando-o na cadeira, começou:

— Imaginem vocês que, ontem, eu vi, pela primeira vez, a mãe da minha pequena.

— Que tal?

Arregaçando as mangas, explodiu:

— Um espetáculo! Parece a irmã mais nova da minha namorada! No duro que parece!

Riram na sala. Jaci, a irmã mais nova, estava pondo verniz nas unhas. Mexeu com Norberto:

— Abre o olho!

— Por quê?

E ela, muito petulante:

— Você acaba se apaixonando pela sua sogra.

Saltou:

— Pára com esses palpites, essas piadas, sim?

O FENÔMENO

No seguinte encontro com Mag, quis saber de tudo: “Como é tua mãe? Que idade tem?”. Mag, que a adorava, deu todas as informações. Começou assim: “Mamãe é um doce”.

Norberto soube, então, que não era o único a espantar-se. Todo mundo pasmava para essa bonita senhora que, aos trinta e cinco anos, parecia uma adolescente. Quando as duas apareciam juntas, não se sabia qual era a mãe, qual era a filha. Fazia-se o comentário trivial e admirativo:

— Parecem irmãs!

Chamava-se Senhorinha, d. Senhorinha. Enviuvara cedo, com vinte anos. Foi assediada por novos e antigos pretendentes. Grave e triste, suspirava: “Nunca mais! Nunca mais!”. E concluía: “Nada mais me interessa! Vou viver pra minha filha!”. Amara o marido com a violência de um primeiro e último amor. Parecia-lhe que um novo casamento seria um adultério contra o morto. Até aquela data, não se lhe conhecia um flerte, um sorriso, um olhar, um gesto, que desse margem a suspeitas. Suas amigas, suas conhecidas, eram obrigadas a admitir:

— Séria até debaixo d’água!

E o próprio Norberto, quando foi apresentado à futura sogra, desabafou, em voz baixa, para Mag:

— Tua mãe é um fenômeno de circo!

Passaram a ser vistos juntos, sempre, nos teatros, nos cinemas, nas sorveterias. Mag confessava:

— Não sei fazer nada sem mamãe. Sem mamãe, não acho graça em nada.

Norberto pigarreia, lembrando:

— E quando a gente se casar?

Pareceu desconcertada. Súbito, tem a idéia:

— Mamãe mora com a gente, pronto! Não é uma solução genial? Você não acha?

Atrapalhou-se:

— Pois não! Claro! Evidente!

Mas quando foi dizer em casa, houve um certo mal-estar. A mãe tomou a palavra: “Não acho golpe!”. Admirou-se: “Por que, mamãe?”. A velha foi clara:

— Tua sogra é bonita, meu filho, bonita demais!

Alguém completou:

— Mais bonita que a filha!

Atônito, o rapaz ergueu-se. Perguntou: “Mas, afinal, vocês estão insinuando o quê?”. Exaltou-se:

— Quem vê diz que eu sou algum tarado, ora bolas! Acho uma graça!...

Novo suspiro materno:

— Meu filho, tenho visto coisas do arco-da-velha. Acho que você não deve ter muita intimidade com sua sogra. É minha opinião!

PRESSÁGIO

Pouco antes do noivado, um engraçadinho arriscou o seguinte veneno: “Tua sogra é duzentas vezes melhor que a filha!”. Teve que reagir com violência: “Não admito essas piadas!”.

Mas era feliz. Mag apaixonara-se por ele e de tal forma, com um fanatismo absoluto, que a própria d. Senhorinha ralhava:

“Assim já é demais!”. Mag replicava:

— Ora, mamãe! A senhora também não gostou assim de papai, não foi a mesma coisa?

Confessou:

— Foi.

E, de fato, eram de uma família em que as viúvas não se casavam mais, nunca mais. No fundo, d. Senhorinha gostava de ter amado uma vez só e para sempre. No dia em que ficou oficialmente noiva, Mag chamou a mãe. Angustiada, diz: “Mamãe, a senhora sabe que eu estou com um pressentimento? Um mau pressentimento?”. D. Senhorinha admirou-se:

— Mas por quê? Que bobagem, minha filha!

A pequena, dominada pelo presságio, teve um desespero maior:

— Se Norberto algum dia me abandonar, mamãe, eu me mato! Juro que me mato!

Pôs-se a chorar. A mãe pousou a mão na sua cabeça: “Não te abandonará, nunca, meu coração, nunca!”.

O DRAMA

De repente, d. Senhorinha começou a evitar a companhia dos noivos: “Hoje, eu não vou. Não estou me sentindo bem”. Isso aconteceu uma vez, duas, três e, por fim, sempre. Iam ao cinema, ao teatro sozinhos. Uma tarde, Mag estranha: “Você mudou, meu anjo!”. Ele pigarreou:

— Eu?

E ela, doce e triste:

— Você boceja tanto quando está comigo! Eu te dou sono, dou?

Recorreu à primeira desculpa: “Estômago, minha filha, estômago!”. Uns dois dias depois d. Senhorinha o procura, no escritório. Surpreso, ele a leva para o corredor.

A sogra começa: “Mag se queixa que você mudou e...”. Pára. Olham-se. Norberto ia mentir, ia dizer que não, que em absoluto. Súbito, a verdade rompe das profundezas do seu ser, como uma golfada:

— Mudei, sim. Não posso me casar com sua filha, porque amo a senhora!

D. Senhorinha encostou-se à parede; balbuciou: “Está maluco? Está louco?”.

No seu desvario, trincando as palavras nos dentes, repetia: “Te amo! Te amo! Te amo!”. Quis agarrá-la. Ela, porém, num movimento ágil desprendeu-se, fugindo pelo corredor. Nessa noite, quando chegou em casa, reduzido a um trapo, ele diria à mãe:

— Deu-se a melódia, mamãe! Apaixonei-me pela minha sogra. E agora?

AMOR

Na manhã seguinte, d. Senhorinha soluçava ao telefone: “Se você abandonar minha filha, ela morre!”. Foi um exasperante diálogo de umas duas horas. Por fim, Norberto capitulou:

— Eu continuarei com a sua filha, mas quero um beijo seu. Basta um. Um beijo, e pronto.

Pausa. Veio a pergunta: “Só um?”. E ele: “Só um”. Ele propôs um lugar não sei onde, que d. Senhorinha não aceitou. Encontraram-se, pouco depois, no corredor do escritório onde ele trabalhava. Ela impôs: “Jura que não abandonarás nunca minha filha?”. Jurou. E houve o beijo sem fim, desesperado, mortal.

Quando se desprendem, ela arqueja: “Eu nunca amei meu marido. Só amo a ti”. E fugiu, novamente. Quase ao encerrar o expediente, vem a notícia: a sogra fora atropelada, morrera na rua, antes que a ambulância chegasse. Então, com clarividente instinto, ele compreendeu que d. Senhorinha se matara, no remorso daquele beijo.

Durante o velório, Norberto se conservou numa dessas dores lúcidas, tranqüilas, enxutas. Mas quando a enterraram, ele não pôde mais. Atirou-se ao chão, mergulhou o rosto na terra ainda fofa, ainda fresca, e mordeu a terra com desesperado amor.
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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Jonathan Swift

Ao recorrer à sátira para ridicularizar os desmandos da vida política e social da Inglaterra do século XVIII e, por extensão, para expor as fraquezas de todo o gênero humano, Swift realizou uma obra que repercutiu na própria época e se projetou muito além. Ao mesmo tempo, impôs-se, com sua prosa rigorosamente clássica, como o satirista mais ferino e brilhante dos muitos que ainda iriam surgir na língua inglesa.

Jonathan Swift nasceu em Dublin, Irlanda, em 30 de novembro de 1667. Órfão de pai, passou a infância sob a dependência de tios, de cuja incompreensão guardou lembranças amargas.

Em 1682 ingressou no Trinity College de Dublin, onde foi mau aluno mas conseguiu se formar, "por favor especial", em 1686. Em meio às convulsões políticas de 1688, viajou para a Inglaterra: em Moor Park, Surrey, tornou-se secretário de Sir William Temple.

Amadureceu intelectualmente entre os livros de Temple e conheceu Esther Johnson (Stella), uma de suas duas paixões irrealizadas. Em 1692 graduou-se na Universidade de Oxford e em 1695 foi ordenado pela igreja anglicana. Depois de desempenhar uma série de funções menores, em 1713 tornou-se deão da catedral de Saint Patrick em Dublin. A essa altura já participava ativamente da vida política da Inglaterra, de início a favor dos whigs (liberais), depois dos tories (conservadores).

Admirado e odiado por seus panfletos satíricos, como A Tale of a Tub (1704; História de um tonel), em meio às muitas viagens que fez a Londres conheceu em 1710 sua segunda grande paixão, Esther Vanhomrigh, a Vanessa do poema Cadenus and Vanessa (1726). Swift permaneceu sempre indeciso entre as duas mulheres, que morreram na época da publicação de suas obras principais: Vanessa em 1723, Stella em 1728.

A obra-prima de Swift, Gulliver's Travels (1726; As viagens de Gulliver), que fez sucesso imediato, é um dos livros mais famosos e inteligentes da literatura universal. Da sátira aos whigs, recriados nos anões de Lilliput, à invectiva contra a humanidade em geral, o autor recompôs o mundo de acordo com sua fantasia mordaz. O grotesco é explorado sob todos os ângulos: na pequenez desprezível dos lilliputianos; na ampliação escatológica da miséria física dos gigantes de Brobdingnag; nas diatribes contra os juristas e a arte militar; na idiotice dos intelectuais de Laputa; e na superioridade do cavalo sobre o ser humano no reino dos Houyhnhnms. Expurgado das verdades e sátiras, esse livro se transformou num clássico da literatura infantil.

Ao nível prático e histórico, a intenção mais elevada dos panfletos de Swift era lutar pelos interesses da Irlanda contra a corte e a aristocracia inglesas. Um exemplo claro é a também famosa Modest Proposal for Preventing the Children of Poor People from Being a Burden to their Parents or the Country (1729; Modesta proposta para impedir que as crianças pobres se tornem um peso para seus pais ou o país). Trata-se de sátira trágica, de um humor devastador, que propunha que as crianças pobres da Irlanda servissem para abastecer como comida o mercado inglês.

Além de várias outras obras em prosa, o criador de Gulliver também escreveu poesia. Após anos de um progressivo declínio, agravado em 1742 por um derrame que o deixou paralítico, Swift morreu em Dublin em 19 de outubro de 1745.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

J. R. R. Tolkien

A trilogia épica de J. R. R. Tolkien, ambientada num passado mítico, narra as lutas entre vários reinos bons e maus pela posse do anel mágico que podia alterar o equilíbrio de poder no mundo.

A obra tornou-se verdadeiro fenômeno sociocultural na década de 1960, pela atração que exerceu sobre os jovens.

John Ronald Reuel Tolkien nasceu em Bloemfontein, África do Sul, em 3 de janeiro de 1892. Levado para a Inglaterra aos quatro anos de idade, serviu na primeira guerra mundial e graduou-se em Oxford em 1919.

Professor de inglês e literatura inglesa, publicou em 1925 seu primeiro livro, Sir Gawain and the Green Knight (Sir Gawain e o cavaleiro verde), a que se seguiu Beowulf: The Monsters and the Critics (1936; Beowulf: os monstros e os críticos).

Em 1937, quando já trabalhava na trilogia, escreveu para seus filhos The Hobbit, que serviria de introdução à série.

A trilogia The Lord of the Rings (1954-1955; O senhor dos anéis), consta de The Fellowship of the Ring (A irmandade do anel), The Two Towers (As duas torres) e The Return of the King (O retorno do rei).

John Ronald Reuel Tolkien morreu em Bournemouth, Hampshire, Inglaterra, em 2 de setembro de 1973.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.