quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Araken Patuska

Abraham Patuska da Silveira, conhecido como Araken Patuska, ou simplesmente Araken (Santos, SP, 17 de julho de 1905 — idem, 24 de janeiro de 1990) foi um craque do Santos Futebol Clube, muito antes do nosso querido Pelé.  Jogou no Santos, no São Paulo e no Flamengo. Era irmão de Ary Patuska, grande atacante do clube no período de 1915-1923.

Fez parte do primeiro time do Santos a entrar para a história, muito antes da era Pelé. Em 1927 formou com Siriri, Camarão, Feitiço e Evangelista o ataque dos cem gols dos quais 31 pertenceram a ele.

O fato desses jogadores terem marcado 100 gols em uma edição de Campeonato Paulista já seria algo marcante mas, o que chamou mesmo a atenção, foi o fato de terem levado apenas 16 partidas para alcançar esse número, resultando em uma média fantástica de 6,25 gols por partida que, até hoje, é recorde mundial de média de gols marcados em um campeonato oficial.

O ingresso de Araken no futebol teve um fato curioso: Araken estava na Vila Belmiro vendo o jogo amistoso entre Santos e Jundiaí, ele era filho do então presidente do Santos, Sizino Patusca, e foi posto para jogar em lugar de Edgar da Silva Marques, que havia passado mal momentos antes da partida. Araken, na época com apenas quinze anos, foi responsável por quatro dos cinco gols do Santos, no empate com o Jundiaí: 5 a 5.

Aumentou sua fama quando foi emprestado pelo Santos para participar de uma excursão à Europa, em 1925, do Paulistano, clube que não se profissionalizou. Jogando ao lado de outro craque, Arthur Friedenreich, o ótimo desempenho levou a que os jogadores brasileiros fossem chamados de "reis do futebol" pelos jornais franceses. Vaidoso, gostava de jogar usando uma boina.

Dono de um futebol rápido e elegante, Araken foi três vezes vice-campeão do Campeonato Paulista pelo Santos: 1927, 1928 e 1929. Nesse clube seria campeão somente em 1935, marcando um gol na última partida do campeonato, em São Paulo, contra o Corinthians, vencida por 2 a 0.

Foi o único jogador paulista a defender a seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1930 no Uruguai. Na ocasião, Araken estava brigado com o Santos e aproveitando a passagem do selecionado pelo porto da cidade, a caminho de Montevidéu, integrou-se ao elenco, contrariando os dirigentes paulistas. Sem contar com sua força máxima, o Brasil foi eliminado logo na primeira fase, sendo ele criticado pelos outros jogadores da seleção, que o teriam chamado de "bailarino".

Araken Patusca escreveu um livro sobre a brilhante atuação do Paulistano em campos europeus com o título de "Os reis do futebol".

Fonte: Wikipedia.

Primeira dinastia dos reis do futebol

Hoje é até possível montar o time dos sonhos, mas antes só os deuses explicavam o surgimento dos esquadrões, que são a felicidade maior de uma torcida. Acima o timaço do Paulistano - em pé: Clodoaldo, Barthô, Sérgio, Nestor, Nondas e Abatte; agachados: Filó, Mário, Friedenreich, Araken e Netinho.
Os primeiros brasileiros a serem coroados reis do futebol não foram Pelé e Garrincha, como muita gente imagina. Mas os jogadores do esquadrão montado pelo Club Athletico Paulistano que, em 1925 encantou franceses, suíços e portugueses durante uma vitoriosa excursão à Europa.

O Paulistano foi o primeiro clube brasileiro a realizar uma temporada pelo Velho Mundo. O fato aconteceu em 1925 quando o Clube Atlético Paulistano cruzou o oceano para jogar na Europa. Foram os primeiros brasileiros a serem coroados “reis do futebol”. O time encantou franceses, suíços e portugueses.

Foram realizados dez jogos com nove vitórias e apenas uma derrota. Marcou trinta e um gols e tomou apenas oito. Uma campanha que mereceu os maiores destaques nos principais jornais da Europa, principalmente, depois da vitória sobre a seleção francesa por 7xl:  “Os brasileiros são mais perigosos, mais eficientes, pelo seu jogo fogoso, ardente, e insistente, em passes rápidos, seguros, e em investidas excessivamente velozes que deixam estupefato o adversário. São os reis do futebol”. – sentenciou o matutino francês Le Journal. O maior destaque ficou por conta do artilheiro Friedenreich que marcou onze gols.

A delegação do Paulistano embarcou no dia 10 de fevereiro, em Santos, no vapor Zelândia, do Lord Real Holandês, rumo a Cherburgo. O chefe da delegação era Orlando Pereira, veterano campeão do clube e diretor esportivo na época. Os jogadores foram os seguintes: Nestor e Kuntz (goleiros); Clodoaldo, Caetano, Guarani e Barthô (zagueiros); Sérgio, Nondas, Abatte, Juan e Maurílio (médios); Filó, Mário, Friedenreich, Seixas e Netinho.

Também seguiram com a delegação, como convidados, os jogadores Arakem Patusca do Santos, Junqueira e Seabra do Flamengo e Miguel Feite do Ypiranga. Os cronistas foram Américo Neto do jornal O Estado de São Paulo e Mário Vespaziano de Macedo do São Paulo Esportivo. Para fazer o tempo passar na longa viagem, foi organizado um grupo para animar a turma. Friedenreich ao violão, Miguel ao violino, Guarani no piano, Netinho na caixa de fósforo e Araken Patusca no chocalho e voz.

Foram mais de vinte dias viajando e, do porto onde desembarcaram até Paris, foram mais doze horas de trem. Não havia concentração no Hotel e “bicho” era coisa que nunca se tinha ouvido falar. Cada um levou seu dinheiro. Tudo era pago, menos as despesas extras.

A excursão foi patrocinada pelo Stade Français e, o dinheiro para as despesas com transporte, hospedagem e alimentação, saia das rendas dos jogos e do bolso de Antônio Prado Junior, presidente do Paulistano. Homem muito rico, vivia grande parte do ano na Europa. Na hora do divertimento, cada um pagava sua conta.

No dia 08 de março os jogadores do Paulistano já treinavam em um campo péssimo, castigado pela neve e pela chuva. O primeiro jogo aconteceu no dia 15 de março no estádio de Búfalos, em Mont Rouge, Paris. O adversário, a seleção francesa e o público de trinta mil torcedores. Os franceses abriram a contagem. Os brasileiros reagem e aplica uma goleada de 7x1. Três gols de Friedenreich e completando Mário, Netinho, Araken e Filó. O jogo consagrou o craque Friedenreich.

Os jogos foram:

Dia 15 de março – Em Paris – Paulistano 7 x França 1
- Gols de Friedenreich três. Mário. Netinho. Arakem e Filó.

Dia 22. Março – Em Paris - Paulistano 3 x Stade Français 1
- Gols de Friedenreich. Mário e Barthô.

Dia 28. Março – Em Cette - Paulistano 0 x Cette 1

Dia 02 de abril – Em Bordeaux – Paulistano 4 x Bastidienne 0
- Gols de Friedenreich três e Arakem.

Dia 04 de abril – Em Havre – Paulistano 2 x Seleção da Normandia 1
- Gols de Friedenreich e Netinho.

Dia 10 de abril – Em Estrasburgo – Paulistano 2 x Estrasburgo 1
- Gols de Friedenreich e Seixas.

Dia 11 de abril – Em Berna (Suiça) – Paulistano 2 x Auto Tour 0
- Gols de Filó e Mário.

Dia 13 de abril – Em Zurique - Paulistano 1 x Suiça 0
- Gol de Mário.

Dia 19 de abril – Em Rouen – Paulistano 3 x Rouen 2
- Gols de Mário dois e Friedenreich.

Dia 28 abril – Em Lisboa – Paulistano 2 x Portugal 0
- Gols de Filó e Friedenreich.

O interessante desta temporada é que, no ultimo jogo em Portugal, o segundo tempo durou apenas trinta minutos, a fim de que a delegação brasileira não perdesse o navio de retorno ao Brasil. A recepção em nossa terra foi vibrante. Desde Recife até São Paulo, os Reis do Futebol tiveram uma recepção como nunca tinha havido para uma delegação esportiva.

O time base do Paulistano nesta temporada formava com Nestor (Kuntz), Clodoaldo e Barthô; Sérgio, Nondas e Abatte; Filó, Mário, Friedenreich, Seixas (Araken) e Netinho (Junqueira).

Fontes: Museu dos Esportes; Revista Placar.

Oscar Cox, o embaixador da bola

Oscar Cox (Oscar Alfredo Cox) nasceu no Rio de Janeiro em 20/1/1880, e faleceu na França em 6/10/31. Foi um dos fundadores do Fluminense Football Club e seu primeiro presidente, de 21 de julho de 1902 a 31 de dezembro de 1904.

Oscar era filho de George Emmanuel Cox, cidadão inglês nascido em Guayaquil, Equador, onde seu pai fora vice-cônsul da Inglaterra, e da carioca Minervina Dutra Cox, tendo Oscar nascido no Largo dos Leões, no bairro de Humaitá, na cidade do Rio de Janeiro. Seu irmão, Edwin Horácio Cox, um exímio driblador, foi considerado o primeiro grande craque tricolor.

Chegando ao Brasil em 1897 vindo de Lausanne, na Suíça, onde estudara no Colégio La Chatelaine, Oscar não imaginava a dificuldade que iria encontrar para praticar seu esporte favorito, o futebol. Naquela época, o Rio de Janeiro era dominado pelo críquete e parecia não haver espaço para outro esporte com bola.

Cox não desistiu. Tanto falou dos encantos do jogo aos amigos que conseguiu reunir um pequeno grupo de jogadores para ensinar as regras. Estava organizado o Rio Team. Mas surgiu outra dificuldade: arrumar adversários. Cox teve que recorrer aos ingleses do Rio Cricket and Athletic Association, de Niterói, que já haviam praticado o esporte em sua terra natal.

Rio Team - A primeira equipe de futebol montada no Rio de Janeiro. Atletas que representaram o Rio de Janeiro, na primeira partida contra os paulistas, em 19/10/1901. Em pé da esquerda para a direita: Mario Frias, Walter Schuback e Louis da Nóbrega; agachados: Oscar Cox, A. Wright e J. McCulloch; sentados: Francis Walter, Horácio da Costa Santos, Eurico de Moraes, Júlio de Moraes e Félix Frias. Foto tirada em 1901 ( acervo do F.F.C. )
A primeira partida, disputada em Niterói, no dia 1 de agosto de 1901, terminou empatada em 1 a 1 e foi assistida por quinze pessoas, público recorde para um esporte desconhecido.

Coube a Cox organizar também o primeiro jogo Rio-São Paulo, em 1901. Ele até mesmo tentou conseguir um desconto no trem que levou Central do Brasil não se comoveu. Os rapazes, entretanto, não tiveram problemas em pagar as passagens, já que eram todos endinheirados.

Os dois encontros entre os combinados carioca e paulista terminaram empatados (1 a 1 e 2 a 2). Os jogos foram marcados pela extrema cordialidade e camaradagem. Não houve nenhum pontapé e a imparcialidade do juiz mereceu brindes no jantar que comemorou o encontro. Um clima bem diferente daqueles que marcariam os futuros embates Rio-São.

O Fluminense Football Club em uma de suas primeiras formações, com Oscar Cox..
Em 21 de julho de 1902, no Rio de Janeiro, era fundado o Fluminense Football Club. A reunião foi presidida por Manoel Rios e secretariada por Oscar Cox e Américo Couto. Por proposta de João Carlos de Mello e Virgílio Leite, Oscar foi aclamado primeiro presidente do clube, assumindo então os trabalhos e passando Manoel Rios para secretário.

Como jogador, Oscar Cox foi campeão carioca em 1906 e 1908 atuando em cinco partidas, tendo disputado ainda mais quatro partidas amistosas, em 1902 e 1903.

Partiu para Londres, em 1910, definitivamente, tendo recebido no seu embarque uma mensagem de despedida assinada por sócios do Fluminense. Essa mensagem foi encontrada em seus pertences após sua morte, junto ao seguinte texto, escrito por ele: "Cresswell. In case of my death, send to Mario Pollo, secretary of Fluminense F. C. Rio de Janeiro" ("Cresswell. No caso de minha morte, enviar a Mário Pollo, secretário do Fluminense F. C., Rio de Janeiro"). Sua vontade foi atendida.

Após o seu falecimento, Oscar Cox teve seu corpo transladado para o Rio de Janeiro, sendo sepultado no cemitério de São João Baptista, Carneiro Perpétuo 2.068 - Quadra 38, no bairro de Botafogo, em 21 de outubro de 1931.

Em 21 de Julho de 1952, nas comemorações do cinqüentenário da fundação do Fluminense Football Club, no mausoléu de Oscar Cox foi inaugurada uma placa de bronze com a inscrição: "Viver e não deixar uma instituição atrás de si não vale a pena viver. Oscar Cox dirigiu a fundação do Fluminense Football Club, que, no seu Cinqüentenário, aqui grava sua gratidão e saudade". Uma homenagem do então presidente do clube, Fábio Carneiro de Mendonça.

Fontes: Wikipedia; Revista Placar; Fluminense - A formação do Fluminense; IFFHS.

Nossas primeiras bolas de futebol

Shoot, Fussball e Dupont. Estas eram as marcas das primeiras bolas que quicaram no Brasil. Seus donos eram rapazes de fino trato que haviam estudado na Europa, onde aprenderam a jogar o futebol.

As pioneiras Shoot vieram da Inglaterra na bagagem de Charles Miller. Já a Fussball foi trazida da Alemanha por Hans Nobiling. Finalmente, a Dupont foi uma encomenda de Oscar Cox a um amigo que viajou à Suíça (Fig.: a primeira, inglesa, e abaixo bolas das copas de 70, 62 e 58).

Todas eram muito parecidas entre si, mas bem diferentes das bolas de hoje. Tinham uma abertura por onde entrava uma câmara inflável de borracha. O principal problema surgia na hora de cabecear, quando o cadarço que amarrava a fenda podia machucar as cabeças menos protegidas. Daí o hábito de muitos jogadores usarem aquela touquinha aparentemente ridícula.

No início do futebol brasileiro, para suprir a demanda cada vez maior, a saída foi importar pelotas inglesas. A mais procurada era a McGregor. Mas não tardou que um artesão chamado Caetano começasse a fabricar as primeiras bolas nacionais na sua sapataria da Rua Ipiranga, em São Paulo.

Logo, outros sapateiros começaram no ramo promissor e o Brasil se tornou exportador de bolas, principalmente para a Argentina e o Uruguai. Mesmo assim, a redonda era um artigo de luxo e a criançada brincava mesmo era com bolas de meia, recheadas com palha ou papel. A maior parte dos nossos primeiros craques começou assim.

Na década de 40, a bola que imperava nos gramados brasileiros tinha costura interna, sem a abertura e o cordão. Mas o seu couro marrom continuava a encharcar nos dias de chuva ou nos campos cheios de lama. "Ficava tão pesada que eu tinha que jogar de esparadrapo nas mãos e os homens da linha tinham de enfaixar os pés", conta Oberdan Catani, 75 anos, goleiro do Palmeiras e da Seleção nos anos 40.

A partir da Copa de 62, a bola passou a ser fabricada com dezoito gomos, ganhando uma forma mais perfeita e estável. A cor branca, que sempre foi usada nos jogos noturnos, se tornou a preferida também nos diurnos depois da Copa de 70.

Hoje, as bolas são filhas da tecnologia – pelo menos no exterior. O modelo da Copa de 94 foi desenvolvido com diversas camadas de material sintético que potencializa os chutes e apresenta alta durabilidade e resistência.

Fonte: Revista Placar.

Hans Nobiling, o professor alemão

Hans Nobiling (10/09/1877, Hamburgo, Alemanha - 30/07/1954, Jacarepaguá, Rio de Janeiro) foi um ex-jogador do Sport Club Germania 1887 de Hamburgo que, jovem, chegou ao Brasil em meados de 1897, trazendo na bagagem bola e a enorme vontade de jogar futebol. Mas em São Paulo, cidade onde se estabeleceu nessa época, o esporte era privilégio de ingleses e dos alunos do Colégio Mackenzie.

Nobiling precisou de muita insistência para conseguir convencer alguns rapazes a organizar um time. Com base nos conhecimentos adquiridos no Germania, o alemão ensinou seus companheiros a chutar, passar e fintar.

Anos depois reuniu um time avulso, que passou a ocupar o campo da Cia. Paulista de Transportes da Chácara Dulley, onde inicialmente o São Paulo Athletic Club fazia seus jogos. Como era muito comum a invasão do campo pelos cavalos e burros que puxavam os bondes que circulavam pela capital paulista na época, o SPAC resolveu seu problema fazendo seu próprio campo na mesma chácara.

A equipe deste alemão, que recebeu a alcunha de Hans Nobilings Team ou "time do Hans Nobiling" em uma tradução livre, teve dificuldades para conseguir adversários no início, mas o time de Nobiling conseguiu dobrar as resistências. Quando ficou satisfeito com a evolução de seus pupilos, o professor alemão mandou uma carta desafiando o time do Mackenzie para um match, o primeiro disputado entre dois times no Brasil. O racha terminou O a 0, mas nunca um placar tão magro rendeu tão bons resultados. O futebol já não era só para inglês ver. Não demorou muito e Nobiling resolveu fundar um clube de verdade.

Logo na primeira reunião não houve consenso para escolha do nome. Cinco votos para Sport Club Germânia, quinze para Sport Club Internacional, já que se tratava de um clube cosmopolita, que reunia brasileiros, alemães, franceses, portugueses e ingleses.

Os dissidentes germânicos, entre eles Hans Nobiling, dezoito dias depois, a 7 de setembro, fundariam o seu Sport Club Germânia (atual Pinheiros), que tinha como campo a área que ficava na Chácara Witte, atrás da antiga cadeia, onde mais tarde seria construída a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. E assim se protagonizou a primeira cisão do futebol brasileiro.

Primeiro time de futebol do Germania em 1899 com Hans Nobiling
Primeiro time de futebol do Germania em 1899 com Hans Nobiling (Gal.do Esporte Clube Pinheiros )

Resumindo, então, o Hans Nobilings Team foi o primeiro time de futebol formado por Hans Nobiling, alemão radicado no Brasil que mais tarde fundaria o Sport Club Internacional de São Paulo e o Sport Club Germânia.

No fim do século XIX era comum as pessoas formarem equipes de futebol ao melhor estilo do futebol de várzea dos dias de hoje, era comum equipes se resumirem à uma bola e entre onze a quinze camisas, sob certos aspectos era esse o caso do Hans Nobilings Team, essa equipe que atuava desde meados de 1895.

Ela nunca disputou nenhuma divisão das diversas versões do Campeonato Paulista, mas merece registro por vários motivos, o primeiro deles é o de ser uma das primeiras equipes do nosso futebol, a segunda é por haver participado das primeiras partidas em nosso país e a terceira, e de certa forma a mais importante é que em 1899 participou do primeiro torneio de futebol do qual se tem notícia no Brasil, lançando assim as sementes pra fazer surgir a Liga Paulista de Futebol e toda a história a partir dela.

Fontes; Wikipedia; Revista Placar.

Viúva alegre

Quando seu Neves passou, de cara amarrada, os empregados cochicharam entre si:

— No mínimo, brigou com a mulher!

E, de fato, cinco minutos depois, ele abria a porta do gabinete. Esbravejou:

— Cadê o Carvalhinho? A besta do Carvalhinho, onde está?

Não se dirigia a ninguém. Levanta-se então, do fundo da sala, espavorido, Amadeu, o guarda-livros. No seu passo rápido e miúdo de pigmeu, atravessa todo o escritório. Chega junto a seu Neves, põe-se quase na ponta dos pés e sussurra:

— Morreu.

O outro recua:

— Quem?

— O Carvalhinho.

Pálido, pergunta:

— Morreu? Mas de quê, carambolas? Ainda ontem estava bonzinho!

Amadeu resume:

— Coração.

Sem uma palavra, seu Neves apanha o lenço no bolso traseiro da calça e enxuga o suor da testa. A morte, fosse como fosse, o assombrava. Desde criança que perguntava de si para si: “Por que se morre?”. E concluía: “Ninguém devia morrer, nunca!”. No caso do Carvalhinho, havia uma agravante: o morto fora, até a véspera, seu secretário. Numa impressão profunda, seu Neves vira-se para Amadeu:

— Entra, entra. Preciso falar contigo.

E trancava nas costas os dedos em figas.

MARIDO HUMILHADO

Carvalhinho morrera na véspera, durante o jantar, quando se servia de sopa. Preliminarmente, seu Neves determinou: “Olha, Amadeu. Manda uma coroa em meu nome, uma coroa bem bacana, ouviu?”. Sentou-se na cadeira giratória. Passada a desagradabilíssima surpresa da notícia, recuperava-se rapidamente. De um modo ou de outro, o fato é que a morte do Carvalhinho vinha distraí-lo de um feio bate-boca que tivera em casa, com sua esposa Guiomar.

Enquanto o Amadeu vai tratar da coroa, seu Neves andava no gabinete, de um lado para o outro, fazendo uma revisão de sua vida matrimonial. Segundo se dizia, casara-se com Guiomar por interesse. E, com efeito, ela era filha de um italiano riquíssimo, dono de trinta padarias, ao passo que seu Neves não tinha nada de si, senão dívidas.

O fato é que seu Neves comia no lar o pão que o diabo amassou. Sofria as mais graves desconsiderações. Na presença de visitas, de estranhos, Guiomar o humilhava, sem dó nem piedade: “Quando você se casou comigo, era um pronto! Não tinha onde cair morto!”. E seu Neves, indefeso, rilhava os dentes, numa treda e torva humilhação. Nesta manhã, ela o desacatara ferozmente:

— Você é um marido que eu pago! O marido que eu comprei!

CONFISSÃO

Até aquele momento, fora de uma discrição exemplar. Jamais abrira a boca para falar mal da esposa. Mas, ao fim de cinco anos de cotidiana humilhação, sentia-se no limite extremo da resistência. Gemia de si para si mesmo: “Eu não agüento mais! Não suporto mais”. Quando o Amadeu voltou da casa de flores, seu Neves o pilhou para confidente: “Senta aí, senta”. E explica: “Hoje eu tenho de desabafar com alguém ou morro”. Diante do subalterno espantado, fez as confidências mais deslavadas. Começou mais ou menos assim:

— Vou te contar o que nunca disse a ninguém: eu me casei por causa do dinheiro de minha mulher, percebeste? Puro interesse e nada mais. Conclusão: estou pagando tudinho. Tu conheces minha esposa: é um bucho?

O acovardado Amadeu gagueja:

— Eu não acho!

Seu Neves salta:

— Acha sim, seu zebu! É um bucho, ouviu? É horrorosa! Mas, enfim, podia ser bucho e prestar, ser uma boa pessoa. Nem isso! Nem isso! É uma megera, compreendestes? Ela me trata a pontapés. Qualquer dia desses me dá na cara!

Parou, arquejante. Ao lado, o Amadeu, trêmulo, era incapaz de um comentário. Seu Neves continua. Tem um riso feroz:

— Eu invejo! Invejo os maridos que matam, que esfolam! Te juro que só não mato minha mulher por falta de coragem física. Sou um banana!

E berrava: “Um banana!”.

No fim, vira-se para Amadeu e, quase sem fôlego, diz:

— Resolvi fazer o seguinte: não gosto de minha mulher. Até aqui, fui estupidamente fiel. Não faço uma farra. Mas vou deixar de ser burro. Minha mulher tem dinheiro, não tem? Vou gastar o dinheiro dela com outras mulheres. E vai começar hoje. Percebeste?

— Percebi.

Seu Neves põe-lhe a mão no ombro: “Conto contigo pra isso!”. O outro esbugalha os olhos: “Comigo?”. E o chefe, transpirando, em voz baixa:

— Contigo sim. Queres subir aqui, não queres? Conheces alguma dona, que seja boa, muito boa, pra lá de boa? Estou disposto a pagar bem. Dinheiro há!

Silêncio de Amadeu, que era, a um só tempo, tímido e ambicioso, taciturno e voraz. Seu Neves enxuga com o lenço o suor do rosto. Interroga o rapaz:
“Conheces alguma nessas condições? Disponível para hoje?”.

Resposta vaga: “Estou pensando”. E, com efeito, durante uns cinco minutos, ele força a memória. Por fim levanta-se:

— Achei.

A PEQUENA

Seu Neves arremessou-se:

— Quem?

E o outro:

— A viúva!

A princípio, seu Neves não entende: “Qual delas?”. Sem desfitar o patrão, Amadeu completa:

— A viúva do Carvalhinho.

Atônito, o chefe realiza todo um penoso esforço mental. Mas quando percebe, afinal, a sordidez da sugestão, só faltou bater no subordinado: “Você está maluco? Bebeu? Me acha com cara de abutre? De necrófilo?”. Agarra o Amadeu pelos braços e o sacode: “Você acha que eu vou dar em cima da viúva do meu secretário, no dia em que ele é enterrado?”. Sem perder a calma, Amadeu trata de convencê-lo. Explica:

— Carvalhinho andava traindo a mulher com uma dona, compreendeu? E sabe por que ele empacotou? Porque a mulher, ontem, descobriu tudo, inclusive a identidade da gaja, e o escrachou durante o jantar. Eu estava lá, vi e ouvi.

— E daí?

Amadeu acende um cigarro:

— Mas é claro como água! Uma mulher despeitada, seja viúva, seja o que for, faz qualquer negócio. Eu aposto os tubos! Aposto o que o senhor quiser! Quer apostar?

Então, enfiando as duas mãos nos bolsos, seu Neves pergunta:

— E a minha situação? Você se esquece de minha situação? Ela pode ser despeitada, mas eu não sou, ora bolas! Negócio de defunto é espeto! Sempre tive um medo danado de defuntos!

VIÚVA

Fosse como fosse, Amadeu sugere: “Vamos lá dar uma espiada. Não custa espiar”. Seu Neves concordou. Ao meio-dia, partem de automóvel para a residência do morto, no subúrbio. E o patrão foi dizendo: “Não telefonei para minha mulher, porque não gosto de dar notícias de morte”.

Quase ao chegar ao destino, seu Neves lembra-se: “E que tal? Ela é boa, é?”. Amadeu estala a língua: “Um monumento!”.

Quando surgiram no velório, seu Neves ia escabreado, ao passo que Amadeu, na frente, varava os grupos. Em dado momento, Amadeu cutuca o outro: “Espia!”. Ele olha na direção indicada e recebe um impacto. A viúva, junto do caixão, percebe que aquele, o chefe do marido, crava as unhas no seu braço: “Ah, é o senhor?”. Balbucia: “Pois não... Meus pêsames”. A pequena teve um meio riso, entre sardônico e apiedado. Indaga: “Sua senhora não veio? Não? Não sabe?”.

Amadeu, ao lado, explicou que a esposa do patrão ainda não sabia. Então, a viúva não perde tempo: “Quer vir, aqui, um instantinho, quer?”. Seu Neves, espantado, acompanha-a até o jardim. Lá ela começa:

— Meu marido arranjou esse emprego por influência de sua senhora. O senhor nunca estranhou esse interesse? Nunca desconfiou de nada?

Conversaram uma meia hora, em voz baixa. Cada pessoa que chegava, já sabe, arregalava os olhos, sem compreender que uma viúva abandonasse o velório do marido. Por fim, ela ergueu-se: “Não vou ficar aqui, nem vou ao cemitério. Quer sair comigo?”.

Foi um escândalo quando eles, de braço, deixaram a casa e apanharam um automóvel. Seu Neves andou de táxi pela cidade com a viúva, horas e horas. Deixou-a, alta madrugada, na residência de um parente.

E, então, voltou para o lar. Chegou em casa, acordou a esposa e deu-lhe uma surra.

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A coroa de orquídeas e outros contos de A vida como ela é... / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Mary Shelley

Mary Wollstonecraft Shelley (Londres, 30 de agosto de 1797 - idem, 1 de fevereiro de 1851), mais conhecida por Mary Shelley foi uma escritora britânica, filha do filósofo William Godwin e da pedagoga e escritora Mary Wollstonecraft.

Sua mãe morreu ao dar a luz a ela. Ela foi então criada pelo pai e pela sua madrasta, que a odiava. Sua irmã era depressiva e cometeu suicídio; na família havia também dois irmãos.

Ela conheceu o poeta Percy Bysshe Shelley em 1813. Ele tinha apenas 20 anos, mas já era casado - e infeliz no casamento. Ela e ele casaram-se depois do suicídio da primeira esposa. Seu pai deserdou-a por isso.

O casal teve quatro filhos, mas apenas um viveu bastante. Em 1822 seu marido morreu, e então a vida de mary terminou.

Embora ela tenha vivido por mais trinta anos, nunca mais teve a mesma chama, como quando na companhia de seu brilhante marido e seus amigos, como o poeta Lorde Byron.

A obra mais famosa é Frankenstein escrita entre 1816 e 1817. O romance obteve grande sucesso e gerou todo um novo gênero de horror, tendo grande influência na literatura e cultura popular ocidental.

Fonte: Wikipédia - A Enciclopédia Livre.

A Igreja do Diabo

DE UMA IDÉIA MIRÍFICA

Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada.

Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua Igreja? Uma igreja do Diabo era o meio mais eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.

- Vá, pois, concluiu ele. Escritura contra Escritura, Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.

Dizendo isso, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: - Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

ENTRE DEUS E O DIABO

Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-se logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor.

- Que me queres tu? perguntou este.

- Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos.

- Explica-te.

- Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...

- Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura.

- Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter uma vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece?

- Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor.

- Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.

- Vai.

- Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra?

- Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja?

O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer coisa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse:

- Só agora concluí uma observação começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu me proponho a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para a minha igreja; atrás delas virão as de seda pura...

- Velho retórico! murmurou o Senhor.

- Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor - a indiferença, ao menos - com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha - ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos...

Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica. Deus interrompeu o Diabo.

- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralista do mundo. É assunto gasto; se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?

- Já vos disse que não.

- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?

- Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.

- Negas esta morte?

- Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los...

- Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai, vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai!

Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias dos seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.

A BOA NOVA AOS HOMENS

Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas.

- Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para o meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...

Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada.

Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"...

O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos versos de Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Lúculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum?

Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude precisa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.

As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs.

Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: Muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos.

Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo o caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do teu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.

E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniário, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este sentimento aplicado e não aquele.

Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regime: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!"

A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratava de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: - Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi escrito no livro da sabedoria.

FRANJAS E FRANJAS

A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo.

Um dia, porém, longos anos depois, notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros.

A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá.

O manuscrito beneditino cita muitas outras descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados.

Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela, solitário; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das sua ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se e ao levantar-se. O Diabo mal pode crer tamanha aleivosia. Mas não havia que duvidar; o caso era verdadeiro.

Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análogo ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse-lhe:

- Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.
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por Machado de Assis

Alda Garrido

Alda Garrido
Alda Garrido (Alda Palm Garrido), atriz do teatro de revista e comediante, nasceu em São Paulo, SP, em 19 de agosto de 1896, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, RJ, em 8 de dezembro de 1970.

Foi uma das maiores comediantes brasileiras e fez muito sucesso nos teatros nas décadas de 20 a 60. E como no caso de Cacilda Becker, foi o cinema que registrou sua imagem para seu saudoso público, as gerações seguintes e para as próximas que virão.

Criou um estilo próprio e se tornou conhecida pela brasilidade de sua interpretação, que identificava tipos populares femininos. Marcou os anos 50 com a criação da personagem Dona Xepa.

Aos 19 anos formou com o marido, o ator Américo Garrido, a dupla Os Garridos, fazendo duetos até 1920, em São Paulo. Mudaram-se para o Rio de Janeiro e organizaram uma companhia para o Teatro América, estreando com Luar de Paquetá, de Freire Jr., 1924, que permaneceu seis meses em cartaz com sucesso.

A dupla, então, recebeu convite para trabalhar com o empresário Pascoal Segreto, e na sua companhia atuaram, entre outras, em Ilha dos Amores, Quem Paga É o Coronel, ambas de Freire Jr., Francesinha do Bataclan, de Gastão Tojeiro, todas em 1926.

A temporada projetou Alda Garrido, que foi contratada pelo empresário de teatro de revista Manoel Pinto, pai de Walter Pinto, para atuar na Companhia Nacional de Revistas, no Teatro Recreio.

O sucesso que a atriz obteve no gênero a fez manter desde então uma dupla atuação profissional - de um lado as comédias de costume que monta em sua própria companhia com produção do marido, de outro, os contratos com os empresários do teatro de revista.

Mas aos poucos os espetáculos de sua companhia acabaram se rendendo ao sucesso do teatro musicado, como em Brasil Pandeiro, 1941, com texto de seu autor favorito, Freire Jr., em parceria com Luiz Peixoto, uma dupla das mais requisitadas no gênero revisteiro.

Em 1939, o empresário Walter Pinto faz com que, no espetáculo Tem Marmelada, de Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes, Garrido e Aracy Cortes dividam o palco pela primeira e última vez, no Teatro Recreio.

Entre as revistas de maior sucesso de sua carreira estão Maria Gasogênio - sátira à falta de gasolina nos anos da Segunda Guerra - e Da Favela ao Catete, de Freire Jr. e Joubert de Carvalho, 1935.

A atriz criou um estilo próprio de interpretar e de transformar o texto por meio de improvisos que, segundo Pedro Bloch, era na verdade criações premeditadas e cuidadosamente estudadas.

Os anos 50 consagraram Alda Garrido com Dona Xepa, de Pedro Bloch, 1953. A atriz se tornou o símbolo da brasilidade, como mostra o seguinte trecho do jornalista Jota Efegê: "A feirante Dona Xepa, bem na fatura artística de Alda Garrido (o rústico, o matuto), enseja-lhe um desempenho espontâneo onde prevalece a sua intuição na composição da figura. Ultrapassando o script, Alda entra com sua preciosa colaboração e enxerta-lhe 'cacos' perspicazes".

Foto: com Odete Lara e Herval Rossano em cena de "Dona Xepa" (1959).
E, apontando aquilo que lhe é próprio, revela o crítico Décio de Almeida Prado: "(...) nem atriz propriamente ela é. Atriz é alguém que se especializa em não ser nunca duas vezes a mesma pessoa. Alda Garrido não tem nada disso: os seus recursos de técnica teatral, de caracterização psicológica são dos mais precários. Em compensação, possui qualquer coisa de muito mais raro: uma personalidade genuinamente cômica. Quando representa, a graça não está nunca na personagem: está na intérprete, no que esta possui de inconfundível, de inimitável. O que admiramos não é a peça, mas a própria Alda Garrido, com o seu grão de irreverência e de loucura, que lhe permite comportar-se sempre de maneira menos convencional possível, e também com o seu grão de inesperado bom senso, que a faz sempre achar a resposta mais desconcertantemente terra a terra, mais prosaicamente adequada. Alda Garrido, muito mais que atriz, é uma grande excêntrica, a exemplo desses cômicos de cinema e de teatro musicado norte-americano - um Groucho Marx, um Danny Kaye".

Fontes: Wikipédia - A enciclopédia livre; Mulheres do Cinema Brasileiro; Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro.

Abigail Maia


Três grandes nomes do rádio, na mesma foto: Rodolfo Mayer, Abigail Maia e Floriano Faissal. Abigail nasceu no século retrasado, ou seja, em 16 de setembro de 1887, à  Rua do Senado, número 7. Aos quinze anos de idade já estava no palco substituindo uma faltosa atriz na companhia teatral da qual sua mãe, Balbina Maia, integrava o elenco.

Sua história é longa e linda. Foi casada com Raul Roulien, primeiro ator brasileiro a ser conhecido em Hollywood, e depois com Oduvaldo Viana, dramaturgo que iria emprestar sua inteligência a serviço da cultura de nosso país, escrevendo novelas que até os dias de hoje são encenadas em diversos canais de televisão.

Abigail Maia, atriz, cantora e bailarina, nasceu em Porto Alegre, RS, em 17/10/1887 e faleceu no Rio de Janeiro RJ, em 20/12/1981. Estreou no teatro aos 15 anos de idade, na peça Fada Coral. Trabalhou em inúmeras companhias de comédias e revistas antes de criar sua própria empresa, em parceria com Oduvaldo Vianna.

Em 1921, agregando-se à companhia Viriato Correa e Nicola Viggiani, deu-se a temporada conhecida historicamente como "Movimento Trianon".

Com seu trabalho ligado a um dos mais conceituados comediógrafos do período, valorizou a dramaturgia brasileira e ensejou algumas experimentações renovadoras. Nos anos 40 ingressou no elenco de rádio-atores da Radio Nacional.