quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Cacilda Becker

Cacilda Becker (Cacilda Becker Yáconis), atriz, nasceu em Pirassununga SP, em 6/4/1921, e faleceu em São Paulo SP, em 14/6/1969. Protagonista de vários espetáculos do Teatro Brasileiro de Comédia, fundadora da companhia que leva o seu nome.

Cacilda interpreta personagens antagônicos, como o moleque de Pega Fogo, a velha de Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, a devassa de Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?, a rainha de Maria Stuart, o clown de Esperando Godot. Indo da farsa à tragédia, do clássico ao moderno, é considerada, por alguns teóricos, a maior atriz do teatro brasileiro.

Ainda menina, estuda dança e trabalha para manter a casa. Aos 20 anos, atua no Teatro do Estudante do Brasil - TEB, em 3.200 Metros de Altitude, de Julien Luchaire, e Dias Felizes, de Claude-Andre Puget, tendo como ensaiadora Esther Leão, em 1941. Ainda nesse ano, une-se à Companhia de Comédias Íntimas, de Raul Roulien, participando de uma série de espetáculos, entre eles, Trio em Lá Menor, de Raimundo Magalhães Junior, sob a direção de cena de Sadi Cabral. 

Faz rádio-teatro. Em 1943, ingressa no grupo criado por Décio de Almeida Prado, Grupo Universitário de Teatro - GUT, no qual participa de três espetáculos: Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente; Os Irmãos das Almas, de Martins Pena; e Pequenos Serviços em Casa de Casal, de Mário Neme. 

Trabalha, em 1944, na Companhia de Comédias de Bibi Ferreira. Em 1945, volta ao GUT, atuando em Farsa de Inês Pereira e do Escudeiro, de Gil Vicente, direção de Décio de Almeida Prado. Colabora com Os Comediantes na remontagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, no papel de Lúcia, a irmã da protagonista, em 1947. Ainda nesse ano, sob o mesmo conjunto, participa também de Era Uma Vez um Preso, de Jean Anouilh, com direção de Ziembinski; Terras do Sem Fim, adaptação de Graça Mello do livro de Jorge Amado, dirigido por Zigmunt Turkov; e Não Sou Eu..., de Edgard da Rocha Miranda, mais uma encenação de Ziembinski.

Em 1948, protagoniza A Mulher do Próximo, texto e direção de Abílio Pereira de Almeida, um dos espetáculos inaugurais do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, em sua fase amadora. É a primeira profissional a ser contratada pela companhia. Está presente em quase todas as montagens do conjunto entre 1949 e 1955, com destaque para Nick Bar...Álcool, Brinquedos, Ambições, de William Saroyan e Arsênico e Alfazema, de Joseph Kesselring, ambos dirigidos por Adolfo Celi em 1949. Em 1950, participa de A Ronda dos Malandros, de John Gay, espetáculo polêmico de Ruggero Jacobbi.

No Teatro das Segundas-Feiras, acontece a sua primeira consagração. Pega Fogo, de Jules Renard, inicialmente formando um programa triplo ao lado de outros dois textos, torna-se um grande sucesso, entrando em carreira no horário nobre do teatro e permanecendo em cartaz por muito tempo. Sua interpretação do moleque Poil de Carotte lhe vale um artigo apaixonado de Michel Simon, quando o espetáculo se apresenta no Teatro das Nações, em Paris. O crítico compara a atriz a Charlie Chaplin e Jean Louis Barrault, e, depois de dizer que ela rompera sua pretensa frieza de especialista fazendo-o chorar, procura a origem da emoção no "rosto emaciado", no "olhar em vírgula (como nos desenhos de Poulbot)", nos "gestos pletóricos de garoto infeliz e arrogante" e afirma: "Poil de Carotte não pode ter mais, para mim e para muitos outros, de agora em diante, outro rosto senão o seu".

Atua em Seis Personagens à Procura de Um Autor, de Luigi Pirandello, novamente dirigida por Celi, e A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, encenação de Luciano Salce, ambos em 1951. No ano seguinte, está em Antígone, de Sófocles (1º ato) e de Jean Anouilh (2º ato). Em 1955, é antagonista de sua irmã, Cleyde Yáconis, em Maria Stuart, de Schiller, novamente com o diretor Ziembinski.

Despede-se do TBC em 1957 e funda um ano depois, com Walmor Chagas, Ziembinski, Cleyde Yáconis e Fredi Kleemann, o Teatro Cacilda Becker - TCB, no qual desempenha sua carreira durante 22 anos. Em 1958, está em Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, de Eugene O'Neil, representando Mary Tyrone, personagem vinte anos mais velha do que ela; protagoniza A Visita da Velha Senhora, de Dürrenmatt, 1962; é premiada com medalha de ouro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais - ABCT, como melhor atriz de 1965, pelas peças A Noite do Iguana, de Tennessee Williams, e O Preço de um Homem, de Steve Passeur.

Sob a direção de Maurice Vaneau, interpreta a protagonista de Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?, de Edward Albee, também em 1965. O crítico Décio de Almeida Prado relembra: "A prolongada sessão de terapia pela bebida, pela flagelação e autoflagelação que é Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? deu-lhe ensejo para uma de suas maiores criações. À medida que a sua voz e a sua dicção se tornavam pastosas, que as insinuações sexuais, deliberadamente vulgares, se explicitavam, aumentava a alucinante fusão estabelecida entre intérprete e personagem. Uma senhora, dias depois de assistir ao espetáculo, não se conteve quando lhe falaram em Cacilda Becker, "Bêbada", murmurou indignada. Cacilda se queixou, aliás, de espectadores que, terminada a peça, na hora dos agradecimentos, avançavam para o palco e a insultavam baixinho".

Os efeitos da ditadura militar sobre a atividade teatral fazem surgir uma Cacilda Becker militante das causas de sua classe. Demitida da TV Bandeirantes, sob a alegação de que suas interpretações são subversivas. A atriz assume a presidência da Comissão Estadual de Teatro de São Paulo, lugar que enfrenta a repressão em defesa dos direitos dos artistas e produtores. Quando, em 1968, o espetáculo Primeira Feira Paulista de Opinião sofre 71 cortes de censura no dia do lançamento, a atriz surge no proscênio e se responsabiliza pela apresentação do texto na íntegra, em um ato de rebeldia e desobediência civil. Sua convicção faz com que os censores e agentes federais presentes no teatro acatem sua decisão e assistam ao espetáculo.

Durante uma sessão de Esperando Godot, de Samuel Beckett, com direção de Flávio Rangel, 1969, a atriz sofre um derrame cerebral e morre 38 dias depois. Ao se completar 10 anos de sua morte, Yan Michalski escreve em artigo para o jornal: "... não temos até hoje outra atriz-fenômeno como Cacilda, com a mesma generosidade de entrega, a mesma capacidade de mergulhar até o fundo em cada personagem, a mesma inquietação, tenacidade, a mesma coragem na composição, pedra por pedra, de um repertório coerente. [...] Uma pessoa com este carisma, com esta capacidade de falar legitimamente em nome de todo o teatro brasileiro, e sempre disposta a fazê-lo com firmeza e serenidade, talvez seja o que mais nos faz falta desde que Cacilda desapareceu [...]".

Fontes: Wikipedia; Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro.

Bibi Ferreira

Bibi Ferreira (Abigail Izquierdo Ferreira), atriz, cantora, compositora e diretora de teatro, nasceu em Salvador, Bahia, em 10/6/1922. Filha do grande ator de teatro Procópio Ferreira e da bailarina espanhola Aída Izquierdo.

Fez sua estréia no teatro aos 24 dias de vida, na peça Manhãs de Sol, de autoria de Oduvaldo Vianna, substituindo uma boneca que desaparecera pouco antes do início do espetáculo. Logo após os pais se separaram e Bibi passou a viver com a mãe, que foi trabalhar na Companhia Velasco, uma companhia de teatro de revista espanhola.

Seu primeiro idioma, até os quatro anos, foi o espanhol. O idioma português e o grande amor pela ópera ela viria a aprender com o pai.

De volta ao Brasil, tornou-se a atriz mirim mais festejada do Rio de Janeiro. Entrou para o Corpo de Baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde permaneceu por longo tempo, até estrear na companhia do pai. Aos nove anos teve negada a matrícula no Colégio Sion, em Laranjeiras, por ser filha de um ator de teatro. Completou o curso secundário no Colégio Anglo Americano e aperfeiçoou os estudos de balé em Buenos Aires, no Teatro Colón.

Sua estréia profissional nos palcos aconteceu em 1941, quando interpretou Mirandolina, na peça La locandiera. Em 1944, montou sua própria companhia teatral, reunindo alguns dos nomes mais importantes do teatro brasileiro, como Cacilda Becker, Maria Della Costa e a diretora Henriette Morineau. Pouco mais tarde, foi para Portugal, onde dirigiu peças durante quatro anos, com grande sucesso.

Na década de 60, vieram os sucessos dos musicais, como Minha Querida Dama (My Fair Lady), estrelado por Bibi e Paulo Autran. Nessa época atuou também em musicais de teatro e televisão. Em 1960, iniciou a apresentação na TV Excelsior de São Paulo, de Brasil 60 (61, 62, 63, etc, conforme o ano), um programa ao vivo, que durante dois anos levou à televisão os maiores nomes do teatro.

Bibi Ferreira participou, atuando ou dirigindo, de alguns dos grandes espetáculos teatrais e musicais montados no Brasil. Em 1970, dirigiu Brasileiro: Profissão Esperança, de Paulo Pontes (foi numa das versões desse espetáculo que pela primeira vez dirigiu a cantora Maria Bethânia;  na outra versão dirigiu Clara Nunes); em 1972, atuou em O Homem de La Mancha ao lado de Paulo Autran, com tradução de Paulo Pontes e Flávio Rangel, além das versões de Chico Buarque e Ruy Guerra  para as canções; em 1975, participou de Gota d'Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes; em 1976, dirigiu Walmor Chagas, Marília Pêra, Marco Nanini e 50 artistas em Deus lhe Pague, de Joracy Camargo.
[editar] Década de 1980

Na década de 1980, dirigiu de textos comerciais a peças de dramaturgia sofisticada, de musicais de grande porte a dramas intimistas. Em 1980, dirigiu Toalhas Quentes, de Marc Camoletti; em 1981, Um Rubi no Umbigo, de Ferreira Gullar, e Calúnia, de Lillian Hellman. No mesmo ano, com sua produção e direção, estreou O Melhor dos Pecados, de Sérgio Viotti, promovendo a volta aos palcos de Dulcina de Moraes, após vinte anos de ausência.

Em 1983 voltou aos palcos com Piaf, a Vida de uma Estrela da Canção, espetáculo de grande sucesso de público e crítica. Por sua atuação recebeu os prêmios Mambembe e Molière, em 1984 e, no ano seguinte, da Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (APETESP) e Governador do Estado. O espetáculo, que fez muitas viagens, permaneceu seis anos em cartaz e, em quatro anos, atingiu um milhão de espectadores, incluindo uma temporada em Portugal, com atores portugueses no elenco.

Nos anos 90, Bibi Ferreira reviveu seus maiores sucessos, remontando Brasileiro, profissão: Esperança e fazendo um espetáculo em que cantava canções e contava histórias de Piaf. Em Bibi in Concert, comemorou 50 anos de carreira e, depois de anos de temporada, fez o Bibi in Concert 2.

Em 1996 recebeu o Prêmio Sharp de Teatro. Encenou Roque Santeiro, de Dias Gomes, em versão musical. Em 1999, dirigiu pela primeira vez uma ópera, Carmen de Georges Bizet.

No ano de 2001, Bibi estréia no Rio de Janeiro o espetáculo Bibi vive Amália, no qual contava e cantava a vida da grande fadista portuguesa Amália Rodrigues. No ano de 2003 foi homenageada pela escola de samba carioca Viradouro

Em 2003 dirigiu Antônio Fagundes em Sete Minutos. Em 2004, lançou CD e DVD do show Bibi Canta Piaf, em que a artista interpretava a cantora francesa Edith Piaf. Em outubro de 2005, Bibi Ferreira estreou o show Bibi in Concert III - Pop, em São Paulo.

Em 2007 Bibi voltou ao teatro de prosa em Às favas com os escrúpulos, de autoria de Juca de Oliveira e dirigida por Jô Soares.

Em 2009, em pleno Ano da França no Brasil, voltou ao palco do Maison de France para uma curtíssima temporada de Bibi canta e conta Piaf, do alto dos 87 anos, quando cantou Piaf e La Marseillaise, além do Chant des partisans.

Fonte: Wiklipedia.

Cambalhotas do Otto

Como bebem as esquerdas! Era uma sexta-feira e eu fui ao Antonio's. Hoje, o verdadeiro sábado é a sexta-feira. E, ainda outro dia, dizia-me um pau-d'água grã-fino: — "Não há mais sábados, nem há mais domingos". Depois de mutilar a semana, concluiu, com o olho parado do bêbedo: — "Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica".

"A virtude prevarica" já era o efeito literário, a frase elaborada ainda na lucidez. Seja como for, a esquerda escolhe a sexta-feira para modular seus palavrões e babar seus pileques. Não sei se em toda parte e em todos os idiomas acontece o mesmo. No Brasil ou, mais precisamente, no Leblon, as esquerdas são pornográficas com a maior efusão e abundância.

Mas por que escolhi o Antonio's e não, por exemplo, o Nino ou o Bateau, ou outro qualquer? Porque só o Antonio's tem a função e o destino do boteco ideológico. Repito: — sem o Antonio's, o esquerdista não estará completa e definitivamente equipado. É lá que ele vai ensaiar o seu gesto, exercitar sua ênfase, empostar sua voz e esculpir suas caras.

Justiça se lhes faça: — são as esquerdas mais plásticas do mundo. Fazem caras, e gesticulam, e saltam, e sapateiam, e atropelam, e cavalgam as cadeiras, e trepam nas mesas. Eis o que eu queria dizer: — vale a pena atravessar três desertos para vê-las. Além disso, tinha eu um outro motivo, de natureza sentimental, para ir ao Antonio's. Era a esperança de lá encontrar o meu amigo Otto Lara Resende. O Otto estava no Rio, ou por outra: — esteve, porque já voltou para Lisboa.

E o meu amigo, de um lado, e as esquerdas, de outro, fizeram da última sexta-feira uma noite inesquecível. Aqui, abro um parêntese para falar do Otto. Ele apareceu tarde da noite e logo senti que vivia um grande momento. Sem se atrelar às esquerdas, está à vontade no Antonio's como um peixinho no seu aquário natal. Mesmo porque os donos, os empregados e os fregueses o tratam na palma da mão. No Brasil, ninguém é mais doutor. O único doutor que ainda se conhece, na vida real, é o dr. Britto, do Jornal do Brasil.

Pois bem: o Otto é doutor para todos os garçons do Antonio's.

E há pior: — lá, ele jamais consegue pagar uma única e mísera despesa. A casa não aceita um tostão do meu amigo. Mas Otto chegou e alguém, jamais identificado, enfiou-lhe na mão uma garrafa de champanha. Não pensou duas vezes. Fez saltar a rolha e bebeu pelo gargalo. Eis a cena que arrancou aplausos até dos mais apáticos: — essa do Otto beber champanha pelo gargalo.

Nem se pense que parou aí. Contou anedotas. Fez piruetas como o acrobata que testa a própria elasticidade antes da cambalhota suprema. Imaginem que, certa vez, confidenciara a um amigo: — "Eu sou a Idade Média". A partir de então, os íntimos passaram a chamá-lo assim.

Sábado, o Hélio Pellegrino batia o telefone para mim e perguntava: — "Viste a Idade Média?". E eu mesmo, falando com Waldomiro Autran Dourado, dizia-lhes: — "Vou-me encontrar com a Idade Média". E, no entanto, o Otto de sexta-feira, no Antonio's, era muito mais a belle époque do que a Idade Média. Ao tomar champanha pelo gargalo, era a belle époque que irrompia, de repente, ali no Leblon. Uma euforia datada do princípio do século e, repito, anterior à primeira batalha do Marne. Só faltou beber champanha no sapato de uma cocote.

E, por toda uma noite, o Otto foi a ex-Idade Média.

Neste momento fecho o parêntese sobre o amigo e volto às esquerdas. Até aqui tenho pluralizado; e, daqui por diante, vou dar-lhes o nome singular, e mais autêntico, de "a festiva".

Dizia eu, no início do capítulo, que "a festiva" bebe. Esqueci-me, porém, de acrescentar a pergunta: e por que bebe? Sim, por que bebem as esquerdas?

Domingo, fui passear com o Hélio Pellegrino e acabamos no parque Laje. A luz dourava a aragem muito leve. E, súbito, não sei se eu, ou Hélio, disse ao outro: — "O parque Laje é o anti-Antonio's!". Em seguida levamos tal descoberta às suas últimas conseqüências. Aquele domingo, de um azul jamais concebido, também era o anti-Antonio's. E a cidade, e as esquinas, a gente, e o próprio Leblon, tudo era o anti-Antonio's.

Não exagero. Dizia-me o Pellegrino: — "O Rio é a cidade mais alegre do mundo". Ele falava de uma alegria absurda e total.

Segundo o Otto, até os nossos esgotos, os nossos ralos, são um festival de ratazanas. E o Antonio's é a antifesta. Suas mesas, suas toalhas, seus bifes, estão embebidos de tristeza.

Cabe então a pergunta: — por quê?

Tentarei explicar. Não é uma tristeza própria, mas adquirida. Repito: adquirida das nossas esquerdas. Estas vão para lá exalar suas cavas depressões. Claro que há três ou quatro melancolias auxiliares de grã-finos errantes na madrugada. Todavia, a tristeza fundamental se evola da "festiva".

E, por isso, porque são tristes, as esquerdas bebem.

Pouco a pouco, o álcool vai desatando não sei que euforias misteriosas e frenéticas. Em seu estado normal, e enquanto sóbria, a "festiva" não é festiva. Tem que, primeiro, encharcar-se. Depois, então, cada um dos seus membros torna-se um ser maravilhosamente plástico, elástico, luminoso. É capaz de virar cambalhotas inexcedíveis; e de equilibrar laranjas no focinho; e de ventar fogo por todas as narinas.

Alguém poderia perguntar: — e por que "a festiva" é triste?

Vejamos. O homem comum fica triste quando se lembra que morre. E a "festiva" bebe porque há de morrer um dia? Não. Nenhum perigo a ameaça. Há o Vietnã. E as esquerdas quando falam da guerra longínqua têm rompantes ferozes. Mas o Vietnã está lá e nós aqui. Há uma sábia distância entre os heróis do Leblon e o perigo.

E, assim, sem arredar pé do Antonio's, a "festiva" chegará aos setenta, oitenta e, eu diria mesmo, noventa anos.

Saí do Antonio's, no fim da madrugada. Lá ficaram as esquerdas, babando o seu pileque e arrotando os últimos palavrões.

[30/1/1968]

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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

A vaca premiada

Não há ser mais pungente e, repito, não há ser mais plangente do que o brasileiro premiado. O inglês, não, nem o francês. Um ou outro recebe qualquer prêmio com modéstia e tédio. Quando deram a Churchill o Nobel de literatura, ele nem foi lá. Mandou a mulher e continuou em Londres, tomando o seu uísque e mamando o seu charuto. O francês ou o alemão também reagiria com o mesmo superior descaro.

E que faria o brasileiro? Sim, o brasileiro que, de repente, recebesse um telegrama assim: — “Ganhaste o prêmio Nobel. Gustavo da Suécia”. Pergunto se algum brasileiro, vivo ou morto, teria a suprema desfaçatez de mandar um representante, como fez o Churchill? Por exemplo: — o meu amigo Otto Lara Resende. Se a Academia Sueca, por unanimidade ou sem unanimidade, por simples maioria, o preferisse.

Semelhante hipótese, que arrisquei ao acaso, já me fascina. O Otto, prêmio Nobel. Que faria ele? Ou que faria o Jorge Amado? Ou o Érico Veríssimo? Eis o que eu queria dizer: — qualquer um de nós iria, a nado, buscar o cheque e a medalha. Nem se pense que faríamos tal esforço natatório por imodéstia. Pelo contrário. Nenhuma imodéstia e só humildade.

A nossa modéstia começa nas vacas. Quando era garoto, fui, certa vez, a uma exposição de gado. E o júri, depois de não sei quantas dúvidas atrozes, chegou a uma conclusão. Vi, transido, quando colocaram no pescoço da vaca a fitinha e a medalha. Claro que a criança tem uma desvairada imaginação óptica. Há coisas que só a criança enxerga. Mas quis-me parecer que o animal teve uma euforia pânica e pingou várias lágrimas da gratidão brasileira e selvagem.

Cabe então a pergunta: — e por que até as vacas brasileiras reagem assim? O mistério me parece bem transparente. Cada um de nós carrega um potencial de santas humilhações hereditárias. Cada geração transmite à seguinte todas as suas frustrações e misérias. No fim de certo tempo, o brasileiro tornou-se um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: — não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima.

Se não me entenderam, paciência. E tudo nos assombra. Um simples “bom-dia” já nos gratifica. Nunca me esqueço de minha iniciação jornalística. Trabalhei num jornal que não pagava. Mas o diretor, um escroque perfumadíssimo e, insisto, mais cheiroso do que uma cocote, era o gênio do cumprimento. Não passava por um funcionário sem lhe apertar a mão, e sem lhe sorrir, e sem lhe piscar o olho. E o cumprimento do chefe era, para o repórter ou para o faxineiro, a própria remuneração.

Fiz as divagações acima porque assisti, no último sábado, à entrega dos prêmios do Museu da Imagem e do Som. A cerimônia ia ser televisada. Disse de mim para mim: — “Vamos ver se o brasileiro mudou“.

Fiz, preliminarmente, uma breve autocrítica. Eis o que me perguntei: — “Será que estou frustrado, ressentido, humilhado, de não ser um deles?”. Há vinte anos, quando comecei minha carreira, queria ter o meu nome no jornal de qualquer maneira e a qualquer preço. Ah, quantas vezes escrevi sobre mim mesmo. Assinava com um nome inventado e mandava publicar. E, depois, vinha perguntar cá fora: —“Conhece esse sujeito? Escreveu sobre mim. Não sei quem é”.

Pois bem: — e comecei a entrar em todos os concursos de peças, de reportagens, de contos, crônicas, o diabo. Todo mundo era premiado, menos eu. No primeiro ano, segundo, terceiro, eu estrebuchava de humilhação. Por fim, veio um doce e compassivo fatalismo. Repito: — “não ser premiado” é o meu hábito de vinte e tantos anos. (Minto. Outro dia, recebi no Chacrinha o prêmio de melhor cronista esportivo de jornal. E a verdade é que reagi como brasileiro. Escolhi o meu melhor terno, a minha melhor gravata, o meu melhor sapato.

Meia hora antes estava na televisão. Lá encontrei o João Saldanha, também contemplado. Vagando pelos corredores da TV Globo, à espera da nossa convocação, tínhamos, os dois, um ar indubitável de prêmio Nobel).

Volto ao sábado. Sala Cecília Meireles. Como o governo da Guanabara estava ligado aos prêmios, compareceu o governador Negrão de Lima. Ele, em pessoa, faria a entrega. E, para maior ênfase do acontecimento, puseram lá uma banda de música. Um dos premiados era Oscar Niemeyer.

Outro: Glauber Rocha; outro ainda: Pelé.

Dirá alguém que eram prêmios modestos. Não importa.

A vaca já citada recebeu muito menos, ou seja, uma fitinha com uma medalha, e nasceu nos seus dentes toda uma espuma; a gratidão escorria-lhe em forma de baba elástica.

Eis o que me perguntava: — como reagiria Oscar Niemeyer?

(Bato estas notas e sou perseguido por uma obsessão pueril e terrível. Não me sai da cabeça a seguinte cena: — o Otto indo buscar, a nado, o prêmio Nobel). E, de repente, o ator Sérgio Cardoso diz o nome de Oscar Niemeyer. A platéia quase veio abaixo. O nome de Pelé foi muito menos aplaudido. E, no entanto, para o gosto popular, as botinadas estão muito mais próximas do sublime do que a arquitetura.

Na minha casa, eu adulava a minha úlcera com pires de leite. E não entendia mais nada. Por que esse amor súbito e ululante por um arquiteto? Desde quando a arquitetura teve, no Brasil, um Frank Sinatra? Estava vendo a hora em que os presentes, de pé, iam berrar como nos comícios do Brigadeiro: — “Já ganhou! Já ganhou!”. Mas por que essa ovação de Cauby Peixoto? Era a pergunta que continuava sem resposta.

E, súbito, percebo toda a verdade. Não era o arquiteto, era o gênio. O povo não gosta das invenções plásticas de Oscar Niemeyer. Abomina. O que o povo adora é aquele prédio do elixir de Nogueira, ali na Glória, perto do Relógio. O homem comum entende que a casa feita por Oscar Niemeyer não serve para dormir, amar, morrer ou simplesmente estar. Não importa. É gênio.

Pouco depois chegou a vez de Glauber. Outra ovação formidável. O grande público não gosta dos seus filmes, não entende seus filmes. Mas é outro gênio. Chamam-no de maluco. A figura que tenha essa lenda de insânia fascina o povo. Lembro-me de um conhecido que foi ver Terra em transe e veio-me dizer, deslumbrado: — “Não entendi nada”.

Estava gratíssimo ao filme e ao seu autor. O povo desconfia do que entende, desconfia do que gosta. E Glauber Rocha, ao surgir na sala, era uma figura. A cabeleira mais selvagem do que as cerdas bravas do javali. Subiu a escadinha do palco com um passo ágil, elástico, quase alado. Mas nem Glauber, nem Oscar Niemeyer fizeram a concessão de um sorriso. A cara do Niemeyer estava fechada, inescrutável, como certas máscaras cesarianas. (Ah, como o brasileiro precisa ter um gênio à mão. Sim, para apalpá-lo, farejá-lo. A simples existência de um gênio patrício já nos permite um mínimo de auto-estima).

E, por fim, o Luís Carlos Barreto, o formidável animador do Cinema Novo, foi receber o seu. Subindo, disse, à queima-roupa, ao governador: — “O dinheiro já saiu”. E aí, nessa voracidade jucunda, estava todo o Brasil.

[23/1/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Stephen King

Em muitos cantos do mundo, a mera menção do nome dispensa apresentações. Nascido em Portland, no estado americano do Maine, a 21 de Setembro de 1947, Stephen Edwin King foi o segundo filho de Donald e Nellie Ruth King.

Frequentou o Lisbon High School, em Lisbon Falls, e daí seguiu para a University of Maine, onde se viria a formar em 1970, obtendo o título de Bachelor of Science em Inglês.

Quase de imediato, foi chamado à inspeção militar e considerado inapto, sendo os motivos invocados "elevada tensão arterial, visão limitada, pés chatos e tímpanos perfurados." Tabitha Spruce, poeta e escritora, pareceu não se importar, pois casou-se com King no ano seguinte.

Trabalhando como professor de inglês e escrevendo à noite e nos fins-de-semana, King vendeu contos de ficção a variadas revistas. Só em 1973 viria a encontrar um comprador para o seu primeiro romance, Carrie, a história de uma adolescente infeliz com habilidades psíquicas que não pode controlar. O sucesso do livro - no ano seguinte tornado filme com o título de Carrie, A Estranha por um "desconhecido" Brian de Palma - permitiu-lhe finalmente abandonar o ensino para se dedicar à escrita a tempo inteiro. O resto, como se costuma dizer, é história.

A Carrie seguiu-se Jerusalem's Lot, seguido por The Shining (O Iluminado) - transportado para o cinema por Stanley Kubrik - , seguido por The Stand, seguido por mais de duas dezenas de romances que não decepcionaram nem leitores nem livreiros.

Várias das obras conseguiram mesmo reunir a aprovação quase unânime dos críticos literários. Entre 1977 e 1984, publicou ainda cinco romances sob o pseudônimo de Richard Bachman, antes de a sua identidade secreta ser revelada.

Hoje, Stephen King é, talvez, o escritor de Língua Inglesa mais lido em todo o mundo. O mais bem pago do planeta é, de certeza. Detém também o recorde de maior número de obras adaptadas para o cinema ou televisão.

São poucos os seus contos, novelas ou romances que não foram ainda transferidos para a tela. A maior parte não é sequer digna de nota, mas há algumas jóias que se destacam como: Carrie, The Shining (O Iluminado), Misery, Os Condenados de Shawshank e Eclipse Total (Dolores Clairborne, no original), incluindo também Green Mile - À Espera De Um Milagre, com Tom Hanks no principal papel.

O trabalho de King insere-se principalmente no gênero do Horror, ao qual King tem alargado os horizontes. Alguns consideram-no mesmo responsável pela grande expansão que o gênero sofreu, em termos de mercado, após finais da década de 70.

(Adaptado da biografia de Stephen king escrita por Ricardo Madeira)

Fonte: Biografia de Stephen King

Robert Louis Stevenson

Tido a princípio como ensaísta artificial e afetado, ou mero escritor de livros infantis, somente meio século após sua morte Stevenson passou a ser visto como autor vigoroso e original, que em seus ensaios e romances revela aguda percepção da alma humana.

Robert Louis Balfour Stevenson nasceu em 13 de novembro de 1850 em Edimburgo, Escócia. Filho de renomado engenheiro civil, recusou-se a seguir a profissão do pai e comprometeu-se a estudar direito, mas abandonou o curso para ser escritor.

Em 1873 viajou à França em busca de clima mais adequado ao tratamento dos problemas respiratórios que o atormentavam. Suas freqüentes viagens ao exterior, em especial à França, foram relatadas no livro de crônicas An Inland Voyage (1878; Uma viagem pelo interior) e Travels with a Donkey in the Cévennes (1879; Viagem com um asno nas Cévennes).

Em 1881 fixou residência na Escócia e posteriormente em Bournemouth, na Inglaterra, onde pôde se dedicar inteiramente à literatura. Ainda em 1881 Stevenson publicou Virginibus puerisque (Às donzelas e aos garotos) e, em 1883, Treasure Island (A ilha do tesouro). Com esses livros, angariou prestígio imediato junto ao público pela capacidade de prender a atenção do leitor, graças à maneira habilidosa de contar suas histórias. Em todas as obras de ficção, Stevenson manteve o gosto pela aventura e pelo fantástico, a que se mistura uma notável capacidade de análise psicológica dos personagens.

O livro que lhe deu maior popularidade, no gênero de romance de aventuras, foi Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hide (1886; O médico e o monstro), no qual o autor aborda as duas naturezas antagônicas da alma humana. The Merry Men and Other Tales and Fables (1887; Os homens alegres e outras histórias e fábulas) revela a inclinação de Stevenson pelos temas de terror. Kidnapped (1886; Seqüestrado), que teve seqüência em Catriona (1893), e The Black Arrow: A Tale of the Two Roses (1888; A flecha negra: história de duas rosas) são romances históricos.

Em agosto de 1887, ainda com o objetivo de tratar da saúde, foi para Nova York, onde encontrou boa recepção do público. Vários editores interessaram-se pela publicação de suas obras e chegaram a oferecer-lhe contratos lucrativos. Nessa época, escreveu The Master of Ballantrae (1889; O senhor de Ballantrae), outra obra em que trata da ambigüidade moral, num relato impactante prejudicado pelo desfecho artificial.

Em 1888 Stevenson empreendeu viagem com a família pelas ilhas do Pacífico sul, novamente motivado por problemas de saúde. Nesses lugares exóticos, esforçou-se por compreender a vida dos nativos, e como resultado escreveu In the South Seas (1896; Nos mares do sul) e A Footnote to History (1892; Nota de rodapé da história). Decidiu então fixar-se em Vailima, Samoa Ocidental, onde durante o resto da vida contou com a simpatia e a admiração dos nativos.

Seus últimos romances reproduzem, com notável lucidez, a frustração do homem diante do contraste entre o desejo e a realidade. A esse período pertence também a coletânea de poesias Ballads (1890; Baladas). Stevenson morreu em Vailima, Samoa, em 3 de dezembro de 1894.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.