quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O diabo brinca com um mordomo

Um cavalheiro na Irlanda, que vivia perto da casa do conde de Orrery, enviou seu mordomo uma tarde para uma aldeia próxima, a comprar cartas de baralho.

Quando este passou por um campo, divisou um grupo no meio, sentado em torno de uma mesa, onde havia várias iguarias. Quando se aproximou do grupo, todos os seus componentes se levantaram e o saudaram, expressando o desejo de que se sentasse e com eles partilhasse da comida. 

Um deles, no entanto, sussurrou as seguintes palavras no seu ouvido: - Nada faça do que eles o convidam a fazer. - Então, como ele recusou a aceitar-lhes o convite, a mesa e todas as iguarias que a eles guarneciam desapareceram, mas o grupo entrou a dançar ao som de vários instrumentos.

Foi outra vez o mordomo solicitado a participar dos divertimentos, mas nada o convencia a neles ingressar. Por esse motivo, os membros do grupo abandonaram o seu divertimento e começaram a trabalhar, solicitando ainda ao mordomo que a eles se juntasse. Este, no entanto, recusou. Assim, diante de sua terceira recusa, eles todos desapareceram e deixaram o mordomo sozinho, o qual, muito consternado, regressou à casa sem os baralhos, desmaiou quando passou pela porta, mas recuperou os sentidos e contou a seu patrão tudo o que se passara.

Na noite seguinte, um dos fantasmas veio para o pé de sua cama e disse-lhe que, se ousasse dela sair no dia seguinte, seria carregado. Aceito esse conselho, manteve-se quieto até a tardinha, mas, tendo necessidade de urinar, aventurou-se a colocar um pé para fora da porta, coisa que ele tinha acabado de fazer quando uma corda lhe foi passada pela cintura, à vista de várias testemunhas, e o pobre homem foi arrastado para fora da casa com uma rapidez inexplicável, seguido por muitas pessoas.

Mas não foram bastante ágeis para alcançá-lo, até que um cavaleiro, muito bem montado, encontrando-o na estrada e vendo muitos seguidores atrás de um homem puxado por uma corda, sem que ninguém o forçasse, pegou da corda e o parou em sua carreira, mas, em pagamento, recebeu uma tal lambada nas costas, com uma das extremidades da corda, que quase caiu do cavalo. No entanto, sendo um bom cristão, ele se mostrou excessivamente forte para o diabo, e resgatou o mordomo dentre as mãos dos espíritos, trazendo-o de volta para seus amigos.

O lord Orrery, ouvindo falar de tais lances, para conhecer-lhes melhor a verdade, mandou chamar o mordomo, com permissão de seu empregador, e pediu-lhe que passasse algumas noites em sua casa, ao que o empregado obedeceu. O empregado, depois de ali pernoitar pela primeira vez, disse ao conde que o espectro voltara a visitá-lo e lhe dissera que naquele mesmo dia ele desapareceria nos braços dos espíritos, por mais que se tomassem medidas para impedir que isso acontecesse. Diante do que foi levado a um grande aposento, onde se encontravam em grande número pessoas santas para defendê-lo dos assaltos de Satã, entre as quais estava o famoso restaurador de pessoas enfeitiçadas, o senhor Geatrix, que morava nos arredores, e sabia, como se pode supor, como tratar o diabo tão bem quanto qualquer outra pessoa. Além disso, havia dignitários eminentes na casa, entre os quais dois bispos, todos esperando o acontecimento maravilhoso de tal inexplicável prodígio.

Até que decorresse parte da tarde, o tempo passou-se em paz e tranqüilidade, mas, por fim, percebeu-se que o paciente encantado elevava-se do solo sem qualquer ajuda visível, o que fez com que o senhor Geatrix e outro homem, este muito forte, o agarrassem pelos ombros e procurassem trazê-lo de volta ao solo, mas sem resultado. Pois o diabo mostrou-se excessivamente poderoso e, depois de uma luta renhida entre as partes opostas, obrigou os seus inimigos a largar o homem e, retirando-lhes o mordomo, transportou-o por sobre a cabeça dos presentes e o atirou no ar, de um lado para o outro, como se fosse um cachorro num lençol, enquanto várias pessoas corriam por debaixo do pobre homem para evitar que caísse ao chão. Por quais meios, quando terminou a brincadeira dos espíritos, não se pôde achar como naquela baderna, houvesse o amedrontado mordomo recebido o menor dano, saído ileso, aparecendo no mesmo lugar, na mesma condição, para provar que o demônio é um mentiroso.

Os duendes tendo, nessa ocasião, abandonado o seu passatempo e deixado o objeto de seu escárnio repousar um pouco, para que se pudesse revigorar antes do novo ataque, o lorde ordenou que, na mesma noite, dois de seus empregados com ele dormissem, com medo de que o diabo ou outra entidade viesse e o agarrasse, cochilando. Não obstante isso, o mordomo disse ao lorde na manhã seguinte que o espírito voltara a visitá-lo, com a aparência de um falso médico, e trazia na mão direita um prato de madeira cheio de um licor verde, como caldo de carne, à vista do que tentou acordar os seus companheiros de leito.

Mas o espectro disse-lhe que suas tentativas eram baldadas, pois seus companheiros, encantados, estavam mergulhados num profundo sono, e avisou-o para não se atemorizar, porque ele era o mesmo espírito que o precavera no campo, para que não se juntasse ao grupo que ali se reunia, quando partira para comprar cartas de jogar; acrescentou o espírito que se o mordomo não se tivesse recusado a obedecer ao que lhe pedia o grupo teria passado a sofrer a vida inteira. Também o espírito se mostrou espantado de que o mordomo houvesse escapado no dia anterior, porque sabia que contra ele se formara uma poderosa combinação. Disse que no futuro não haveria mais tentativas da mesma natureza. Afirmou o espectro que sabia que o mordomo era sujeito a duas espécies de acessos e que, como amigo, trouxera um remédio que o curaria de ambos, aconselhando-o a que o tomasse.

Mas o pobre paciente, que fora miseravelmente tratado por tal espécie de charlatães vestidos de médicos, e temendo que o demônio estivesse no fundo do prato, não queria deixar-se convencer a engolir a dose, o que enfureceu o espírito. Este disse-lhe, no entanto, que sentia afeição por ele, mordomo, e que, se este amassasse as raízes de uma bananeira, sem as folhas, e bebesse o sumo, ficaria certamente curado de uma espécie de seus acessos. Mas, como punição por causa da teimosia que o mordomo havia demonstrado, sofreria da outra espécie de acessos até morrer.

Então, o doutor espiritual perguntou ao paciente se o conhecia. O mordomo disse que não.

- Eu sou - disse ele - o fantasma errante, a alma penada de seu velho conhecido John Hobby, que faleceu e foi enterrado faz sete anos. E desde então, por causa do mal que fiz em vida, tenho andado em companhia desses maus espíritos que você viu no campo, e sou levado de um lado para o outro nessa condição em que não encontro repouso, estando fadado a continuar no mesmo estado miserável até o dia do juízo final. - Acrescentou o espírito fantasiado de falso médico: - Se você tivesse servido o seu Criador nos dias da juventude, e rezado na manhã em que saiu para comprar cartas de baralho, não teria sido tratado pelos espíritos que o atormentaram com tanto rigor e severidade.

Depois que o mordomo relatou tais passagens maravilhosas ao lorde e família, consultaram-se os dois bispos, presentes entre outras pessoas de qualidade, para saber se devia o mordomo seguir o conselho do espírito e tomar o sumo da bananeira, e se fizera bem ou mal ao recusar tomar o líquido que o espectro lhe oferecera. A questão ao princípio pareceu objeto de discussão, mas, depois de algum tempo, chegaram os bispos à conclusão de que o mordomo agira como um bom cristão, em todo o assunto, pois era um grande pecado seguir o conselho do diabo em qualquer coisa, e que nenhum homem devia praticar o mal com a esperança de conseguir o bem.

Em resumo, o pobre mordomo, depois de seus sofrimentos, não obteve qualquer recompensa pelo que passara, tendo-lhe sido negado, pelos bispos, o benefício, ou a aparência de benefício, que o espírito pretendia conferir-lhe.



Daniel Defoe (1660-1731), o célebre autor de As aventuras de Robinson Crusoé foi um dos mais prolíficos escritores que se conhece, com mais de 500 títulos publicados. Entre os inúmeros gêneros que abordou (religião, política, sociologia, história, ficção, poesia) no seu jornal The Review (que ele escrevia praticamente sozinho). Defoe acreditava profundamente na reencarnação e escreveu  Contos de Fantasmas baseado em entrevistas ou relatos conhecidos. Segundo ele, os episódios aqui relacionados – com exceção dos que estão agrupados sob o título de "Falsos fantasmas" – são todos verdadeiros e, em alguns deles, ele estaria disposta a ir em juízo, levando testemunhas e provas concretas. "A aparição da senhora Veal" é um dos exemplos.

O espectro e o salteador

Uma história nos conta que Hind, o famoso assaltante, o mais famoso desde Robin Hood, encontrou um espectro na estrada num sítio chamado Stangate-hole, no condado de Huntingdon, lugar onde usualmente cometia seus roubos, e famoso por muito assalto de estrada, desde então.

O espectro apareceu na forma de um simples vendedor rural de gado. E como o diabo conhecia muito bem os lugares em que Hind se escondia e que freqüentava, chegou a uma hospedaria, pôs o cavalo na cocheira e fez com que o hospedeiro carregasse a mala que trazia, que era muito pesada, até o quarto que alugara.

Quando se viu no quarto, abriu a mala, retirou o dinheiro, que parecia estar contido em vários pequenos embrulhos, e o colocou em não mais do que dois sacos, distribuídos de maneira a pesar igualmente dos dois lados do cavalo e a chamar tanta atenção quanto possível.

E raro que as hospedarias que abrigam ladrões não sejam freqüentadas por espias, para que proporcionem aos primeiros as necessárias informações. Hind soube do dinheiro, olhou o homem, olhou o cavalo, para que os pudesse reconhecer. Apurou a direção para onde se dirigia o comerciante. Esperou-o e encontrou-o em Stangate-hole, bem no fundo da garganta entre as duas colinas, e o fez parar, dizendo-lhe que devia entregar o dinheiro.

Quando Hind mencionou o dinheiro, o vendedor simulou surpresa, fingiu cair em pânico, tremeu, demonstrou bem o medo, e num tom digno de compaixão disse:


-Não passo, como o senhor vê, de um homem pobre! Na verdade, senhor, não disponho de dinheiro. (Assim o diabo mostrou que podia dizer a verdade, quando isso lhe servia.)

-Seu velho vagabundo! - disse Hind. - Você não tem dinheiro? Vamos, abra os seus alforjes e dê-me os dois sacos, um de um lado da sela e outro, de outro. Como é que você pode não dispor de dinheiro e, contudo, seus sacos são muito pesados para ficarem, os dois, de um lado só? Vamos, entregue o que tem, ou eu o farei em pedaços neste mesmo momento.

Ao dizer isso, é claro que Hind se excedeu, pois pronunciou ameaças que não podia cumprir.

O pobre diabo lamentou-se e chorou, e repetiu que o salteador deveria estar enganado; devia tomá-lo por outra pessoa, porque ele, de fato, não tinha dinheiro.

-Vamos, vamos - disse Hind venha comigo.

E tomou o cavalo do vendedor pelas rédeas e o conduziu para dentro da mata, muito densa de ambos os lados da estrada, porque o negócio tomaria tempo e seria perigoso concluir na estrada aberta.

Quando se achava no interior da mata, disse:

-Vamos, senhor Vendedor de Gado, desmonte e dê-me os sacos neste exato minuto.

Em poucas palavras, fez o pobre homem desmontar, cortou as rédeas e as cilhas do cavalo, abriu os alforjes, onde deu com os dois sacos.

-Muito bem - disse Hind -, aqui estão eles, e tão pesados quanto antes.

Atirou-os ao chão e abriu-os com a faca: num ele encontrou uma corda para enforcar, ou baraço, e noutro deparou com uma peça de estanho sólido na forma exata de uma forca. E o camponês que se achava atrás dele disse:

- Eis o seu destino, Hind. Tome cuidado! Se Hind ficou surpreso com o que achou nos sacos - pois não havia um só centavo de dinheiro no saco onde deu com a corda -, mais surpreso ainda ficou ao ouvir o vendedor chamá-lo pelo nome, e virou-se para matá-lo, pois julgou ter sido reconhecido. Mas o sangue lhe gelou nas veias quando, virando-se (como eu disse) para matar o camarada, não deparou com mais do que o pobre cavalo.

Caiu ao chão e ali permaneceu por um tempo considerável. Não lhe foi possível dizer quanto tempo, porque estava sozinho, mas deve ter sido questão de muitos minutos. Voltando a si, por fim, partiu aterrorizado ao mais alto ponto e envergonhado, pensando no que tudo aquilo significava.

Indiquei que não havia dinheiro num dos sacos, mas havia uma moeda no outro, moeda essa que a história diz que era escocesa: uma moeda na Escócia intitulada de um "quatorze", o que corresponde em inglês a treze pence e meio penny para pagar o carrasco. É possível supor que daí tenha derivado o dito popular, até hoje em uso, de que treze pence e meio penny é o soldo do carrasco.


Daniel Defoe (1660-1731), o célebre autor de As aventuras de Robinson Crusoé foi um dos mais prolíficos escritores que se conhece, com mais de 500 títulos publicados. Entre os inúmeros gêneros que abordou (religião, política, sociologia, história, ficção, poesia) no seu jornal The Review (que ele escrevia praticamente sozinho). Defoe acreditava profundamente na reencarnação e escreveu  Contos de Fantasmas baseado em entrevistas ou relatos conhecidos. Segundo ele, os episódios aqui relacionados – com exceção dos que estão agrupados sob o título de "Falsos fantasmas" – são todos verdadeiros e, em alguns deles, ele estaria disposta a ir em juízo, levando testemunhas e provas concretas. "A aparição da senhora Veal" é um dos exemplos.

Mausoléu de Halicarnasso

O mausoléu foi uma homenagem que a rainha Artemísia II, mandou construir, em 353 a.C., para o túmulo de seu irmão e esposo, o rei Mausolo. O rei Mausolo, era sátrapa da província de Cária, governou entre 377 e 353 a.C., e vivia em Halicarnasso na Turquia.

A palavra mausoléu surgiu por conta do rei Mausolo, que teve um reinado sem grandes percalços. Casou-se com a irmã, Artemísia, que o amava muito. Quando morreu, a tristeza dela foi tão grande que, segundo uma lenda, ordenou que as cinzas dele fossem misturadas à sua água e comida, para lamentar sua perda.

Para celebrar seu irmão e marido, Artemísia encomendou um grande mausoléu que abrigasse seus restos mortais. Selecionou o arquiteto Pítis para o projeto e contratou quatro escultores para embelezar a edificação (isso queria dizer um escultor para cada face do templo - Pítis esculpiria a estátua que decoraria o ápice do mausoléu). Os escultores selecionados foram Escopas, Briáxis, Leocarés e Timóteo.

Uma colina com vista para a cidade e a baía foi selecionada como local do mausoléu. Os trabalhos foram iniciados em 353 a.C. O mausoléu tinha 45 metros de altura, com uma base de 32 metros; incluía uma pirâmide de 24 degraus e sete metros de altura; e uma estátua encimando o conjunto, com altura de seis metros. O historiador Plínio, da era clássica, escreveu que o perímetro do mausoléu tinha 134 metros.

Escavações mais modernas levaram uma equipe dinamarquesa que trabalhou no local entre 1966 e 1977 a revelar que a construção provavelmente tinha 30 por 36 metros, com 36 colunas de sustentação.

A rainha jamais viu pronto o monumento a seu marido. Morreu apenas dois anos depois de Mausolo e foi sepultada com ele. No entanto, os trabalhos no mausoléu continuaram porque os artistas desejavam concluir seus projetos. Entre eles estavam a escultura de Mausolo e Artemísia em um carro puxado por quatro cavalos, obra de Pítis; frisos descrevendo a guerra entre os gregos e as amazonas; diversas corridas e guerras entre os lápitas (o povo da antiga Tessália) e os centauros (criaturas míticas, meio homens, meio cavalos); além de outras esculturas. Hoje, alguns restos dessas esculturas e frisos podem ser vistos no Museu Britânico.

No século 15, terremotos abalaram a fundação do mausoléu, que despencou lentamente. Por volta de 1494, os Cavaleiros de São João de Malta usaram os restos do tempo para reforçar seu castelo. Eles também queimaram colunas de mármore para criar argamassa.

Escavações no mausoléu localizaram coisas bastante interessantes. Em 1522, Charles Guichard localizou a câmara de sepultamento de Artemísia, que continua um sarcófago de alabastro - mas, misteriosamente, nenhum cadáver. A equipe dinamarquesa que escavou o local no fim dos anos 60 encontrou restos de ovos, pombas, carneiros e bois, provavelmente oferecidos ao rei e rainha como alimentos para depois da morte.

Fontes: History Channel; Princeton; HistoriaMais.