quinta-feira, 29 de março de 2012

Homem no mar

De minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas, pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e humildes; perto da terra a onda é verde.

Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Ele nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que ele.

Justo: espumas são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na água.

Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita de que um desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando na praia deserta. Não sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solitário como se ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinqüenta metros, e o perderei de vista, pois um telhado a esconderá.

Que ele nade bem esses cinqüenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem.

É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo. Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu poderei sair da varanda tranqüilo, pensando — "vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu".

Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o. Não consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum gesto a favor de alguém, nem construindo algo de útil; mas certamente fazia uma coisa bela, e a fazia de um modo puro e viril.

Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão; mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão.

Janeiro, 1953.
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Extraído do livro "A Cidade e a Roça" - Rubem Braga - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 11.

Observações morais, satíricas ou irônicas

"O homem que se vende recebe sempre mais do que vale".

"Quem foi mordido de cobra até de minhoca tem medo".

"Sabendo levá-la, a vida é bem melhor do que a morte".

"As criança atingem aos sete anos a idade da razão. Depois disso, começam a praticar toda espécie de loucura, até o juízo final".

"É mais fácil sustentar dez filhos do que um vício".

"Diplomata é um homem inteligente que consegue convencer a senhora que, com um casaco de pele, pareceria muito mais gorda".

"A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados".

"Queres conhecer o Inácio, coloca-o num palácio".

"O mal alheio pesa como um cabelo".

"El vivo vive del sonzo y el sonzo, de su trabajo".

"Há Cadillacs de oitenta cavalos, sem contar com o proprietário".

"Aquele senhor era tão tímido que até tinha vergonha de proceder honestamente".

"Desgraça de jacaré são essas bolsas de couro".

"A primeira ação de despejo de que se tem memória foi a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, fundamentada na falta de pagamento de aluguel e comportamento irregular".

"Esporte é tudo aquilo que fazemos para deixar de fazer justamente aquilo que deveríamos fazer".

"Os homens são sempre sinceros. O que acontece, porém, é que às vezes trocam de sinceridade".

"Quem é mais porco? O porco ou o homem que come o porco?"

"O médico militar é um doutor que examina rigorosamente o soldado para ver se ele está em perfeito estado de saúde para ir morrer no front".

"Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará cacete como o pai".

(Barão de Itararé)
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Do livro "Máximas e Mínimas do Barão de Itararé", Editora Record - Rio de Janeiro, 1985, pág. 115.