terça-feira, 3 de abril de 2012

O café com leite

A um oficial holandês devem os brasileiros um hábito alimentar nacional: a média, isto é, o café com leite. De acordo com o historiador José Teixeira Oliveira, autor de A História do Café no Brasil e no Mundo (Editora Itatiaia, 1984), quem trouxe a mistura para o Ocidente foi Johann Jacob Nieuhof, um oficial da Companhia Holandesa das Índias Orientais.

Em 1655, Nieuhof conheceu, na China, o hábito de dar leite com chá a tuberculosos. Mas apresentou a bebida aos europeus substituindo o chá por café. Os alemães adoraram e popularizaram, entre os séculos XVII e XVIII, a nossa hoje famosa média. Como o café era caro, a mistura ainda resultava em economia.

Oliveira observa que o costume foi registrado, na mesma época, na Inglaterra. Mas ninguém explica como chegou lá ou como ele se difundiu pela Europa. Tampouco se conhecem as circunstâncias em que desembarcou no Brasil.

“O certo é que não foi antes de 1727, quando o sargento Francisco de Melo Palheta trouxe da Guiana Francesa as primeiras mudas da planta”, conta o escritor João de Scantimburgo, autor de O Café e o Desenvolvimento do Brasil (Editora Melhoramentos, 1980).

Fontes: QI Referências; Superinteressante.

A tróia negra de Palmares

A palavra "quilombo" quer dizer, na língua africana abunda, de Angola, casa no mato onde se açoitam negros fugidos. Quilombola é o escravo refugiado num quilombo. Houve, no Brasil, durante os séculos em que durou a escravidão de africanos inúmeros quilombos.

Em toda parte a toponímia conserva a memória da existência desses valhacoutos. Rios, distritos, povoados, estações, morros, serras existem com esse nome em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Paraná e Santa Catarina.

O mais célebre de todos os quilombos do Brasil foi o de Palmares, tróia negra destruída no fim do século 17. Ficava situado na serra da Barriga, na antiga capitania de Pernambuco, tendo sido, sem dúvida, o primeiro canudos do Brasil.

Começou esse ajuntamento de negros fugidos ao cativeiro em 1630 com a entrada em cena dos conquistadores holandeses que, nesse ano, se apoderaram de Olinda e Recife. Aproveitando a confusão e a desorganização conseqüente à guerra, os escravos se ajuntaram e nas dobras adustas daquela serrania estabeleceram suas palhoças.

De 1643 a 1645, já senhores de grande parte do território nordestino e mais seguros da posse das terras pernambucanas, os holandeses deram sobre a pretalhada quilombada, dispersando nos matos e sertões aqueles que não puderam capturar.

Todavia veio a fase final da campanha da restauração de Pernambuco, que terminaria em 1654 com a rendição dos invasores flamengos na campina do Taborda. Nem lusos nem batavos tiveram, então, tempo de se preocupar com o que se passava naquela serra da Barriga, onde se reorganizavam novamente, mais fortes do que nunca, os quilombos, pois o momento era azado prà fuga da escravaria aos duros trabalhos do eito e à vida de sujeição da senzala.

Conhecidos, pois, esses antecedentes, se compreende que, no decurso do tempo, tenham, naquele local, 20 mil negros resistido a 20 expedições seguidamente enviadas contra eles. Os quilombolas estabeleceram fortes estacadas ou céreas, precedidas de fossos, ao redor das aldeias, onde viviam em palhoças sob a chefia dum zombi ou zumbi.

Cultivavam roça de mandioca e milho na proximidade. Criavam animais domésticos. Exerciam algumas indústrias caseiras e misteres. Guardavam, mais ou menos, os costumes de sua tradição. Foi essa rudimentar sociedade que se convencionou denominar república de Palmares.

Esses escravos, algumas vezes, praticavam correria nas regiões circunvizinhas, roubando plantação ou gado, levando consigo outros negros das fazendas. O exemplo da vida livre que iam gozando provocava a fuga dos pretos das localidades próximas. Suas expedições predatórias constituíam sério perigo aos fazendeiros do sertão.

Por isso, acalmados os furores da guerra holandesa e restituído Pernambuco ao poder de Portugal, logo se pensou em destruir aquele núcleo de rebeldia negra. Mas as diversas expedições enviadas contra ele foram vencidas pela resistência dos pretos alapardados em alfurjas e entrincheirados em paliçadas.

Isso fez com que, em 3 de março de 1687, o governador da capitania de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior, assinasse um contrato com o famoso sertanista de São Paulo, Domingos Jorge Velho, a fim de que este, com a bandeira de seu comando, então em andança no nordeste, atacasse e desse cabo do reduto dos quilombolas.

Logo depois deixou o governo, porém seu sucessor, marquês de Montebelo, dom Antônio Félix Malhado da Silva e Castro, em 3 de setembro de 1691, manteve as condições estipuladas nas quais a escravaria, de novo segura pelos expedicionários paulistas, lhes pertenceria como presa de guerra, devendo ser vendida no Rio de janeiro e em Buenos Aires. Esse contrato foi ratificado por alvará régio de 7 de abril de 1693.

Segundo um estudo do erudito Basílio de Magalhães, Domingos Jorge Velho fora de São Paulo ao nordeste do Brasil a convite de Francisco Dias d'Ávila, chefe da casa da torre da Bahia, sendo nomeado mestre-de-campo dum terço de paulistas, com o qual ajudou aquela casa na exploração e conquista de parte da Paraíba e do Piauí, levada a efeito entre 1671 e 1674 por Domingos Afonso Sertão.

Por uma concessão de sesmaria, firmada pelo governador de Pernambuco, Francisco de Castro Morais, se sabe que foram oficiais desse Terço o sargento-mor Cristóvão de Mendonça Arrais, os capitães Alexandre Jorge da Cruz, Pascoal Leite de Mendonça, Domingos Rodrigues da Silva, Luís da Silveira Pimentel, Simão Jorge Velho, João de Matos, Domingos Luís do Prado, Ajudante Antônio de Souza, Alferes Domingos de Mendonça e Sargento Braz Gonçalves.

Diz o mesmo documento, enumerando os serviços desses bandeirantes, que Domingos Jorge Velho, à frente de oitenta brancos e 1300 arcos do seu gentio, índios auxiliares ou mamelucos paulistas, desceu em estado de guerra contra os negros fugidos e rebeldes de Palmares, que insultavam, invadiam, roubavam, violavam e assassinavam os brancos em todas essas capitanias de Pernambuco.

Esse terço de paulistas veio de Piancó, no Piauí, e foi reforçado por outro de pernambucanos sob o comando de Bernardo Vieira de Melo, que se tornaria famoso mais tarde na chamada guerra dos Mascates e sonharia, em Recife, com uma república à maneira de Veneza.

As duas forças conjugadas atacaram com ímpeto o maior arraial dos quilombolas na serra da Barriga, denominado Cerca Grande, e dele se apoderaram após muitas horas de luta, vencendo desesperada resistência. O combate terminou ao cair da noite, quando, aproveitando a escuridão, o chefe dos negros, o zumbi, logrou fugir, acompanhado dos principais de seus sequazes.

Percebida a fuga, foram perseguidos de perto pelos contrários e, perdendo o rumo, alguns se despenharam duma alta ribanceira, sucumbindo no abismo. Outros foram aprisionados e entre eles se encontrava o zumbi, que os vencedores imediatamente degolaram.

Assim terminou a tróia negra e desse trágico desfecho nasceu a lenda, que, através dos tempos, se espalhou em todo o Brasil e quase tomou foro de história, a qual dizia que, em companhia dos derradeiros defensores de Palmares, o zumbi se suicidara diante dos vencedores atônitos, se lançando do alto duma penha a fundo despenhadeiro.

Historiadores antigos e modernos, doutos e conspícuos, como Sebastião da Rocha Pita e Oliveira Martins, aceitaram essa versão fantasiosa dos acontecimentos. O encontro do ofício do governador de Pernambuco e capitão-general Caetano de Melo e Castro ao governo metropolitano, datado de 13 de março de 1695, documento fidedigno e minucioso, restabeleceu de vez a verdade histórica. Narra, de acordo com os relatórios dos conquistadores de Palmares, a cena final da fuga, da queda de alguns pretos na barranca abaixo e da degola sumário do zumbi.

Semelhante exemplo não terminou com os quilombos no Brasil. A sede de liberdade continuou os formando. Tanto assim que em 1741 um alvará régio mandava marcar a ferro em brasa no rosto com um F (Fujão) os escravos neles apanhados.

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Fonte: "Segredos e revelações da história do Brasil", Gustavo Barroso - Edições O Cruzeiro - 2ª edição - Agosto de 1961.