terça-feira, 11 de setembro de 2012

Doações corporais

— Em minha opinião, cada pessoa devia ter dois corações! — e com tal declaração, desceu no aeroporto de Londres o Professor Wladimir Demikhov, cirurgião soviético que se prepara para enxertar em uma paciente de 20 anos de idade a perna de uma mulher morta.

O Professor é bárbaro, nesse negócio de enxertar na base do toma lá, dá cá. Foi ele que fez o primeiro cachorrinho com dois corações, foi ele que inventou o primeiro cachorrinho com duas cabeças e é ele quem admite, para um futuro próximo, pessoas com dois corações, para que sejam melhor distribuídos a função e o cansativo trabalho do chamado propulsor.

Está claro que o Professor Wladimir não pensa em fazer monstros e quer colocar órgãos duplos para casos especiais. Sua ciência evolui para um lado verdadeiramente consagrador, qual seja a de uma pessoa mutilada herdar de uma pessoa recém falecida o pedaço que lhe falta, seja perna, braço, olho ou nariz. Isto, no entanto, não impediu que o abominável Primo Altamirando tenha escrito ao distinto sábio soviético, pedindo que lhe arranje uma mulher com quatro coxas.

Mas, voltemos ao Professor. Além de achar que cada pessoa deve ter dois corações, Wladimir Demikhov assegura que tal coisa não é impossível:

 — Sei que isto se afiguraria improvável, mas as viagens à Lua também pareciam improváveis, não faz muito tempo — afirmou ele.

E diz que a humanidade ganhará muito, no dia em que uma pessoa que tenha orelhas muito bem formadinhas puder deixar, para um amigo de orelhas feias, seu par de pavilhões auriculares. E que beleza não será alguém de perna sadia, ao morrer, deixar de herança para um amigo aleijado a perna que lhe falta.

E os olhos dos que vêem para os cegos de nascença, um braço para quem só tem um, cabelo para os carecas, mãos para os manetas, dedos para os dedetas e assim sucessivamente, cada um legando aquilo que já não lhe poderia ter valia para o amigo tão necessitado.

Que o sonho do sábio russo se transforme logo em realidade, porque se for o caso de sermos convocados por Deus antes de Ibrahim Sued, queremos deixar nossa cabeça para ele usar no tempo de vida que lhe sobrar, para uma completa reabilitação.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.

Seguros de amor

Diz que em Londres surgiu um camarada que está revolucionando os processos usados pelos seguradores para defender os interesses dos segurados. Trata-se de um inglês (porque os ingleses, ainda que possa parecer incrível, são muito encontradiços em Londres) chamado Arthur Harrison.

Namorados e noivos londrinos, temerosos de perderem o amor das suas amadas, estão apelando para apólices de seguro contra romances desfeitos.

Se as levianas moçoilas, que se dizem suas, se apaixonarem por um pilantra qualquer no Continente, ao sair da ilha para passear pelo resto da Europa, o desprezado tem, como consolo, uma indenização de mil libras que, trocadas em miúdos, dão mais ou menos umas 450 abóboras maduras.

Diz que Mister Harrison tem feito bom negócio e até tabelou o seguro de amor, pagando um preço mais alto pelas noivas e namoradas que vão sozinhas à Itália, à França e demais países latinos porque, conforme vocês sabem, nós — latinos — não é por estarmos nas nossas presenças não... mas nós latinos somos fogo.

Os ingleses fazem tal seguro, não sabemos se com o conhecimento da noiva ou namorada e, se assim for, é um caso mais lamentável ainda. Nossas amadas têm todo o direito de nos trair, mais por vingança, é claro, ao saberem que nós estamos transacionando com o seu sentimento de fidelidade. Mas os londrinos são londrinos, entendem? Ou não entendem, o que é melhor para vocês.

Quanto vale o amor de sua amada, você aí, companheiro? Vale os 450 contos que paga o Mister Harrison? Como? O amor de sua amada não tem preço? Muito bem respondido, irmão. Vá sentar. Levou um 10 em amorologia. É isto mesmo, não há apólice que pague o amor de nossa amada, nem vai ser um monte de dinheiro que secará nossas lágrimas, ao ver partir com outro a nossa "segurada".

Diz muito mal dos noivos e namorados londrinos o êxito de Mister Harrison. Nós aqui — e acreditamos que vocês também, não é rapaziada? — se fizéssemos um seguro desses, mesmo por brincadeira, haveríamos de receber o dinheiro desconsolados. Nós somos assim. Quando Mister Harrison nos trouxesse o dinheiro, compraríamos um lindo presente e mandaríamos para ela com gosto amargo de "nunca mais" na boca.

Mas, cada um tem sua maneira de pensar. Perguntamos a Primo Altamirando:

— Se você recebesse o seguro pela infidelidade de sua amada, comprava um presente para ela?

— Não — respondeu o abominável parente — comprava era uma lambreta para mim.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.