sábado, 2 de novembro de 2013

Ainda a salvação através do urubu

Pois, irmãos, foi aquele camarada em Santos exportar urubu para a Europa e todo mundo aderir ao urubu (vide, inclusive, nota no noticiário da Pretapress, fofocalizando o assunto). Conforme disse Tia Zulmira, sem se esquivar ao trocadilho — à cuja prática se dá um tanto bissextamente: “tá todo mundo urubusservando o bicho”.

Ontem um matutino da imprensa sadia, desses metidos a austeros, deu farta cobertura ao urubu. Diz que o urubu é o nome vulgar das aves falconiformes, família das vulturídeas, tribo das sarcorrafíneas, do gênero “Cathartes Illig”, enfim, puxa-saco às pampas do urubu. E chega a lembrar que, no Paraguai, costumam chamar o urubu de “gallinazzo”, o que não deixa de ser um desrespeito à miséria alheia. No Paraguai, pobre república, na mão de alguns “gorilas” desonestos, eles chamam urubu de “gallinazzo” para terem a ilusão de que são de galinha os ovos de urubu que usam no omelete.

No Brasil (e isto é uma velha história) é proibido matar urubu, porque existe a lenda de que ele ajuda a lavoura. Ora, o urubu sempre foi uma ave pestilenta, transmissora de moléstias e outras coisas, e o fato de ser considerado bom para a lavoura é mais uma prova de que se deve, o quanto antes, fazer a reforma agrária (ou do urubu, se a agrária continuar na mão dos deputados).

Mas deixa isso pra lá. O importante, no caso, é a exaltação do urubu. A. turma anda tão seca por dólares que bastou quatro urubus a 27 dólares para os fundos monetários nacionais, pra ficar tudo adulando o bicho, que vem de ganhar até heráldica e anotações de árvore genealógica num matutino dirigido por uma condesse (veja a importância assumida repentinamente pelo urubu).

Como não entro em frias sem consultar Tia Zulmira, estive ontem no casarão da Boca-do Mato, perguntando a velha o que é que ela acha do urubu:

— Animal humaníssimo, se me permite o termo — falou a sábia macróbia. Tem seus vícios, mas quem não os tem? Taí o Jânio Quadros que não me deixa mentir.

E explicou que, do duro mesmo, só existem cinco espécies de urubu, no Brasil: o urubu-campeiro, que é o trouxa da nação e leva uma vida de lavrador, o urubu-gameleira, que é omisso e fica no galho esperando a situação melhorar, o urubu-ministro, que sempre entra em fria, o urubu-peru, assim chamado porque está sempre peruando, como certos políticos nacionais, e o urubu-rei, que de vez em quando é eleito e vai passar uma temporada no Palácio da Alvorada.


Fonte: Jornal "Última Hora", de 06/09/1963 — Coluna de Stanislaw Ponte Preta.

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