quinta-feira, 13 de junho de 2013

No tempo da maxambomba


A maxambomba passa correndo passa barulhenta pelas ruas mornas da cidade antiga:

Chá com pão
Chá com pão
Bolacha não...

Vai num doido apito, num apito prolongado e agudíssimo. Sacoleja nos trilhos. Transpõe a ponte:

Tem... lem... tem... tem...
Tem... lem... tem... tem...
Frade da Penha não deve a ninguém...

E corre para os arrabaldes. Monteiro... Caxangá... Arraial... Muito cheiro de manga e de sapotis maduros. Muitas moças de tranças pelos portões para ver quem passa ou para receber quem vem... Os meninos arteiros trepam nos muros e empinam papagaios. Ou chupam pitombas e atiram os caroços no maquinista. Levam pela estrada um piano. Os oito homens caminham de passos certos e cantando

Zomba minha negra.
Zomba meu sinhô.

A maxambomba passa no "mato". E sobe a rampa da Mangabeira. Os velhos jogam gamão nos terraços. A Dindinha embala o neto na cadeira de balanço:

A obrigação de quem cria
É o menino acalentar...

A negra grita: "Tapioca quente!". E Yayá só quer andar é no trem. Ela já manga do palanquim. Dança quadrilha, faz balancê, e sabe uns versos que dizem assim:

Moça nenhuma
Me faça tromba,
Que eu só embarco
Na maxambomba.

A fumaça vai ficando pelo caminho, cheirando a carvão. A "mãe-preta" espirra. "T'esconjuro!". As meninas fazem debaixo do arvoredo, de fitas nas cinturas e mãos dadas:

Diga, senhora viúva,
Você com quem quer casar?
É com o filho do conde?
Ou com o senhor general?

A maxambomba toma carreira:

Vou com pressa...
Vou com pressa...

O povo todo fica no Poço. Painel, bandeiras, músicas, foguetes. O sino toca na capelinha. É a novena, a das "solteiras". Vestidos novos, seda, espartilhos e anquinhas. Rapaziada de redingotes. Vendem na porta "medidas-bentas". Canoas trazem gente da outra banda do rio. "Papai eu quero ir no tivoli!". Sobrados abertos com bicos de gás. "Bonito mesmo!". Dançam lá dentro quadrilha. As damas de saias redondas, fazendo balancês com os cavalheiros de sobrecasacas debruadas. Sorrindo, cortejando-se, derretendo-se... Para um crítico escrever depois:

Quadrilhas e balancês
São favoráveis ensejos
Se não de furtivos beijos
De abraços e apertões
De introduzir petições.

Conversas: "Eu vou tomar banhos salgados em Olinda". - "Também vou. Já comprei minha roupa de baeta". - Num recanto o fandango com o navio e noutro o pastoril de Xandunzinha. "Viva o azul!". E as pastoras entoam:

Ò gentileza, tão formosa e bela,
Eu não sou lírio, nem também jasmim,
Das pastorinhas sou a mais querida
Sou a Diana deste pastoril...

E a maxambomba volta cansada. Puxando, puxando, com sono...

Chá... com... pão...
Chá... com... pão...
Bo... la... cha... não...

O caminho está escuro. Os lampiões estão apagados. Nos sítios o povo dorme. Ainda muito cheiro de mangas e de sapotis. As estrelas piscam os olhos pedindo a madrugada para fechar de todo. Um violão volta da festa tocando. E um homem cantando alto:

Acorda, Adalgiza,
Que a noite desliza...

Lá se vai a boleira com seu xale de franjas e o tabuleiro vazio. Nem um pastel de nata, nem um cocorote, nem um mata-fome de cavalinho... Amanheceu. O corneta do quartel já tocou alvorada e os soldados fazem exercícios. De guritões e calças-encarnadas. Rufam tambores:

Ratos com coco,
Lagartixas com feijão.
No beco do marisco
Tem arroz com camarão...

A maxambomba não pode mais. Prega na ponte. Faz força. Pára.

Chó... chó... chó... chó...
chó... chó... chó... chó...

O povo salta para empurrar.

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"No Tempo da Maxambomba" - Crônica de Mário Sette - Revista da Semana, 02/03/1940.