sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Da galanteria

Dizem pela aí que a História se repete. Como os cômicos de teatro rebolado, a História se repete. No setor da galanteria, por exemplo, a História não desmente essa teoria. O que foi involução num tempo passa a evolução noutro tempo, para voltar a ser involução numa época adiante. Há muitos anos atrás — o marechal Lott não era nem escoteiro — o homem tratava a mulher com uma deferência de puxa-saco.

Era até chato. Antes, no entanto, isto é, na Pré História, segundo nos contou o Brício de Abreu, mulher só saía da caverna (naquele tempo não havia Lei do Inquilinato ainda, pois ninguém tinha casa: era tudo caverneiro) pra passear com o marido numa condução: cabelo. Sim, o marido agarrava a distinta pelos cabelos e saía puxando pelos caminhos.

Tempos mais amenos cultivaram a galanteria. Teve até um cara que, ao ver a lama se interpondo no caminho de uma dama, tirou a capa brocada que levava aos ombros e atirou no chão, para que ela passasse por cima sem sujar os pés. Isto foi o máximo em charme que a História recolheu. Só não citamos o galante personagem pelo nome porque hoje estamos de memória fraca e empenhamos a Enciclopédia Britânica.

Mas — dizíamos — a História se repete e o que foi galanteria ontem é descortesia hoje. Atualmente homem não está dando muita bola pra mulher, no setor da educação não. Talvez porque as mulheres de hoje são mais badalativas e concorrem com eles em tudo, o fato é que o negócio ficou "mano a mano" e mulher tem que disputar na raça com o homem tudo aquilo que desejar.

Quem não se conforma com isso é Tia Zulmira, senhora que foi broto de outros tempos e que não se adapta ao rebolado atual. Tanto que só fizemos este longo introito para contar o episódio vivido pela sábia macróbia da Boca do Mato, dentro de um ônibus.

A velha foi obrigada a deixar momentaneamente o seu retiro para fazer umas comprinhas no Centro. Para tanto tomou um ônibus e, velha como está, viu-se na contingência de viajar em pé, porque nenhum dos marmanjos refestelados nos bancos se dignou ceder o lugar. Vendo que nenhum tinha educação, Tia Zuzu apelou para o patriotismo deles. Tirou uma bandeirinha do Brasil do bolso e começou a cantar: — "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas..."

Pois nem assim! Ninguém se levantou.


Fonte: Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.